terça-feira, 9 de dezembro de 2025

Honda X-ADV 750 2025 à prova

Jacinto cansou-se de Paris — das campainhas elétricas, das máquinas que faziam tudo menos dar sentido à vida. O seu palácio na Avenida dos Campos Elísios era um museu da modernidade, mas o homem, esse, murchava por dentro. Só quando regressou às serras, à terra que cheira a rosmaninho e a ferro velho ao sol, é que voltou a respirar.


E é curioso como, mais de um século depois, o mesmo dilema se repete — mas agora com motores e capacetes. A Honda X-ADV 2025 é, de certa forma, o capítulo contemporâneo dessa parábola: a união improvável entre a cidade e a serra, entre a sofisticação e o pó. Uma moto que, como o Jacinto reconciliado, reencontra a alma no equilíbrio entre tecnologia e instinto. 

A CIDADE E AS SERRAS 
A Honda X-ADV 750 é uma velha conhecida do nosso ESCAPE. Já a vimos, já a sentimos, em três ocasiões diferentes, cada uma com a sua personalidade, cada uma com a sua evolução. E agora, quatro anos depois, ela regressa, não como um déjà-vu, e sim como uma promessa de algo novo — mais refinada, mais ágil e ainda assim com o mesmo carácter mestiço que a tornou única


Esta é uma moto que não se deixa encaixar em zonas fechadas. Apresenta uma mistura fina de estilos: urbana quando a cidade a exige, roadster quando a estrada chama, exploradora quando o campo surge à frente, e até turística quando o horizonte se estende mais além. Cada momento revela essa versatilidade. 


Na cidade, a X-ADV move-se com elegância quase literária — automática, fluida, urbana. Mas basta uma curva aberta, um caminho de terra, e ela liberta-se do verniz citadino. O motor sobe de tom, o DCT lê o pensamento, e o piloto sente o sangue quente do Douro a correr-lhe nas veias. 


As novidades de 2025 não se limitam a detalhes cosméticos. Esta Honda deseja mais eficácia, um comportamento mais sólido em cada elemento da moto, e a condução ganha uma leveza inesperada. É uma X-ADV que continua a desafiar as categorias, a provocar os sentidos e a mostrar porque é, há tantos anos, uma referência de carisma e inovação em duas rodas. A Honda X-ADV 750 não é apenas uma moto. É uma provocação, um veículo que desafia as categorias e as convenções.


Desde 2017 que a Honda decidiu misturar o que parecia impossível: a liberdade e a robustez de uma trail com a utilidade prática de uma scooter de topo. O resultado? Uma moto que olha para a cidade e para a aventura com o mesmo desdém, e que exige atenção de quem insiste em rotular tudo. 

NOVIDADES BOAS
Em 2025, a X-ADV não se contenta em existir — ela afirma-se. O chassi foi redesenhado, mais agressivo, mais decidido, como quem diz “estou aqui e faço tudo”. Os faróis duplos de LED com DRL e piscas integrados não são apenas tecnologia; são um grito de visibilidade que marca presença, seja sob a luz do sol ou no nevoeiro de uma estrada de montanha. O banco, com 10% mais espuma de uretano, não é só conforto: é confiança, cada centímetro pensado para que o piloto sinta que domina a moto, mesmo quando a cidade parece um labirinto. 


O espaço debaixo do banco, com 22 litros e ficha USB-C, e o porta-luvas são detalhes que se tornam essenciais: a X-ADV é prática, mas nunca banal. O ecrã TFT de 5 polegadas e a conetividade Honda RoadSync transformam cada viagem numa extensão do teu mundo digital, com navegação e funcionalidades inteligentes sempre ao alcance da mão, controladas por um simples interrutor no punho esquerdo. 


A condução é uma declaração: o motor bicilíndrico paralelo distribui potência com precisão cirúrgica — 43,1 kW e 69 N·m de binário, mas com uma suavidade que só a caixa DCT e os novos ajustes a baixa velocidade conseguem dar. Os modos de condução, com controlo de tração variável, permitem moldar a moto ao teu estado de espírito — da cidade à estrada de gravilha, da chuva ao sol, sem concessões. 

ACTUALIZDA E REFINADA 
O sistema de dupla embraiagem DCT da X-ADV 2025 foi atualizado para oferecer arranques mais suaves e controlo otimizado a baixas velocidades, especialmente abaixo de 10 km/h, facilitando inversões e manobras urbanas. A nova tecnologia calcula eletronicamente a pressão do óleo na câmara do êmbolo da embraiagem e aplica o feedback de forma mais precisa, garantindo uma resposta mais delicada e direta. 

As trocas de velocidade são consistentes, rápidas e praticamente sem interrupção de tração, eliminando choques e transmitindo sensação de mudanças suaves e contínuas. Os benefícios incluem maior durabilidade da caixa, impossibilidade de deixar o motor ir abaixo, redução do stress urbano e menor fadiga do condutor, permitindo mais concentração na condução, nas curvas e na travagem. 

O DCT oferece dois modos de condução: Automático (AT), que ajusta a mudança conforme velocidade, rotação e engrenamento, e Manual, que permite controlar as patilhas do punho esquerdo. Graças ao Throttle By Wire (TBW), há cinco definições de mudanças automáticas:
• Nível 1: mais suave, baixa rotação, ligado ao modo RAIN. 
• Nível 2: ligado ao modo STANDARD, equilíbrio entre conforto e desempenho. 
• Nível 3: entre STANDARD e SPORT. 
• Nível 4: mais agressivo, mudanças a alta rotação, ligado ao modo SPORT. 
• Modo GRAVEL: padrão mais desportivo, com patinagem controlada das embraiagens para condução fora de estrada. 

O modo USER permite configurar qualquer padrão DCT combinado com ajustes de potência, travagem-motor e sistemas ABS/HSTC, oferecendo personalização total para o condutor.

USO E ABUSO
A acessibilidade continua a ser um dos pontos menos consensuais da X-ADV. Subir e descer desta moto exige sempre um pequeno exercício físico, quase um ritual — não é propriamente intuitivo, nem particularmente “acolhedor” para quem salta para cima dela várias vezes ao dia. O espaço disponível para pernas e pés permanece limitado, e isso sente-se também na própria proteção aerodinâmica, que não atinge a eficácia de outras propostas da gama Honda, como a Forza 750. Há compromissos assumidos desde o primeiro momento, e a X-ADV não os esconde.


Todavia mal se roda a roda da frente, muda tudo: a moto revela uma agilidade soberba, uma leveza quase desconcertante. Na cidade, ela põe-se a jeito, domina rotundas, corredores de trânsito e curvas apertadas com uma facilidade que parece desafiar a sua própria geometria. O DCT, esse velho conhecido em constante evolução, está mais fino do que nunca — mais intuitivo, mais adaptado a diferentes estilos, mais inteligente nas transições. E quando a estrada abre, a X-ADV transforma-se: divertida, solta, pronta a dançar entre ritmos. Com pneus mistos, salta do asfalto para a terra e da terra para o asfalto com uma naturalidade que deveria envergonhar algumas supostas “adventures”. 


Desta vez abusei do fora de estrada — estradões rápidos, zonas com mais dificuldade — e a moto respondeu sempre com uma serenidade impressionante. O modo GRAVEL do DCT está afinado ao ponto de parecer leitura de pensamentos. Para o utilizador comum, aquilo que se sente é simples: versatilidade fora do normal. 


