segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

A estrada, a moto e o telefone esperto – Estrada Nacional 10


portugal estrada nacional 10 honda crf1000l afric atwin adventure O que estará para além da curva. Como será o caminho? A paisagem? A estrada? O destino? A Estrada Nacional 10 (N10) faz parte do meu imaginário desde garoto. Falei deste mistério, deste espanto, aqui mesmo (link), no texto que lançava esta verdadeira saga a que num momento de absoluta parvoíce da boa me lancei: perseguir e recuperar o Plano Rodoviário Nacional de 1945 (link). 

No seu troço original, a Nacional 10 ligava Cacilhas a Vila Franca de Xira. Todavia, após a construção da primeira secção da Auto-estrada 1, a N10 acaba reclassificada em 1961, passando a ir até Sacavém. A travessia do rio Tejo faz-se pela Ponte Marechal Carmona. O peculiar trajecto desta estrada nacional acaba por corresponder a uma espécie de radial simétrica à Estrada Nacional 250, Auto-estrada 9 CREL e Itinerário Complementar 17 CRIL, pois circunda Lisboa, pelo lado oposto, ou seja, pela margem esquerda do Rio Tejo. A estrada foi desclassificada entre Cacilhas e o Fogueteiro e entre Alverca e Sacavém. Mas como bem saberão os mais atentos, este ESCAPE não quer saber de desclassificações para nada. Aqui gostamos muito de andar de moto por caminhos tortuosos.

E o início deste caminho é dos mais belos que podemos encontrar cá no rectângulo. Cacilhas, ou mesmo um pouco mais ao lado no agora tristemente decrepito e abandonado cais do ginjal. Por breves momentos somos apenas nós, o Tejo, Lisboa e o céu - Lisboa, Tejo e tudo, se quisermos recuperar o título de uma outrora famosa Revista do Parque Mayer. 

Dali a viagem parte lenta. Recordo, num ápice, os dias de criança, onde o meu pai pela mão me levava para a eterna Caparica, e da adolescência, os dias do “L123” (um passe social da região de lisboa), do cacilheiro e do autocarro que em levavam para três meses de férias giganteeeesssssss ao sol e sal da eterna e para sempre maravilhosa Costa da Caparica. 

Desta vez quedo me rápido, Lisnave, um destroço gigante; Alfeite, as traseiras das traseiras de Lisboa, a velha Cova da Piedade. Dali a estrada, ou o que dela resta, parte sem história nem gloria até Fogueteiro onde passados alguns metros encontramos os primeiros vestígios da N10. 

Mas tudo muda quando chegamos a Azeitão, terra de inesperado bucolismo e gastronomia de classe, vinho, queijo e tortas. Com meia dúzia de trocas de caixa, abandonamos a cidade, a paisagem urbana e industrial e estamos em pleno Parque Natural da Arrábida. Convém ir com tempo, fazer um pequeno desvio e mergulhar na Nacional 10-4 e na Nacional 379-1, caminhos mágicos e hedonistas que sobem e descem ao sabor do relevo da sumptuosa Arrábida. 

O festim termina em Setúbal, terra que nasceu do rio e do mar. Os registos de ocupação humana no território do concelho remontam à pré-história. Foi visitada por fenícios, gregos e cartagineses, que vinham à Ibéria em procura do sal e do estanho. Durante a ocupação romana, Setúbal experimentou um enorme desenvolvimento. Os romanos instalaram na povoação fábricas de salga de peixe e fornos para cerâmica, que igualmente desenvolveram. A queda do império, as invasões bárbaras e a constante pirataria de cabotagem causaram a estagnação, senão mesmo o desaparecimento, da povoação entre os séculos VI e XII. Só muito mais tarde, no século XVII, Setúbal atingiu o seu auge de prosperidade quando o sal assumiu um papel preponderante como moeda de troca e retribuição da ajuda militar ao apoio fornecido pelos estados europeus a Portugal durante e após as guerras da Restauração da Independência, prosperidade interrompida com o terramoto de 1755, a que se associaram a fúria do mar e do fogo. Apenas no século XIX, Setúbal conheceu o incremento que perdera. 

Daqui, a N10 ruma a Oeste. Beija a Reserva natural do estuário do Sado, da qual serve mesmo de fronteira, e saúda a Nacional 5 (link) em Águas de Mora. Com tanta ruralidade, já nos esquecemos que ainda há pouco abandonamos a cidade. Entre montado e vinhas cruzamos Pegões – a Nacional 4 (link) e o Infantado. Daqui a estrada abraça a Lezíria que nos conduz de regresso ao Tejo pela chamada Ponte de Vila Franca de Xira, e à margem norte do rio. 

Daqui até Lisboa não há historia. Apenas industria abandonada e velhas aldeias vizinhas da capital, hoje transformadas em gigantescos (por vezes horríveis) dormitórios. Mas no fim fica o espanto. Quem diria ao olhar para o mapa, quando partimos, que íamos encontrar uma estrada tão densa, viva e rica? 

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Quem, o quê, onde, como, quando e porquê – não necessariamente por esta ordem… 


A Estrada Nacional 10, não é mas podia muito bem ser conhecida por Circular Regional Sul de Lisboa. O seu curioso traçado inicia-se às portas de Lisboa, na margem do tejo, em Cacilhas e termina em Sacavém junto à Portela. Foi por este ESCAPE percorrida no final de Novembro passado, aos comandos de uma Honda CRF1000L Africa Twin Adventure Sports que gastou cinco litros daquele líquido inflamável também conhecido como “ouro liquido”. A N10 não é uma estrada qualquer e é credora do nosso respeito. Conduz-nos num pitoresco passeio que parte da cidade e a ela regressa depois de passar por Parques Naturais, Reservas Naturais, pela vinha, pelo montado, pela Lezíria. A N10 serve populações e o seu desenvolvimento económico. Dava um excelente roteiro gastronómico, cultural e até de arqueologia industrial.

8 comentários:

  1. Grande artigo,

    Adorava fazer esse trajecto, existe algum sitio/app que tenha os waypoints para a nacional 10?

    Cumprimentos

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    Respostas
    1. Viva..., waypoints? Não conheço..., mas é giro ir por ai à descoberta e nem sequer será necessário mapa..., é só ir... :)

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  2. FANtástica descrição de um passeio tão acessível a quem vive na grande Lisboa!
    Digo mais, fazer a união da N9 com a N10 deve ser qualquer coisa......
    Forte abraço

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  3. Muito giro a série de artigos! Senti falta dos mapas para que os não lusitanos possam situar-se! Parabéns!

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