segunda-feira, 29 de novembro de 2021

Ducati Monster + à prova

Monstro. Produção animal ou vegetal contrária à ordem regular da natureza. Animal de tamanho extraordinário. Pessoa muito feia. Pessoa perversa. Prodígio. Assombro. E por fim…, objecto doméstico geralmente pesado ou de grandes dimensões. Ficaram na mesma? Ou pior, como foi o meu caso? Ninguém nos disse que o dicionário seria descomplicado, certo? 

Foto: Gonçalo Fabião

Verdade é que monstro é o nome oferecido de forma geral a um ser fantástico ou criatura lendária, por vezes de aspecto e actos aterrorizantes. Os monstros aparecem em quase todas as culturas, nas suas mitologias, folclores e lendas; também na ficção, em livros e filmes. Assim, o monstro encarna, frequentemente, a figura do Mal, que é derrotada por um herói ou cavaleiro que representa o Bem e as virtudes.

Foto: Gonçalo Fabião

A cultura motociclista não é imune nem é excepção. Verdade, nós também temos o nosso monstro. Todavia não se iludam. Este aqui que o ESCAPE apresenta hoje é um monstro bonito e fofinho. Um monstrinho simpático que acaba de chegar de uma temporada no ginásio e no nutricionista. Monstro lindo, magro e tonificado. Com tudo no sítio, diria. Para meter debaixo do braço do seu cavaleiro. 

LENDA VIVA
Choque e espanto quando me apercebi que a Ducati Monster caminha a quilómetros largos para o seu trigésimo aniversário. Parece mentira. A Monster, desenhada por Miguel Angel Galluzi, nasce em Bolonha em 1993 com a receita mais simples de todos os tempos: quadro tubular, motor V Twin a 90 graus, tudo despido e lindo por natureza; mas que beleza. Há quem diga que esta receita, devido à sua simplicidade e custos reduzidos, não só salvou a Ducati como ainda a catapultou para a marca absolutamente incrível que é hoje. É pois um monstro salvador… 

Foto: Gonçalo Fabião

Nascida de uma folha em branco para a contemporaneidade - como todas a motos devem de nascer - a nova Monster não prescinde da receita original: motor desportivo e que busca a perfeição para a utilização em estrada, temperado com um quadro derivado das melhores superdesportivas. 

Foto: Gonçalo Fabião

Diz a marca que “para conceber a nova Monster, os engenheiros e desenhadores começaram do zero, mas com uma clara ideia dos pontos-chave em torno dos quais a nova moto seria construída. Esguia e ágil, a moto incorpora as linhas-mestras do ADN de cada Monster, que a tornam imediatamente reconhecível: depósito de combustível esculpido como o “dorso de um bisonte”, a óptica [não totalmente] redonda “integrada nos ombros”, traseira limpa e motor no centro do palco. A linguagem, no entanto, é nova e moderna”. 

MUSCULADA E DEFINIDA 
A nova Monster é propulsionada pelo motor bicilíndrico de 937 cc (111 cv, 93Nm) de distribuição desmodrómica que surge mais leve em quase dois quilos e meio, sendo desenhado como elemento estrutural do chassi. Já na ciclística a nova Monster plasma os princípios inspiradores das Superbike Ducati para uma moto de estrada. O motor é então elemento autoportante, ligado ao quadro Front Frame que nos remete conceptualmente para o da Panigale V4. Construído em alumínio, é mais leve quase cinco quilogramas face ao quadro anterior, uma redução de peso de 60% que contribui para a leveza geral da moto. O braço oscilante também é concebido em alumínio, retomando o padrão lançado com a Multistrada V4, sendo mais de quilo e meio mais leve que o anterior. Em suma, contas feitas às sessões de ginásio e spa, o peso da Monster baixou para os 188 kg em ordem de marcha, o que significa menos 18 kg que o modelo anterior. O peso a seco é de uns “anorécticos” 166 quilogramas. 

Foto: Gonçalo Fabião

Surpreendente nesta moto é também o primeiro toque. Se em modelos anteriores nos podíamos sentir intimidados e quase que dependurados no conjunto, hoje, tocar na Monster é desde logo um momento de prazer. A posição de condução “está viva” mas é muito mais do que aceitável, confortável mesmo. O conjunto é ergonómico e rapidamente nos sentimos aos comandos não de uma “quase mil” e sim de uma “supersport 300cc”. Um pocket rocket ou monstrinho de bolso se lhe quiserem chamar. E isso é muito bom. Não só para nós mais velhos e cansados mas também para os mais novos que chegam cheios de “pica” ao maravilhoso mundo das desportivas despidas. 