E depois há o detalhe que a distingue de todas as outras: a X-ADV é única. É icónica. Já ultrapassou debates estéreis sobre se é moto, scooter ou um híbrido indecifrável. Não é nada disso: é uma X-ADV. Ponto final. Parágrafo. Uma moto que criou o seu próprio território e o ocupa com autoridade. E conduzir, diariamente, um ícone — sobretudo um que evoluiu sem perder o carácter — é uma dessas pequenas alegrias que fazem parte do privilégio de quem vive em duas rodas. 

O PREÇO DA EXCLUSIVIDADE
O carácter polivalente da X-ADV 2025 - sorveu quatro litros redondos de sumo de dinossauro por cada cem quilómetros de eficácia - é impossível de ignorar. Cada linha, cada ângulo do chassis, cada detalhe do para-brisas ajustável com uma mão grita inovação, consciência ambiental e, acima de tudo, liberdade sem limites.

A X-ADV 750 continua a ser única. Não é apenas uma moto de aventura, nem apenas uma scooter urbana. É ambas, e muito mais. É a moto que diz que não há compromissos a fazer: se queres liberdade, utilidade e atitude em doses iguais, ela está aqui para mostrar-te como se faz. A Honda X-ADV 750 para 2026 mantém as mesmas características mecânicas do ano anterior, ou seja da versão agora provada. 

O foco das atualizações para 2026 está no estilo e na personalização. A X-ADV passa a estar disponível em três esquemas cromáticos clássicos: Preto Graphite, Cinzento Mate Deep Mud e Branco Pérola Glare, enquanto a grande novidade é a Edição Especial Tricolor, com grafismos em azul e vermelho sobre base Branco Mate Pérola Glare, uma homenagem às lendárias Honda Transalp e Africa Twin. Preço? 13.500€. 

Mantendo o compromisso com a sustentabilidade, a X-ADV continua a utilizar plásticos reciclados DurabioTM em várias peças de carenagem, contribuindo para a redução das emissões de CO₂ associadas ao processo de pintura. Para completar, estará disponível uma gama revista de acessórios, incluindo um novo encosto para o passageiro e um escape Akrapovič slip-on, permitindo aos condutores personalizar ainda mais a sua moto. 

Raterometro ******** (8/10)

domingo, 7 de dezembro de 2025

Entender o Raterómetro

O Raterómetro começou quase como uma brincadeira. Surgiu, algures, numa Prova qualquer, como uma ideia de fazer algo diferente: pontuar. Ter a coragem de avaliar, atrever-se a dar uma nota a cada moto de forma clara e honesta. No início era apenas um exercício lúdico, um gesto descontraído e com o tempo, a escala começou a ganhar vida própria. 

Foto: Gonçalo Fabião

Hoje, os leitores e seguidores do blogue já falam no Raterómetro: comentam que determinada moto recebeu um 7 ou um 8, ou que outra atingiu uma nota excecional, um 9. O feedback tem sido positivo e consistente. O que começou como uma brincadeira está a transformar-se em algo sério, uma ferramenta que acompanha cada Prova, que ajuda a transmitir de forma imediata a experiência de condução. 

Passados alguns meses de utilização, o Raterómetro está claramente sedimentado, cristalizado no ADN do blogue. As análises já não vivem sem ele, e está claro que veio para ficar. É, por isso, o momento certo para fazer um esclarecimento: explicar o que é, como funciona e por que não se compara a outras escalas de avaliação. 

UMA ESCALA À PARTE 
Foto: Gonçalo Fabião
No mundo da avaliação, existem diversas formas de medir experiências, desempenhos ou satisfação. Entre as mais conhecidas estão a escala académica, de 0 a 20, e a escala NPS – Net Promoter Score, de 0 a 10. Ambas são úteis, mas cada uma segue uma lógica muito específica. 

A escala académica é familiar a todos nós: avalia desempenho, conhecimento ou competência. Cada ponto tem valor absoluto. Por exemplo, 16 é melhor que 14, 14 melhor que 12, e assim por diante. A escala é linear e quantitativa: mede o resultado de um esforço ou a qualidade de um desempenho. Não mede emoção, prazer ou lealdade — apenas desempenho. 

O NPS, por outro lado, é uma escala de lealdade e satisfação. Pergunta-se: “Qual a probabilidade de recomendar este produto ou serviço a um amigo ou colega?” A escala divide os clientes em três grupos: 
• Promotores (9–10): entusiastas que recomendam activamente. 
• Passivos (7–8): satisfeitos, mas neutros. 
• Detractores (0–6): insatisfeitos, potencialmente críticos. 
O NPS mede intenção de recomendação, não experiência objectiva ou desempenho académico. Cada ponto não é linear; importa para determinar o grupo em que o cliente se encaixa. 

PRAZER E IMPORTÂNCIA 
O Raterómetro, a escala que utilizamos no blogue, não é uma escala académica nem um NPS. É uma escala pensada para medir o prazer e a importância do que uma moto nos proporciona, mas com nuances próprias. Funciona assim: 

• Escala de 0 a 10, mas com regras emocionais e qualitativas: 
• 10: reservado apenas para obras-primas, motos históricas que entram para o cânone do motociclismo.
• 9: motos que definem padrões, estabelecendo referência dentro do seu segmento. 
• 7 e 8: avaliações muito positivam; a esmagadora maioria das motos cai aqui. É aqui que encontramos motos boas, consistentes, muito agradáveis. 
• 5 e 6: motos que agradam, mas ficam aquém do padrão actual de prazer e qualidade de condução.
• Abaixo de 5: motos com problemas evidentes, de desempenho, segurança ou qualidade de construção. Na prática, no estado actual do motociclismo, é quase impossível encontramos motos neste patamar. 

CARACTERÍSTICAS DO RATERÓMETRO
1. Não é linear: um 8 e um 7 são positivos, mas a diferença não é meramente matemática — envolve experiência subjectiva. 
2. Não é académico: não mede competência ou desempenho de forma objectiva, nem pretende classificar absolutamente todas as motos. 
3. Não é NPS: não mede lealdade ou intenção de recomendação, embora possa influenciar a recomendação de um leitor. 
4. É uma escala de importância e prazer: mede o impacto que a moto tem sobre o mortociclista que a provou, o gozo que proporciona, a satisfação global. 
5. Tem um componente histórico: valores como 9 ou 10 não são dados frequentemente; só motos que marcam época ou redefinem padrões entram aqui. 

Foto: Gonçalo Fabião

O Raterómetro é assim uma escala emocional e qualitativa, uma tentativa de medir experiência subjetiva elevada a critérios quase simbólicos. Não interessa apenas “quanto a moto é rápida ou confortável”, mas quanto a moto importa, surpreende e entusiasma. 

UMA CLASSIFICAÇÃO DE EXPERIÊNCIAS 
É uma escala de relevância e intensidade, onde a emoção do motociclista define o valor, mas sempre com critérios internos consistentes: obras-primas, referência, excelente, agradável, aquém do padrão, insatisfatório. 
Em termos práticos, podemos dizer que: 

• É emocionalmente ponderada, não matemática.
• Classifica experiências, não resultados objetivos.
• Coloca o prazer de condução e o impacto da moto no centro da avaliação. 
• Mantém uma disciplina interna: o 10 é sagrado, o 9 reconhece excelência, 7 e 8 são bons, 5 e 6 são medíocres, abaixo de 5 raríssimo. 

Foto: Gonçalo Fabião

Em suma, o Raterómetro é uma escala de gozo e importância, pensada para avaliar a experiência motociclística de forma subjectiva, mas consistente, capaz de separar o excelente do extraordinário e o agradável do medíocre, sem cair na objectividade fria de notas académicas ou na lógica de lealdade do NPS.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

Carta Aberta à Miss Yoshimura

Querida Miss Yoshimura. Deixa-me contar-te a história de um homem que, com apenas 1,60 metros de altura, desafiou as leis da física e da lógica para conquistar o impossível. O seu nome é Gaston Rahier, e ele venceu o Rally Paris-Dakar duas vezes, em 1984 e 1985, numa época em que as motos eram autênticos colossos de metal e potência. 


