domingo, 21 de novembro de 2021

Honda CB1000R Black Edition à prova

Se a tua moto fosse um filme, que filme seria? E se a tua moto fosse um livro, que livro seria? É tão bom escrevermos sobre o que gostamos como gostamos. Livres. “Não o prazer, não a glória, não o poder: a liberdade, unicamente a liberdade”. Escreveu Fernando Pessoa no Livro do Desassossego. 

Foto: Gonçalo Fabião

Aqui há uns dias publiquei a prova à CMX1100 Rebel (link) e referia a curiosidade de aquela ter com esta CB1000R Black Edition algumas características em comum: são ambas motos Honda da sua gama urbana denominada “Street”, tendo ainda ambas cilindradas a rondar os 1000cc. As duas obedecem ainda àquela velha máxima portuguesa de que com “um simples vestido preto eu nunca me comprometo”. No mais são motos absolutamente diferentes, até antagónicas nalguns detalhes, escrevi também. 

Foto: Gonçalo Fabião

Voltemos ao Livro do Desassossego de Pessoa: “Tudo em mim é a tendência para ser a seguir outra coisa; uma impaciência da alma consigo mesma, como uma criança inoportuna; um desassossego sempre crescente e sempre igual. Tudo me interessa e nada me prende”. Foi precisamente neste estado de perfeito alvoroço que a CB1000R Black Edition me deixou nos dias em que me fez companhia

CAOS E ORDEM 
De recordar que O Livro do Desassossego é uma das maiores obras de Fernando Pessoa. Começou a ser escrito aos vinte e cinco anos de Pessoa, acompanhando-a o resto da vida e é como um labirinto onde o autor procura responder a questões como “quem sou eu?” ou “como posso explicar a realidade?”. Dúvidas fundamentais do modernismo, que teve em Fernando Pessoa um dos seus representantes máximos. A obra levou vinte anos a ser escrita e ficou incompleta. São mais de 500 textos sem principio, meio nem fim, escritos por aquele que criou três identidades distintas para o acompanharem na criação poética: o mestre Alberto Caeiro, o médico Ricardo Reis e o engenheiro Álvaro de Campos. O Livro do Desassossego é assinado pelo semi-heterônimo Bernardo Soares. É um livro fragmentário, sempre em estudo por parte dos críticos pessoanos, tendo estas interpretações díspares sobre o modo de organizar o livro. É uma obra-prima pouco convencional, resistente às habituais classificações literárias. A palavra desassossego refere-se à angústia existencial do narrador, sim, mas também à sua recusa em ficar quieto, parado. Sem sair de Lisboa, este viaja constantemente na sua maneira de ver, sentir e dizer. Ler este livro, repleto de emoção e observações penetrantes, é uma experiência estranhamente libertadora. 

Foto: Gonçalo Fabião

Tal e qual, Sem sair da região da Grande Lisboa, viajei - e continuo a viajar agora enquanto escrevo este texto - de Honda CB1000R Black Edition na minha maneira de ver sentir e dizer. Se esta CB1000R fosse um livro…, ah, seria certamente o do Desassossego Pessoano. 

THE MATRIX 
Uma naked, uma muscle bike e uma café racer entraram num bar. Podia ser esta a “short story” mais curta de sempre para descrever uma moto. E não vai ser preciso muito mais para descrever esta moto para além daquela mistura fina descrita no início deste parágrafo que pode ser sintetizada no slogan da Honda: Neo Sports Cafe

Foto: Gonçalo Fabião

Aqui a marca nipónica monta um quadro monotrave em aço, optando por lhe juntar um, quatro cilindros em linha com o carimbo da qualidade Fireblade (998 cc, 104Nm, 140CV). Com uma posição de condução sóbria, correta e ao mesmo tempo envolvente com a máquina, os primeiros metros revelam uma moto soberba que rapidamente nos deixa assoberbados de liberdade.

A eletrónica, com destaque para o quick-shift que roça a perfeição, aliada ao demais hardware desta Honda e à nossa vontade de maximizar o prazer, faz nos encontrar rapidamente a resposta para outra pergunta. Se esta moto fosse um filme seria o clássico distópico Matrix, pois tudo parece andar demasiado devagar à nossa volta. E notem: não é fácil, nada fácil mesmo, esgotar aquele motor em estrada aberta. 

Foto: Gonçalo Fabião

Fará então sentido nos dias de hoje, onde o preço da gasolina bate recordes, deixarmo-nos encantar por um veículo urbano assim, que dificilmente gastará menos de seis litros de ouro líquido inflamável pornograficamente perfumado de impostos? 

CEDER AO DESEJO 
Sem qualquer dúvida que sim. Desde logo pela riqueza estética desta Black Edition cujos múltiplos detalhes confundem-nos, ao ponto de julgarmos que a moto saiu de uma das melhores oficinas de transformação de uma capital europeia e não de uma linha de montagem. 

Foto: Gonçalo Fabião

Sim também porque o lado desportivo desta moto despida convoca-a, caso o dono queira, a ser levada para um dia de pista – onde é forçoso optar por um acerto de suspensão mais sólido no sentido de maximizar a eficácia do conjunto; seguramente que não seria por ela que o condutor passaria vergonhas. 

Sim, ainda, porque sendo a natureza desta Honda CB1000R marcadamente urbana, o pequeno para-brisas é incrivelmente eficaz, alargando assim o raio de acção desta moto às estradas de montanha da região onde vivemos ou quem sabe até uma pequena viagem de fim-de-semana com a “turma”. 

Foto: Gonçalo Fabião

Para ceder ao desejo de livre desassossego que esta Graphite Black anuncia, a Honda solicita uma transferência bancária de quase 15.000€. Quer a personalidade quer a exclusividade terão sempre e o seu preço. Tal como a liberdade!

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