Foto: Gonçalo Fabião

Notem que a Monster se mantém essencialmente como uma moto urbana e divertida. Pode e deve ser levada para as estradas de montanha mais próximas para dela espremer todo o prazer possível. Todavia a sumptuosa electrónica precisa de um dia de pista para se fazer notar e sentir em toda a sua plenitude. 

Foto: Gonçalo Fabião

De referir que são equipamentos de serie desta Monster + (para além de defletor sobre a ótica e cobertura do assento do passageiro) Riding Modes, Power Modes, Cornering ABS, Ducati Traction Control, Ducati Wheelie Control, Daytime Running Light, Ducati Quick Shift, Ducati Power Launch, ecrã TFT de 4.3″ TFT a cores, sistema de iluminação full LED, indicadores de direcção dinâmicos, entrada USB. 

PURO PRAZER 
Por falar em painel de instrumentos, julgo que a Ducati deve rever no futuro a interacção com o mesmo, para que a sua utilização se torne menos complexa e mais intuitiva. No mais, esta Monster + é uma expressão de absoluto hedonismo, onde a palavra prazer está sempre presente na sua condução. Seja numa estrada retorcida, seja na utilização urbana, seja quando só porque sim rodamos o punho rumo a um qualquer infinito que possamos imaginar. 

Foto: Gonçalo Fabião

A Ducati Monster + varia bastante o consumo do tal ouro líquido que tanto amamos, consoante o andamento que lhe solicitamos. O consumo médio de uma prova plena de gás rondou os cinco litros e meio por cem quilómetros de adrenalina solta, pedindo a marca italiana uma transferência bancária de 11.545€ para que possam andar por ai de forma “perversa” a “aterrorizar” quem passa.

domingo, 21 de novembro de 2021

Honda CB1000R Black Edition à prova

Se a tua moto fosse um filme, que filme seria? E se a tua moto fosse um livro, que livro seria? É tão bom escrevermos sobre o que gostamos como gostamos. Livres. “Não o prazer, não a glória, não o poder: a liberdade, unicamente a liberdade”. Escreveu Fernando Pessoa no Livro do Desassossego. 

Foto: Gonçalo Fabião

Aqui há uns dias publiquei a prova à CMX1100 Rebel (link) e referia a curiosidade de aquela ter com esta CB1000R Black Edition algumas características em comum: são ambas motos Honda da sua gama urbana denominada “Street”, tendo ainda ambas cilindradas a rondar os 1000cc. As duas obedecem ainda àquela velha máxima portuguesa de que com “um simples vestido preto eu nunca me comprometo”. No mais são motos absolutamente diferentes, até antagónicas nalguns detalhes, escrevi também. 

Foto: Gonçalo Fabião

Voltemos ao Livro do Desassossego de Pessoa: “Tudo em mim é a tendência para ser a seguir outra coisa; uma impaciência da alma consigo mesma, como uma criança inoportuna; um desassossego sempre crescente e sempre igual. Tudo me interessa e nada me prende”. Foi precisamente neste estado de perfeito alvoroço que a CB1000R Black Edition me deixou nos dias em que me fez companhia

CAOS E ORDEM 
De recordar que O Livro do Desassossego é uma das maiores obras de Fernando Pessoa. Começou a ser escrito aos vinte e cinco anos de Pessoa, acompanhando-a o resto da vida e é como um labirinto onde o autor procura responder a questões como “quem sou eu?” ou “como posso explicar a realidade?”. Dúvidas fundamentais do modernismo, que teve em Fernando Pessoa um dos seus representantes máximos. A obra levou vinte anos a ser escrita e ficou incompleta. São mais de 500 textos sem principio, meio nem fim, escritos por aquele que criou três identidades distintas para o acompanharem na criação poética: o mestre Alberto Caeiro, o médico Ricardo Reis e o engenheiro Álvaro de Campos. O Livro do Desassossego é assinado pelo semi-heterônimo Bernardo Soares. É um livro fragmentário, sempre em estudo por parte dos críticos pessoanos, tendo estas interpretações díspares sobre o modo de organizar o livro. É uma obra-prima pouco convencional, resistente às habituais classificações literárias. A palavra desassossego refere-se à angústia existencial do narrador, sim, mas também à sua recusa em ficar quieto, parado. Sem sair de Lisboa, este viaja constantemente na sua maneira de ver, sentir e dizer. Ler este livro, repleto de emoção e observações penetrantes, é uma experiência estranhamente libertadora. 