A altura: mais do que uma medida física 
A altura é frequentemente vista como um reflexo da força ou da capacidade de alguém. No entanto, ao longo da história, muitos homens e mulheres de estatura modesta deixaram uma marca indelével no mundo. Por exemplo, o “louco” Napoleão Bonaparte, frequentemente retratado como baixo, tinha uma altura média para a sua época e foi um líder militar e político de grande influência. Outro exemplo é Mahatma Gandhi, com 1,65 metros, cuja estatura física não impediu que se tornasse um dos maiores líderes espirituais e políticos da história.   

Gaston Rahier: o pequeno gigante do Dakar 
Antes de se tornar uma lenda do Dakar, Rahier construiu uma carreira sólida no motocross. Vencedor de três campeonatos mundiais de 125cc consecutivos entre 1975 e 1977, também conquistou múltiplos títulos no motocross das nações. Após um grave acidente em 1982 que quase lhe custou a mão, Rahier não se deixou abater. Em vez disso, voltou-se para o Dakar, onde, com coragem e destreza, venceu as edições de 1984 e 1985. 

As motos da época: gigantes sobre duas rodas 
As motos do Dakar nos anos 80 eram imponentes. A BMW r80 g/s, por exemplo, tinha um peso de 230 kg e uma altura de banco que exigia habilidade e força para manobrar. Rahier, com sua estatura de apenas 1,60 metros, precisava montar a moto de uma maneira única: caminhava ao lado dela, colocava um pé no pedal e, com um movimento ágil, passava a perna por cima do banco para iniciar a corrida. Esta técnica, embora inusitada, era uma demonstração de sua adaptabilidade e determinação. 


A verdadeira medida do sucesso 
O que tudo isto nos ensina, Miss Yoshimura, é simples: não é a altura, nem o tamanho do corpo, que define um vencedor — é a força de carácter, a persistência e a coragem de enfrentar desafios que parecem maiores do que nós. Rahier provou pelo motociclismo que com determinação, talento e paixão, até os obstáculos mais altos podem ser conquistados. Ele enfrentou desafios que muitos considerariam intransponíveis e, com habilidade e coração, conquistou o impossível. 

Portanto, quando olhares para uma moto gigante ou para uma meta que parece inalcançável, lembra-te do pequeno gigante que venceu o Dakar. A verdadeira grandeza está na mente, no coração e na vontade de deixar a tua marca, independentemente da estatura. 

Assim como Rahier, tu também tens dentro de ti a capacidade de superar qualquer obstáculo. E na verdade até sabes bem disso mesmo. A tua altura não define quem tu és ou o que podes alcançar. O que importa é a tua determinação, o teu espírito e a tua vontade de seguir em frente, independentemente das adversidades. 

A lição é clara: o tamanho de um campeão não se mede em metros, mas em coragem, garra e ousadia. Já conheces de cor e salteado a minha recomendação: “faz-te grande!”! 

Com admiração e respeito.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

Um ensaio crítico sobre o ódio e a coexistência das motos elétricas

Apresentada em 2025 – e provada pelo ESCAPE nos últimos dias - a LiveWire S2 Alpinista (link) é mais do que uma moto elétrica; é um símbolo, um novo marco de performance e design que, ironicamente, se tornou um para-raios para a resistência e o ódio de uma parte da comunidade motociclística tradicional.


Este pequeno ensaio tenta mergulhar na história, na emoção e na análise social deste confronto cultural, examinando a aversão às novas tecnologias e defendendo um futuro de coexistência e respeito. 

O SOM DA HISTÓRIA E A CULTURA DAS OCTANAS 
O motociclismo nasceu no final do século XIX, e a sua alma cultural consolidou-se ao longo do século XX. A moto não é apenas um meio de transporte; é uma extensão do corpo, um veículo de liberdade, rebeldia e identidade.


A cultura moto foi cimentada por ícones, filmes e o som inconfundível do motor a explodir. O lema “Loud Pipes Save Lives” transcendeu a mera segurança para se tornar um grito de guerra, simbolizando a presença, a força e a essência da máquina. 

A paixão pela gasolina, pelas viagens longas, pela mecânica e pelo cheiro a óleo e octanas tornou-se um ritual sagrado. Para muitos, o motociclismo é a fusão de metal, fogo e combustão – uma experiência visceral onde o som do motor V-Twin ou do quatro cilindros não é ruído e sim música, a banda sonora da estrada. Qualquer coisa que ameace este ritual é vista, não como progresso, mas como sacrilégio. 

A CHEGADA DA ELETRICIDADE
A origem das motos elétricas remonta a experiências rudimentares, mas a sua verdadeira emergência no mercado deu-se no século XXI, impulsionada pela dita urgência climática e pela evolução tecnológica. 


Marcas pioneiras como a Zero Motorcycles e, posteriormente, a própria LiveWire (nascida como um projeto da Harley-Davidson e transformada em marca independente) começaram a prometer um futuro de aceleração instantânea, zero emissões e manutenção simplificada. 

Modelos como a LiveWire ONE e a mais recente LiveWire S2 Alpinista surgem com propostas técnicas impressionantes: 84 CV, um torque instantâneo de 263 Nm e uma aceleração de 0 a 96 km/h em apenas 3,0 segundos. No entanto, carregam a sombra do principal desafio: a autonomia, que na Alpinista, por exemplo, é de cerca de 194 km no ciclo urbano e 115 km na autoestrada, com tempos de carregamento (20-80% em 78 minutos num carregador de Nível 2) que ainda não satisfazem o ideal da viagem "sempre a despachar" do motociclista tradicional. 

CULTURA, EMOÇÃO E A RESISTÊNCIA À PERDA 
A aversão e o ódio que as motos elétricas enfrentam nas redes sociais e em fóruns como o Reddit ou Facebook não se baseiam primariamente na tecnologia e sim na identidade cultural e na emoção. 

Medo da perda do Ritual: O motociclista tradicional valoriza o ato de reabastecer a mota, de sentir o cheiro da gasolina, de ouvir o motor. O silêncio quase total da moto elétrica, a necessidade de "ligar à corrente" em vez de "encher o depósito", destrói o ritual. A moto elétrica é vista como asséptica, desprovida da "alma" mecânica. 


Nostalgia e identidade: para os “petrolheads”, a moto a combustão é uma relíquia viva, uma ligação à história. Trocar o som do motor pelo zumbido elétrico é como substituir uma guitarra elétrica por um sintetizador num concerto de rock – é uma traição à essência do género. A identidade, que muitas vezes é construída em torno da robustez e do barulho do motor, sente-se ameaçada. 


Preconceito social: A moto elétrica é, por vezes, estigmatizada como um brinquedo caro, para hipsters ou entusiastas da tecnologia, falhando em capturar a aura de dureza e aventura que a moto a gasolina construiu ao longo de décadas. 

O PALCO DIGITAL: CRÍTICA E ANÁLISE SOCIAL DO ÓDIO 
A resistência encontra o seu palco mais ruidoso e destrutivo nas redes sociais. Comentários agressivos, memes depreciativos e o uso da palavra "ódio" proliferam. Esta manifestação digital é um reflexo de uma sociedade que polariza o debate e demoniza o que é novo ou diferente. É crucial questionar a validade deste ódio. A S2 Alpinista não exige a morte da Harley-Davidson a gasolina; propõe uma alternativa. O motociclismo, na sua essência, celebra a liberdade individual. 


A liberdade de escolha é o pilar do motociclismo. Um motociclista é livre de escolher a sua máquina, a sua rota e o seu som. O ódio é o oposto da liberdade. A alternativa não é uma ameaça, mas uma expansão do horizonte. O debate deve sair da esfera da emoção irracional e entrar no campo da sã coexistência. O motociclismo é um guarda-chuva vasto que deve abrigar tanto o entusiasta das octanas quanto o adepto do silêncio elétrico. 

DESAFIOS PRÁTICOS E SIMBOLISMO DE MERCADO 
Os desafios práticos persistem e alimentam o ceticismo. A autonomia e a infraestrutura de carregamento são os calcanhares de Aquiles. A adoção lenta do mercado de motos elétricas é um sintoma disto. 


O impacto simbólico mais forte desta resistência veio há semanas: a suspensão da classe de motos elétricas (MotoE) no MotoGP a partir do final da temporada. A Dorna e a FIM justificaram a decisão com a falta de audiência e o mercado de motos elétricas de alto desempenho que “não evoluiu como esperado”. Esta suspensão, embora temporária e sujeita a reavaliação, foi vista pelos críticos como uma vitória simbólica da tradição sobre a inovação, reforçando a narrativa de que o motociclismo elétrico ainda não conquistou o coração dos fãs. No entanto, é importante sublinhar que o progresso tecnológico é imparável e a eletrificação no transporte é uma inevitabilidade histórica. 

COEXISTÊNCIA E RESPEITO 
O motociclismo é, fundamentalmente, uma comunidade unida pela paixão por duas rodas. Quer se trate do rugido de um motor a combustão que ecoa a tradição, quer do silêncio futurista da LiveWire S2 Alpinista, a emoção de curvar e a alegria da estrada continuam a ser o elo comum


Quase em 2026, a sociedade exige empatia, educação e respeito pelas escolhas individuais. A tecnologia avançará. Os motores elétricos ficarão mais potentes, com maior autonomia e carregamentos mais rápidos. O futuro não é uma escolha entre A ou B, mas sim a coexistência de A e B. 

A verdadeira liberdade no motociclismo não reside no tipo de motor, e sim na capacidade de escolher o que nos faz sentir a emoção da estrada. O desafio é simples: todos aqueles que amam andar de moto, devem priorizar a comunidade e o respeito mútuo, permitindo que a tradição e o progresso acelerem lado a lado.

sábado, 29 de novembro de 2025

O Boxer “Made in China” que pode abalar o mundo BMW

Nos últimos meses, a página de Facebook d’O Escape Mais Rouco viveu algo que nunca imaginei: uma explosão orgânica que atravessou fronteiras, línguas e fusos horários. Graças às novas ferramentas digitais — e, sim, à inteligência artificial que hoje traduz automaticamente qualquer coisa para meio mundo — textos que começaram como simples reflexões de um motociclista em Lisboa passaram, inesperadamente, a viajar pelo planeta inteiro. Nunca esteve nos meus planos disputar audiências, muito menos ultrapassar as métricas de publicações profissionais, e a verdade é que com o tempo os números apareceram… e surpreenderam-me tanto quanto surpreenderiam qualquer um. 


É importante reforçar isto: o blogue O Escape Mais Rouco nunca foi — nem será — um projeto comercial. Não há publicidade escondida, não há pop-ups, não há “clips”, nem truques para gerar tráfego. Escrevo porque gosto, porque preciso, porque me dá prazer. E talvez por isso tudo isto seja tão peculiar: a página do Facebook cresce por mérito da comunidade e do espírito genuíno do projeto, não por estratégias de mercado. Fico feliz, claro. Mas continuo a escrever com a mesma liberdade de sempre, sem obrigações para com algoritmos ou patrocinadores. 

Numa conversa recente, o Rad Raven disse-me algo que me ficou a ecoar: “pena é que no Facebook tudo acaba por se perder.” E é verdade. O blogue, ao contrário, tem memória. Basta uma palavra-chave no motor de busca e reaparecem textos com seis, oito ou dez anos. Por isso, talvez seja altura de fazermos o percurso inverso: publicar no Facebook, sim, mas trazer para casa — para o arquivo vivo do blogue — os textos que, pela sua relevância, impacto ou surpresa, merecem ficar guardados. Aqui não se perdem. Aqui ficam acessíveis para quem chega agora e para quem cá anda desde o início. 

É exactamente o caso do texto que se segue. Um post escrito com alguma ingenuidade, admito, sobre o anúncio de que poderá haver motores boxer vindos da China — e que, sem qualquer aviso, se transformou numa autêntica bola de neve digital, rolando pelo mundo fora ao ponto de se tornar impossível acompanhar a caixa de comentários. Pois bem: fica agora aqui registado, em arquivo, no lugar certo – vagamente adaptado. O tal post que tanto deu que falar sobre os novos motores boxer que prometem vir da China. 

Durante décadas, o motor boxer da BMW foi mais do que uma peça de engenharia: era um ícone, um símbolo de tradição bávara, de cuidado artesanal e de alma motociclistica. E agora, no EICMA 2025, um novo competidor apareceu no horizonte: a ZXMoto, marca chinesa ambiciosa, apresentou um motor boxer que replica, com nuances modernas, o desenho clássico da BMW, e promete chegar ao mercado já em 2027. É a primeira vez que vemos um “boxer à chinesa” tão fiel aos traços da marca bávara, e o potencial impacto é enorme. 


O motor da ZXMoto é um bicilíndrico boxer de cerca de 1.000 cm³, com potência acima dos 100 CV, arrefecido a água, com duplas árvores de cames, e até com opções de transmissão automática com embraiagem. A disposição dos cilindros segue a tradição BMW: longitudinal, compatível com transmissão final por cardan. 

Em muitos detalhes, é quase impossível não lembrar-se do motor das GS modernas, mas com um toque de modernidade e adaptação ao fabrico industrial chinês. Este motor poderá equipar uma futura adventure, a ZXMoto 1000 ADV, criando um segmento onde a tradição alemã se cruza com a acessibilidade oriental. 

E é precisamente aqui que começa a especulação mais interessante. A indústria motorizada europeia pode enfrentar um choque de perceção: a BMW, marca premium e de nicho, sempre associada a qualidade superior e a um preço elevado, poderá ver o seu mito ameaçado. 

Se um motor “à BMW” chegar ao mercado a preços muito mais acessíveis, fabricado na China, o consumidor português — muitas vezes atento ao estatuto da marca — poderá começar a questionar se pagar o dobro ou o triplo por uma GS original continua a fazer sentido. A imagem de exclusividade pode sofrer, ainda que subtilmente, e a aura de BMW como marca intocável poderá perder um pouco da sua força. 


Do ponto de vista da indústria, isto revela uma tendência mais ampla: a deslocação progressiva do epicentro da produção de motores para o Oriente. Não se trata apenas de custos mais baixos; é também de capacidade industrial, rapidez de adaptação e inovação em mercados emergentes. É possível que, nos próximos anos, vejamos o conceito de “boxer” espalhar-se para outros fabricantes, até mesmo europeus que procuram diversificar gamas sem investir tanto em desenvolvimento próprio. 