Foto: Gonçalo Fabião

Tal e qual, Sem sair da região da Grande Lisboa, viajei - e continuo a viajar agora enquanto escrevo este texto - de Honda CB1000R Black Edition na minha maneira de ver sentir e dizer. Se esta CB1000R fosse um livro…, ah, seria certamente o do Desassossego Pessoano. 

THE MATRIX 
Uma naked, uma muscle bike e uma café racer entraram num bar. Podia ser esta a “short story” mais curta de sempre para descrever uma moto. E não vai ser preciso muito mais para descrever esta moto para além daquela mistura fina descrita no início deste parágrafo que pode ser sintetizada no slogan da Honda: Neo Sports Cafe

Foto: Gonçalo Fabião

Aqui a marca nipónica monta um quadro monotrave em aço, optando por lhe juntar um, quatro cilindros em linha com o carimbo da qualidade Fireblade (998 cc, 104Nm, 140CV). Com uma posição de condução sóbria, correta e ao mesmo tempo envolvente com a máquina, os primeiros metros revelam uma moto soberba que rapidamente nos deixa assoberbados de liberdade.

A eletrónica, com destaque para o quick-shift que roça a perfeição, aliada ao demais hardware desta Honda e à nossa vontade de maximizar o prazer, faz nos encontrar rapidamente a resposta para outra pergunta. Se esta moto fosse um filme seria o clássico distópico Matrix, pois tudo parece andar demasiado devagar à nossa volta. E notem: não é fácil, nada fácil mesmo, esgotar aquele motor em estrada aberta. 

Foto: Gonçalo Fabião

Fará então sentido nos dias de hoje, onde o preço da gasolina bate recordes, deixarmo-nos encantar por um veículo urbano assim, que dificilmente gastará menos de seis litros de ouro líquido inflamável pornograficamente perfumado de impostos? 

CEDER AO DESEJO 
Sem qualquer dúvida que sim. Desde logo pela riqueza estética desta Black Edition cujos múltiplos detalhes confundem-nos, ao ponto de julgarmos que a moto saiu de uma das melhores oficinas de transformação de uma capital europeia e não de uma linha de montagem. 

Foto: Gonçalo Fabião

Sim também porque o lado desportivo desta moto despida convoca-a, caso o dono queira, a ser levada para um dia de pista – onde é forçoso optar por um acerto de suspensão mais sólido no sentido de maximizar a eficácia do conjunto; seguramente que não seria por ela que o condutor passaria vergonhas. 

Sim, ainda, porque sendo a natureza desta Honda CB1000R marcadamente urbana, o pequeno para-brisas é incrivelmente eficaz, alargando assim o raio de acção desta moto às estradas de montanha da região onde vivemos ou quem sabe até uma pequena viagem de fim-de-semana com a “turma”. 

Foto: Gonçalo Fabião

Para ceder ao desejo de livre desassossego que esta Graphite Black anuncia, a Honda solicita uma transferência bancária de quase 15.000€. Quer a personalidade quer a exclusividade terão sempre e o seu preço. Tal como a liberdade!

quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Honda CMX1100 Rebel à prova

“Inferno”. A comunicação social generalista adora “o drama e o horror”. Inferno é a expressão escolhida para definir o trânsito em Lisboa nas últimas semanas. Inferno do trânsito voltou em força e está pior que em pré-pandemia; o trânsito na capital já está a voltar aos níveis de 2019, tendo havido mesmo nas últimas semanas dias em que os valores ultrapassaram os valores pré-pandemia (link), podemos ler em notícia recente. 

Foto: Gonçalo Fabião

É assim em Lisboa e é assim um pouco por todo o país, segundo os relatos que me vão chegando. Todavia, não me revejo neste cenário dantesco de morada dos mortos ou lugar de condenação e grande sofrimento de pessoas más, só para recordar o que significa o tenebroso inferno. De facto, no papel há quem escreva cada parvoíce… 

Salvo há muitos anos pelo motociclismo, pouco me incomoda se há muito ou pouco trânsito. Prefiro sempre pouco trânsito, pois claro. E se houver muito, por vezes até se torna divertido o jogo do contorno de dificuldades. Ora, quis o destino que em tempos de caos automóvel tivesse em prova neste ESCAPE duas motos de natureza urbana, absolutamente aptas a oferecem a salvação a qualquer motociclista que as deseje. 