Se a ZXMoto conseguir entregar um motor fiável e potente, com desenho clássico e preço competitivo, poderemos estar perante uma verdadeira democratização do estilo boxer. Para Portugal, isto significa duas coisas. Primeiro, motos de inspiração BMW poderão tornar-se mais acessíveis, e a ideia de ter uma adventure ou touring “à BMW” deixará de ser privilégio de poucos. Segundo, poderá surgir um debate intenso entre puristas e novos clientes: quem aprecia a engenharia alemã, com alma e pedigree, terá sempre o seu lugar, mas será que os consumidores generalistas não se vão contentar com alternativas mais económicas, ainda que “à chinesa”? É um cenário que pode redesenhar o mercado nacional e europeu, forçando marcas estabelecidas a repensar preços, inovação e comunicação. 

No fundo, este motor da ZXMoto não é apenas mais um motor. É um sinal de que a indústria global está a reequilibrar forças. É também uma provocação à BMW, que sempre olhou para si mesma como guardiã do boxer perfeito. Agora, a marca bávara terá de decidir se reforça ainda mais a exclusividade e o estatuto, ou se aceita que a tradição possa ser replicada, adaptada e popularizada por concorrentes orientais, potencialmente a preços mais baixos, mas sem perder o charme do desenho icónico. 


Para os fãs de motos, para os portugueses que acompanham cada lançamento com entusiasmo, esta notícia é um aviso e uma promessa ao mesmo tempo: o mundo do motociclismo está a mudar, e o clássico boxer, esse símbolo intemporal, poderá tornar-se finalmente global — e talvez mais democrático do que alguma vez imaginámos

terça-feira, 25 de novembro de 2025

Crossover: uma palavra que não devia existir no mundo das motos?

Há palavras que nascem com propósito, mas morrem de abuso. “Crossover” é uma delas. Vinda do mundo dos automóveis, significava — no seu berço — uma fusão entre duas espécies: o carro de estrada e o SUV (veiculo utilitário desportivo, em português europeu). Um cruzamento que, nos anos 90, parecia inovador e até lógico. Surgia uma nova categoria que queria a postura elevada do 4x4 e o conforto de um utilitário, mas sem o peso e a rusticidade de nenhum deles. No papel, fazia sentido. Na prática, virou lugar-comum. 

Apresentamos a nova Suzuki SV-7GX, um modelo crossover concebido para oferecer uma versatilidade inigualável no segmento de média cilindrada, diz a marca


E o chavão, como sabemos, é o parente pobre da linguagem técnica. Quando a moda passou do automóvel para a moto, “crossover” deixou de significar o que quer que fosse. Tornou-se uma palavra-tampão, uma espécie de cola conceptual usada para tapar buracos de marketing: quando uma moto não se encaixa bem em nenhuma gaveta, chama-se-lhe “crossover” e pronto. Já está. É scooter? É trail? É sport-touring? É turismo de média cilindrada? É tudo e não é nada. 

A ORIGEM DO CRUZAMENTO 
A etimologia é clara: to cross over — atravessar, misturar, fundir. No automóvel, designava um veículo que cruzava a estrutura de um turismo com a postura de um utilitário. No motociclismo, porém, o cruzamento raramente acontece no plano técnico; acontece no plano visual. Plásticos “aventureiros”, rodas ligeiramente maiores, pneus com um toque de taco e pronto — está feito o “crossover”. 

A nova scooter SR1 ADV 125 é a resposta da Voge ao segmento das scooters Crossover, diz a marca


Ora, a essência da engenharia motociclista não vive de aparências. Vive de geometrias, de pesos, de distribuição de massas, de transmissões, de equilíbrio entre conforto e precisão. E é por isso que chamar “crossover” a uma scooter é uma incongruência. Pode ter pneus mistos e guarda-lamas alto, mas continua a ser uma scooter. Com variador, quadro compacto, baixo centro de gravidade, rodas pequenas e uma vocação urbana inegável. Chamar-lhe “crossover” não a transforma noutra coisa — apenas a disfarça de algo que não é. 

A SPORT-TOURER, O SACO GIGANTE 
Outro equívoco nasce nas médias e grandes cilindradas. Há quem diga que uma Sport-Tourer de 150 cv “é uma crossover”. E a verdade é que o saco do Sport-Touring é largo o suficiente para albergar tudo isso — desde as mais desportivas, com um toque de estrada, às mais turísticas com uma ponta de adrenalina. Não há aqui cruzamento, há nuance. 

O resultado é a GSX-S1000GX, uma verdadeira crossover desportiva de excelência, diz a marca


Não é preciso inventar uma categoria nova para justificar uma ergonomia intermédia ou uma suspensão ajustável. As Sport-Tourers são, por natureza, isso mesmo: um equilíbrio entre o conforto de viajar e o prazer de curvar. 

A X-ADV: A EXCEPÇÃO QUE CONFIRMA A REGRA 
Admitamos: há um caso em que a designação híbrida tem alguma legitimidade. A Honda X-ADV. Quando nasceu, houve quem lhe chamasse “SUV das motos” — Sport Utility Vehicle. E, pela primeira vez, havia fundamento: uma estrutura de moto, um ambiente de scooter, um comportamento dinâmico genuinamente misto. 


A X-ADV não era apenas estética; era engenharia a cruzar fronteiras. Mesmo assim, ela é a X-ADV — ponto final. Não é “crossover”, nem “SUV”, nem “trail urbana”. É um conceito próprio, autónomo, que criou o seu espaço sem precisar de rótulos emprestados. 

ENTRE OS 300 E OS 400 CC — O LIMBO DO MARKETING 
Mais recentemente, assistimos à proliferação das scooters de 300-400 cc, com pneus de desenho misto e suspensões ligeiramente mais altas. Todas, invariavelmente, rotuladas de “crossover”. E nenhuma deixou de ser scooter. E, verdade seja dita, não há mal nenhum nisso. O problema não é ser scooter. 

Uma scooter crossover resistente construída para conquistar, da mesma forma, um autoestrada ou o quarteirão de uma cidade, diz a marca


O problema é fingir que é outra coisa para agradar a um público que quer parecer aventureiro sem o ser. O marketing transformou o “crossover” numa espécie de passaporte para a ilusão: uma forma de vender quotidiano embrulhado em aspiração. 

A PALAVRA QUE É MELHOR APAGAR? 
Por tudo isto, talvez o melhor que o mundo das motos tem a fazer é simples: apagar o termo “crossover” do léxico motociclista. Porque no fim do dia, uma scooter é uma scooter. Uma Sport-Tourer é uma Sport-Tourer. Uma Light-Trail é uma Light-Trail. E uma X-ADV é uma X-ADV. As motos são, antes de tudo, honestas — mesmo quando o marketing insiste em confundi-las. Se o mundo automóvel precisa de híbridos para se reinventar, o mundo das motos precisa apenas de clareza. E de uma palavra a menos. 

Este texto pode vir a integrar uma série de reflexões críticas sobre o léxico contemporâneo do motociclismo — onde o marketing tende a gritar mais alto do que a engenharia. No Escape Mais Rouco, acreditamos que as palavras importam tanto como as curvas: ambas devem ter direção, consistência e verdade.

domingo, 23 de novembro de 2025

LiveWire S2 Alpinista à prova

Há sons que definem eras. O rufar grave de um v-twin Harley a pulsar entre semáforos; o estalar metálico de um escape a libertar a alma de uma viagem; o eco de uma marcha lenta a subir um vale. A verdade é que crescemos com ruído. Com emoção traduzida em decibéis. e por isso, quando alguém nos fala de uma moto eléctrica, o instinto é o mesmo que se tem perante um piano sem cordas — bonito, mas mudo. 


Sucede que o mundo muda, mesmo quando nós preferimos ficar a ouvir o passado. E é aí que entra a LiveWire S2 Alpinista: uma máquina que não pede desculpa por ser diferente, e que não tenta esconder o que é. É a herdeira directa da Harley Davidson — e também a sua negação. A filha que decide trocar o whisky por café frio e a Route 66 por uma linha de carregadores rápidos. Uma rebeldia que não nasce do barulho e sim do silêncio. 


A LiveWire S2 Alpinista é mais do que uma moto eléctrica. É uma proposta filosófica. questiona o que é, afinal, a emoção de conduzir. Será o som? O cheiro? O ritual? Ou será, talvez, a simples sensação de aceleração pura, o corpo projectado para a frente como se o tempo tivesse tropeçado? No fundo, esta moto não quer ser o futuro. quer ser o presente — o aqui e agora de um momento em que o motociclismo tenta perceber se a alma sobrevive sem combustão. 

POR QUEM SOIS? 
A LiveWire é hoje uma empresa independente focada em motociclos eléctricos, nascida a partir do projecto eléctrico da Harley Davidson. Originalmente uma divisão eléctrica da Harley, a LiveWire foi constituída como marca própria. Mais tarde surge um movimento que a colocou como a primeira fabricante de motos eléctricas cotada em bolsa. Esta transição enfatizou a tentativa de separar a aposta eléctrica da imagem tradicional da Harley, ao mesmo tempo que manteve laços tecnológicos e de origem com a casa-mãe. 


Assim a LiveWire tem raízes e know-how herdado da Harley, no entanto atua com identidade própria — marketing, produto e redes de distribuição distintos — com a ambição de conquistar compradores interessados em motos eléctricas de classe. 

POSICIONAMENTO, MISSÃO E DESAFIOS 
Hoje a LiveWire posiciona-se como marca premium de eléctricas, com ênfase na experiência de “speed & sound” e no apelo urbano/estrada aberta. Há máquinas que nascem para impressionar, e há outras que nascem para desafiar tudo o que tomamos por certo. A S2 Alpinista pertence a esta segunda espécie. É a porta de entrada na gama LiveWire e mais do que isso: é a materialização do que pode ser uma mota elétrica quando deixa de tentar ser um gadget e decide, simplesmente, ser uma moto


Todavia, o jovem sector das motos elétricas enfrenta desafios concretos: penetração lenta, custos mais elevados, infraestrutura de carregamento ainda pobre para viagens, inércia cultural dos consumidores e questões de valor residual. Um sinal simbólico e prático desta fase foi a decisão da organização do MotoGP (Dorna/FIM) de colocar a série eléctrica MotoE em hiato no final da época de 2025 — um indicador de que a modalidade competitiva eléctrica não cresceu como esperado e que a indústria tem de repensar modelos e investimento. Este facto é importante para a narrativa pois mostra que a transição para eléctrica no motociclismo ainda não é linear nem garantida. 


A S2 Alpinista surge então como o passo seguinte depois da LiveWire One, mais leve, mais acessível, mais próxima de um público que talvez nunca tenha considerado um veículo eléctrico — e que agora, ao olhar para a Alpinista, começa a pensar que talvez haja aqui qualquer coisa diferente. A LiveWire não quer converter o mundo. Quer apenas provar que a emoção não depende da combustão. Que uma aceleração brutal pode vir sem ruído, que a liberdade pode ter outro cheiro que não a gasolina. E é neste contexto — de silêncio, dúvida e reinvenção — que surge a S2 Alpinista, a moto que vamos agora conhecer. 

O QUE OFERECE A LIVEWIRE S2 ALPINISTA 
Projectada para a vida real — aquela que se faz de manhãs apressadas na cidade e de tardes libertas nas curvas de fim-de-semana — a Alpinista é a tradução moderna daquilo a que sempre chamámos prazer de conduzir. Disponível em Glacier Silver e Asphalt Black, tem um ar compacto, musculado e ao mesmo tempo sereno, como se soubesse algo que nós ainda estamos a tentar compreender. 

A sua bateria de 10,5 kWh alimenta um motor capaz de 63 kW (84 CV) e um binário colossal de 262 Nm — números que explicam a sua aceleração fulminante de 0 a 100 km/h em apenas 3 segundos. E como se isso não bastasse, a autonomia urbana ronda os 190 km, o que significa que há silêncio suficiente para um dia inteiro de curvas, cafés e paisagens. O carregamento rápido (nível 2) devolve-lhe 100% de energia em cerca de 78 minutos, o tempo exato de um almoço demorado entre amigos ou de uma pausa merecida a meio da jornada. Sob a pele, tudo respira engenharia. 

O quadro e o braço oscilante são ambos em alumínio, o que garante rigidez torcional e baixo peso — dois ingredientes-chave para uma moto eléctrica, que naturalmente já parte com uma bateria pesada. O centro de gravidade foi cuidadosamente estudado, e sente-se logo: o equilíbrio é natural, as mudanças de direção são rápidas, e não há aquele “peso morto” que algumas eléctricas transmitem. 


A frente monta uma forquilha invertida Showa de 43 mm, totalmente ajustável, e atrás encontramos um monoamortecedor Showa com progressividade variável, regulável em pré-carga e extensão. Isto coloca a Alpinista num patamar idêntico ao de motos desportivas médias — não é apenas competente, é refinada. Consegue absorver irregularidades sem perder firmeza em curva, e dá aquele feedback direto que o motociclista exige. 


As jantes de 17 polegadas, também em alumínio, sustentam um conjunto que parece feito para atacar a estrada com precisão cirúrgica. O sistema de travagem vem da Brembo, com pinças radiais e discos generosos, complementados por C-ABS em curva (cornering ABS). A isto junta-se um controlo de tracção sensível à inclinação e o DSCS (Dynamic Sector Control System), que gere o binário instantâneo para evitar patinagens ou reacções bruscas. 

NÃO LUTA CONTRA O PESO E DANÇA COM ELE. 
Na estrada e mesmo na cidade o comportamento é surpreendentemente neutro e previsível. A ausência de embraiagem e caixa de velocidades faz com que o foco passe totalmente para a trajectória e a travagem. Entra em curva com naturalidade, mantém-se estável em inclinações mais rápidas, e transmite confiança até a quem não está habituado a eléctricas. A moto sente-se sólida, bem plantada, mas com uma agilidade inesperada. É uma moto que pede para ser conduzida com fluidez, não à força — e que recompensa quem gosta de precisão e equilíbrio. 


A ciclística da LiveWire S2 Alpinista é madura, estável e surpreendentemente afinada — uma moto que demonstra que o prazer de condução elétrica pode, sim, ter o mesmo músculo e finesse de uma máquina a combustão. O condutor tem à escolha cinco modos de condução — Sport, Road, Range, Rain e Custom — que moldam a resposta do motor e da travagem regenerativa ao gosto de cada um. E porque nenhuma viagem é igual à anterior, a LiveWire oferece ainda uma gama de acessórios que transformam esta eléctrica num verdadeiro camaleão: do pára-brisas deflector à bagagem SW-Motech, com top case e alforges prontos para os que acreditam que a distância é sempre uma boa ideia. 

ESTA MOTO É IDEAL PARA O TEU DIA? 

A LiveWire S2 Alpinista não é para quem anda à procura da primeira moto — é para quem já sabe o que é o silêncio depois do ruído. Para quem cresceu com o cheiro a gasolina no casaco, mas começa a sentir curiosidade pelo futuro. É para os que aprenderam que a velocidade não precisa de fazer barulho, e que a emoção pode ter outra frequência. Serve, antes de mais, o motociclista urbano que recusa a rotina e as filas de trânsito como se fossem uma sentença. É a moto de quem quer a cidade aos seus pés, mas com o vento no peito — um veículo que é tanto transporte como afirmação. A aceleração instantânea, o binário bruto, o silêncio absoluto: tudo nela foi pensado para transformar cada deslocação em algo entre o prático e o poético. 