Foto: Gonçalo Fabião

A CMX1100 Rebel - que vamos provar agora - e a CB1000R Black Edition – prova a publicar mais tarde – apresentam três características em comum: são ambas motos Honda da sua gama urbana denominada “Street” e tem ambas cilindradas a rondar os 1000cc. Obedecem ainda aquela velha máxima portuguesa de que com um simples vestido preto eu nunca me comprometo. No mais são motos absolutamente diferentes, até antagónicas nalguns detalhes. Para além da salvação, é esta também a riqueza do motociclismo: diversidade. 

SIMPLES E CONTEMPORÂNEA 
A rebelde mil, surge como o desenvolvimento natural da espartana e acessível CMX500 provada aqui (link) neste ESCAPE. Num simples quadro em aço em formato diamante, a Honda optou por encaixar o conhecido bicilindrico paralelo (1084cc) originário da Africa Twin, aqui a debitar 87 CV e 98Nm. .

Foto: Gonçalo Fabião

Tal como a mana meio litro, a CMX1100 é uma cruiser de inspiração bobber altamente costumizavel. E algo nos desagrada bem cedo. A posição de condução que a Honda encontrou para esta moto não é de descrição fácil. Alguém com a minha estatura – metro e oitenta – ficará com as pernas demasiado recuadas o que gera desconforto com o passar dos quilómetros. Primeiro estranha-se e depois nunca se chega a entranhar. Vamos nos adaptando, no entanto, o conforto da parte de inferior do corpo nunca chega a ser óptimo, apesar do guiador ao estilo drag bar estar colocado de forma correta. 

Foto: Gonçalo Fabião

Para além deste aspecto menos positivo tudo o mais é prático e muito agradável na CMX1100 Rebel. Numa moto com esta matriz, a caixa DCT – incrível como continuo a ler, ver e ouvir supostos profissionais da comunicação moto a denominá-la de caixa automática – volta a surpreender de forma positiva, apesar de notarmos mais do que nunca a ausência de manete de embraiagem – devido à natureza de moto despida. 

Foto: Gonçalo Fabião

Para quem não estiver familiarizado com a exclusiva tecnologia Honda DCT, tudo é intuitivo e de fácil adaptação. De notar que podem contar nesta rebelde urbana com um sistema de gestão "Throttle By Wire", quatro modos de condução, controlo de binário seleccionável e sistema de controlo de levantamento da roda dianteira. O controlo da velocidade de cruzeiro é também equipamento de série e torna-se muito útil quando saímos da cidade rumo a uma qualquer via rápida, desejando manter o andamento certinho para desfrutar daquele momento elementar e eternamente apaixonante de rolar suavemente contra o vento. 

DESCOMPLICADA E DECIDIDA 
E é isto a Honda CMX1100 Rebel. Uma moto acessível, fácil e com uma ciclística aprimorada que convida a abandonar a cidade de mochila às costas, rumo a uma praia ou esplanada, dos arredores, seja para lazer ou mesmo em trabalho. 

Foto: Gonçalo Fabião

Nesse percurso vão sentir que o baixo centro de gravidade ajuda a equilibrar o conjunto, vão sentir uma suspensão sem reparos e vão sentir ainda uma travagem absolutamente eficaz apesar do único disco de 330 mm na roda dianteira. 

Nota final para sublinhar que se esta rebelde fosse minha optaria por dois dos diversos acessórios originais. Um do pacote street, porta-bagagens traseiro, retirando assim o “banquinho de cozinha” que é o suposto lugar de passageiro; e outro do pacote touring, para-brisas, que pode ser muito útil já que a frente da CMX é totalmente despida. 

Foto: Gonçalo Fabião

Por esta Gunmetal Black Metallic a Honda solicita uma transferência bancária de pouco mais de 10.000€, tendo a rebelde urbana reclamado pouco menos de cinco litros de ouro líquido inflamável, por cem quilómetros de salvação ao fatal fogo do inferno de que a comunicação social acéfala fala (sorriso…).
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