E a Alpinista também fala a quem se afastou das motos e agora quer voltar, sem dramas de manutenção nem cheiros de óleo. Para esses, é uma espécie de redenção moderna — simples, previsível e cheia de sensações. Roda-se o punho e ela responde. Não há embraiagem, nem vibração, nem hesitação. Apenas movimento. 

Depois há os curiosos, os tecnófilos, os engenheiros do quotidiano, os que olham para um carregador rápido como outros olham para um carburador antigo — com fascínio. São os pioneiros da garagem, os que gostam de sentir que pertencem à vanguarda, mesmo que isso ainda signifique explicar, de vez em quando, onde se carrega “essa coisa”. A S2 Alpinista também serve o viajante de fim-de-semana, aquele que sai da cidade para respirar curvas. As suspensões Showa, os travões Brembo, o quadro de alumínio — nada aqui foi feito para parecer eléctrico, mas para se sentir moto. Planeia-se uma paragem a meio caminho, toma-se um café enquanto a bateria recupera fôlego, e a estrada volta a chamar. 



O público da Alpinista é feito de homens e mulheres entre os 30 e os 50 e tal. Têm rendimento confortável, consciência ambiental e um gosto refinado por objetos bem desenhados. Não precisam que a moto grite — basta que os faça sentir. No fundo, a LiveWire S2 Alpinista é para quem acredita que o futuro não tem de apagar o passado. Que a emoção não mora no ruído, mas na forma como o corpo se projecta numa curva, no instante em que o binário empurra o tempo para a frente. É uma moto para quem entende que o prazer, hoje, pode ser medido em silêncio — e que há rugidos que não precisam de som para se fazer ouvir. 

O REINO DO SILÊNCIO NUMA OPERA DE IRONIAS 

Interpretem cimo quiserem. Honestamente? Raramente uma moto me divertiu tanto como como a LiveWire S2 Alpinista. Tenho a certeza que a publicação deste texto não só não me vai fazer esquece-la, com ovai me fazer sentir ainda com mais saudades dos dias que passei com ela. É possível ter saudades de uma moto? 


Para fim de conversa uma duvida. E agora? Como faço com o Raterómetro? Esse meu brinquedo de pôr números ao que, no fundo, é puro feeling em forma de gasolina queimada… excepto que, neste caso, não há gasolina, nem escape, nem rateres. É aqui que a ironia estala como um trovão seco no meio do silêncio: a LiveWire S2, essa alpinista eléctrica, não pode fazer rateres — não tem escape, não tem pistões, não tem rotação em ralenti a cuspir raiva mecânica. É uma moto que vive no reino do silêncio operacional, onde os decibéis dão lugar aos electrões. E, no entanto, vai direitinha para um 9 em 10 no Raterómetro. Um 9! 

Uma classificação quase perfeita para aquilo que ela não pode, por definição, produzir. A cereja no topo do bolo de toda esta ópera de ironias: atribuir uma nota altíssima a uma moto que, se algum dia fizesse rateres, era sinal de curto-circuito e não de carácter. E é precisamente aí que está o encanto — a moto que não faz barulho nenhum, faz, afinal, muito barulho dentro da cabeça de quem a conduz. 

Raterometro ********* (9/10)

quinta-feira, 20 de novembro de 2025

E agora? Honda CB1000GT ou Honda NT1100?

Há quem diga que já andou com a Honda CB1000GT. A moto estará por estes dias a ser apresentada em Espanha à “elite” do costume que nos vai debitar os lugares comuns de sempre tais como “a proteção aerodinâmica, bem… na versão de série, não é grande coisa. O corpo fica muito exposto e, ao nível das mãos, os punhos estão pouco protegidos: os defletores de origem são estreitos, não impressionam. Com o pack de acessórios e a bolha alta melhora bastante. (…) O que gostámos? O quatro cilindros. Ter 150 CV para brincar numa estrada secundária é qualquer coisa de maravilhoso. O que gostámos menos? Os baixos regimes. O motor é mais vazio cá em baixo. Apreciámos bastante o fator preço. Quatorze mil euros é significativamente menos do que os 15 699 € de uma Yamaha Tracer 9 GT, e o equipamento da Honda é, honestamente, muito completo.”. As palavras são de um suposto jornalista de uma publicação francesa especializada dita de referência


DOIS CAMINHOS PARA A GRANDE VIAGEM 
Digam-me vocês se é isto que as marcas esperam de um evento que lhes custa dezenas de milhares de euros por convidado. Aqui no ESCAPE não vamos por ai e sim por um caminho que nos parece muito mais interessante e deseja dar respostas a quem delas precisa. Querem ler? 


Na verdade a Honda fez uma jogada de mestre. Pegou no guarda-chuva do Sport-Touring, um segmento que exige tanto do corpo quanto da alma da moto, e decidiu preenchê-lo com duas filosofias aparentemente opostas e igualmente interessantes. De um lado, a já estabelecida e amplamente acarinhada NT1100. Do outro, o furacão recém-chegado: a nova CB1000GT. Não são rivais, são facetas de um mesmo ideal de viagem, e é exatamente aí que reside a beleza da escolha. 

HONDA NT1100 OU A HERANÇA DA ESTABILIDADE E DO CONFORTO 
A Honda NT1100, lançada em 2022, marcou uma nova etapa na abordagem da marca ao turismo. Para 2025, o modelo recebeu uma atualização significativa, centrada sobretudo no aumento do conforto e na melhoria do comportamento dinâmico. O motor bicilíndrico foi revisto para oferecer melhor resposta na faixa média de rotações. A introdução de uma IMU de seis eixos permite agora gerir com maior precisão os sistemas eletrónicos de assistência — incluindo controlo de tração, ABS em curva e modos de condução. A gama passou a incluir uma versão NT1100 DCT com suspensão eletrónica Showa-EERA™, que complementa a variante com caixa manual e suspensões convencionais. 


A carenagem foi redesenhada, com linhas mais discretas e funcionais. O novo para-brisas, regulável em altura com uma só mão, e os defletores superiores e inferiores revistos aumentam a proteção aerodinâmica e a estabilidade a velocidade de cruzeiro. Os faróis foram atualizados para um conjunto LED duplo com luzes diurnas (DRL). O guarda-lamas dianteiro foi alongado em 150 mm, melhorando a proteção contra a água e sujidade. O banco é agora mais largo e as malas laterais de série passam a ter maior capacidade. 

Para 2026, tanto a NT1100 como a NT1100 com suspensão eletrónica mantêm todas as alterações introduzidas no ano anterior e recebem apenas uma nova opção de cor. A Honda procura assim reforçar a posição dominante do modelo no segmento de turismo na Europa. 


Em bom rigor a NT1100 nunca escondeu o seu parentesco. O seu ADN é o da lendária Africa Twin, filtrado e adaptado para o asfalto. Ela transporta o espírito da Tourer clássica da Honda – a descendente espiritual das ST Pan European. 

A Honda NT1100 é herança e espírito: é a moto do conforto, da robustez e da viagem sem esforço. O seu espírito é o de um companheiro de longa distância, inabalável perante o mau tempo e os quilómetros. Posiciona-se como a Grand Tourer Versátil da gama, o degrau natural para quem valoriza a posição de condução vertical, a proteção aerodinâmica total e a capacidade de bagagem, mas quer algo mais leve e ágil que uma Gold Wing. A Honda NT1100 atrai o motociclista que percorre longas distâncias, muitas vezes a dois, que valoriza a serenidade da viagem, a facilidade do DCT (quando equipado) e que vê a moto como uma ferramenta sofisticada para devorar mapas. 

HONDA CB1000GT OU O SANGUE FERVENTE DA PERFORMANCE 
A CB1000GT, pelo contrário, vem diretamente do mundo da performance. É uma nova proposta no segmento das sport-tourer, baseada na plataforma da Hornet de maior cilindrada. O modelo utiliza um motor de quatro cilindros em linha de 1000 cm³ com comando eletrónico do acelerador (Throttle-By-Wire), afinado para uma entrega progressiva e com desempenho elevado.


O conforto e a capacidade para viagens longas foram prioridades no desenvolvimento. Há espaço generoso para condutor e passageiro, e a suspensão é assegurada por um conjunto Showa com controlo eletrónico (Showa-EERA™), fornecido de série. A travagem dianteira recorre a dois discos de 310 mm com pinças radiais de quatro êmbolos, geridos por ABS em curva através de uma IMU de seis eixos. 

O equipamento standard inclui um para-brisas ajustável em cinco posições, malas laterais, controlo de velocidade de cruzeiro, punhos aquecidos, protetores de mão, descanso central e quickshifter. A vertente prática é reforçada por um painel TFT de cinco polegadas com conectividade via Honda RoadSync, chave inteligente (Smart Key) e piscas com cancelamento automático e função de aviso de travagem de emergência (ESS). 


Numa palavra, estamos perante a versão "Touring" da radical CB1000 Hornet, o que a liga diretamente ao sangue quente das CBR Fireblade de outrora. Não é uma moto que se vestiu de desportiva; é uma desportiva que aceitou vestir-se para a viagem.

A Honda CB1000GT não deixa de ser também herança e espírito: este ultimo é o da adrenalina, da precisão cirúrgica e da potência exuberante. É a Sport pura que, por acaso, também pode levar malas. É o High Performance Tourer de que a Honda sentia falta, a resposta direta ao motociclista que recusa abdicar da emoção de um motor de quatro cilindros em linha, mesmo que tenha de fazer 500 km num dia. Atrai o motociclista experiente que tem um apetite voraz por curvas, que faz dos Alpes o seu parque de diversões, e para quem o prazer da condução está acima do conforto absoluto, mas que, ainda assim, aprecia os gadgets de topo e a capacidade de viagem. 

A DIFERENÇA ESTÁ NA ORIGEM DO MOTOR 
Na Honda NT1100 temos o bicilíndrico Unicam. Uma obra-prima de binário a baixa e média rotação. O seu curso mais longo e o intervalo de ignição de 270° oferecem uma entrega de potência suave, um som de escape off-beat viciante e uma tração fantástica. A sua ciclística de longo curso (mais altura ao solo) absorve o mau piso como um tapete voador, priorizando a estabilidade direcional. 


Na Honda CB1000GT temos o tetracilíndrico DOHC (derivado da Fireblade) foi "desafinado" para o Turismo, mas ainda assim entrega cerca de 150 CV de potência máxima a alta rotação. A entrega espera-se mais linear. A sua suspensão eletrónica Showa EERA de série, com curso mais curto, e o quadro rígido devem garantir uma precisão na inserção em curva digna de superbike. 


Assim o comportamento em estrada espera-se diametralmente oposto. A NT1100 "flutua" sobre o asfalto com uma calma soberana, transmitindo confiança e relaxamento. A CB1000GT deve misturar-se com a estrada, respondendo a cada micro-input do guiador com a velocidade e a exatidão de um bisturi. 

PROPÓSITO E UTILIZAÇÃO REAL 
Por experiencia própria sei que a Honda NT1100 brilha em dois cenários, autoestrada e viagens longas: O seu grande ecrã ajustável, as amplas carenagens, o depósito de 20,4L e a ergonomia de "poltrona" fazem dela a parceira ideal para atravessar países. A fadiga é mínima, e o DCT transforma a condução em trânsito e as mudanças constantes em algo trivial. É a companheira ideal para longas distâncias. O conforto do passageiro, a facilidade de manobra a baixa velocidade (apesar do peso) e as malas de série bem integradas tornam-na extremamente prática para o dia-a-dia de quem também faz muitos quilómetros no fim de semana. 

Já a Honda CB1000GT parece tem um único propósito: Sport-Touring, com a ênfase no Sport. Montanha e curvas rápidas: é aqui que a CB1000GT se quer transcender. A sua afinação de motor de alta performance, o quickshifter de série e a suspensão eletrónica, devem permitir um ritmo alucinante. É a moto que te faz procurar a emoção pura ao guiador, trocando a calma da autoestrada pelo desafio da estrada secundária. Embora tenha cruise control, malas de série e um ecrã ajustável, a sua ergonomia ligeiramente mais inclinada para a frente e a natureza do motor quadricilíndrico convidam a paragens mais frequentes, mas garantem que os troços entre elas são inesquecíveis. 

FILOSOFIA DE DESIGN E EXPERIÊNCIA EMOCIONAL 
O desenho da NT1100 é guiado pela funcionalidade. As linhas são limpas, fluidas e robustas. A sua carenagem volumosa é uma promessa de proteção contra os elementos. Sport-Touring para a NT1100 é conforto e capacidade de bagagem com agilidade. É uma abordagem Adventure-Touring adaptada ao asfalto. A moto transmite conforto, segurança e precisão. A sensação é de controlo total sobre uma máquina que é maior e mais madura. O prazer mecânico reside na cadência suave do bicilíndrico, ideal para relaxar o pulso. 


Na CB1000GT é (supomos) desempenho agressivo. E toda ela atitude. O seu desenho, herdado da Hornet, é desafiador, angular e focado na aerodinâmica pura. A dianteira é musculada, mas o assento e a traseira são esguios, focados na dinâmica e não tanto no volume. Sport-Touring para a CB1000GT é performance máxima com o mínimo de compromisso no conforto. É a abordagem Superbike-Touring. Imagino que seja uma moto que transmite emoção, precisão cirúrgica e adrenalina. O condutor sentir-se-á integrado na moto, pronto para atacar a próxima curva. O prazer mecânico é o do motor de quatro cilindros a "berrar" quando o ponteiro sobe e a suspensão eletrónica a endurecer, dando um feedback instantâneo da estrada.

DUAS FACES DA MOEDA HONDA
A NT1100 e a CB1000GT não são rivais; são, na verdade, os dois pilares que definem o Sport-Touring no universo Honda. São complementares e representam duas escolas distintas de pensamento sobre o que constitui a viagem perfeita. 


A NT1100 é a "Tourer" que se porta bem nas curvas. É o ponto de referência para a comodidade e a versatilidade, a escolha racional e emocional para a grande viagem. O seu lugar é como a mais competente, acessível e completa Tourer de média-alta cilindrada do mercado moderno. Já a nova CB1000GT é a "Sport" que aceita malas e cruise control. É a opção para quem só se satisfaz com o som do tetra-cilíndrico a alta rotação, levando a emoção das Superbikes para as longas distâncias. O seu lugar é na prateleira das High-Performance Tourers, onde a Suzuki GSX-S1000GT, por exemplo, se sente em casa. 


A Honda conseguiu o que pretendia: mostrar que a premissa de conforto + performance + tecnologia pode dar origem a motos com almas completamente distintas. A NT1100 quer que chegues ao teu destino relaxado. A CB1000GT quer que chegues ao teu destino com um sorriso rasgado e o coração aos saltos. A escolha é tua, motociclista.

Que estrada vais querer percorrer?
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