Um dia fui à Argentina. Já lá vai mais de uma década. Talvez quinze anos. Aqui não há fundamentalismos. E numa pausa do motociclismo, despi o fato de viajante e vesti o de turista. Na Argentina perdi os óculos. Pisei o solo sagrado de La Bombonera – para quem não sabe é o estádio do Club Atlético Boca Juniors – e o gelo milenar do Perito Moreno - glaciar argentino que está situado entre os 47º e 51º de latitude sul. Da Argentina trouxe ainda um pouco de Tango, Patagónia e uns quilos a mais de tanto churrasco, “bife de chorizo e papas fritas”. Tudo isto sempre bem acompanhado por delicioso Malbec – a uva francesa que tão bem se dá a Sul e revela um tinto magnífico. E da Argentina trouxe sobretudo um sonho: Ruta Nacional 40.
Foto: Gonçalo Fabião |
A Ruta Nacional 40 é uma estrada que corre a eterna Argentina de sul a norte desde Cabo Virgenes na província de Santa Cruz até a fronteira com a Bolívia, tornando-se desta forma a mais extensa estrada Argentina. Mais ou menos paralela à Cordilheira dos Andes, inclui diversos troços em vinte Parques Nacionais. Durante os seus 5224 km chega a subir aos 4895 metros de altitude no passo de montanha denominado Abra del Acay, na província de Salta.
Foto: Gonçalo Fabião |
Desde que aquela estrada começou a ser construída, em 1935, já sofreu várias modificações no seu percurso. Ainda hoje cerca de 40 % do seu traçado não é asfaltado mas sim em “ripio”, uma espécie de cascalho que pode ser mais ou menos grosso, incluindo “los malditos 73”, um pedaço lendário pela sua dificuldade entre Três Lagos e Gobernador Gregores.
AQUELA VELHA AMIGA
Mudando de assunto (ou nem tanto…, já lá iremos…) a Royal Enfield Himalayan é bem conhecida deste ESCAPE e foi amor à primeira “voltinha”. Deixem me recordar-vos que estou a falar disto (link) e disto (link): o notável confronto nas Linhas de Torres que o Rad Raven e este blogue fizeram no inicio de 2019.
Foto: Gonçalo Fabião |
Desse dia resultou este vídeo (link) que vai alegremente a caminho de umas incríveis duzentas mil visualizações, assumindo-se assim como o provável clip de cultura motociclista feito entre nós mais visto e aplaudido por essa Rede fora. Só lamento não termos conseguido dar continuidade a este inegável sucesso.
Foto: Gonçalo Fabião |
Mais tarde voltei a provar aqui (link) a simpática Himalayan, também para a compreender em circuito urbano. E fiquei a entender melhor as fortes palavras da marca quando defende ser esta “the only motorcycle you will ever need”. Honestamente…, estive quase a ficar com uma para mim. Trabalhá-la para a melhorar no desempenho fora de estrada, e fazer dela a minha trabalhadora para ir “ao campo”. Este projecto acabou adiado e, confesso, ainda bem. Quem muita moto toca, alguma terá de ficar para traz. Mas o bichinho Sherpa não mais me largou…
SERÁ ESTA A MOTO MAIS COOL DO UNIVERSO?!?
Para este ano a Himalayan foi actualizada para a já conhecida norma Euro 5. Conta com novas cores e um peculiar sistema Tripper da Royal Enfield que auxilia na navegação curva-a-curva, integrado com a plataforma Google Maps podendo ser conectado com o telemóvel mediante a app da marca. São ainda novidades o ABS desconectável na roda traseira, bancos com maior dose de conforto e uma ligeira melhoria na proteção aerodinâmica.
Foto: Gonçalo Fabião |
A Himalayan, que para alguns se assume com a moto mais cool do universo, é uma jovem urbana aventureira suave e despretensiosa. Moto inclusiva, surge pronta para tudo e para todos. Temos mesmo dificuldade em encontrar moto tão abrangente. Procurada por um espectro tão alargado, que vai da jovem motociclista feminina inexperiente e cheia de gana, ao maduro e experiente motociclista que procura um momento “back to basics”.
QUANDO ANALOGIA RIMA COM PRAZER
Apenas como exemplo, este ESCAPE ouviu o Miguel Sala, motociclista que gosta de viajar pelos céus e por estrada em outras cilindradas maiores.
Foto: Gonçalo Fabião |
Estou a gostar muito da Himalayan. E é fácil gostar-se dela! É uma moto que transpira simplicidade e vive à base de um conceito de engenharia maioritariamente analógico. Qualquer mecânico de beira de estrada ou "curioso da ferramenta", sabe mexer e solucionar eventuais necessidades - que até à data, nunca necessitei. Gosto do ar meio tosco e quase inacabado deste design. Gosto de presenciar conversas de "conhecedores" que ao passar a pé junto ao passeio, olham-na e garantem ser uma moto "antiga mas bem tratada... e pela matrícula mais recente, nota-se que a Royal Enfield foi importada". Gosto do som matraqueado de trator e típico de um monociclindrico. Do binário "grosso" e do som rouco nos caminhos fora de estrada. É uma moto que, não sendo excelente em nada, é muito aceitável em quase tudo e em quase todo o tipo de terreno. Tem um preço muitíssimo justo e competitivo. Tem pouca potência, pouca velocidade de ponta, pouco travão dianteiro mas tem uma enorme capacidade de rasgar sorrisos dentro do capacete em Estradas Nacionais e fora delas. Dá um gozo enorme fazer aqueles passeios tranquilos de evasão, sem horários, sem pressas. Tem carisma. Tem um painel de instrumentos (que mesmo com o seu problema típico de fazer às vezes condensação), não deixa de ser lindíssimo e prazeroso de olhar enquanto a pilotamos. Gosto do baixo consumo e da sua alargada autonomia. Estou a gostar da Himalayan, sim. Muito! Ainda só fiz pouco mais de 3.000km em menos de 3 meses e tenho, como sabes outras motos, mas até agora, não pestanejaria em voltar a comprá-la.
De recordar que a alma e coração se mantêm, ou seja um quadro de duplo berço que monta um motor de um cilindro só a oferecer 24Cv e 32nm. E eu adoro a coolness que esta Royal Enfield oferece assim que nos sentamos nela, colocamos a trabalhar e engatamos a primeira velocidade. Tudo é descomplicado, honesto mesmo. E rapidamente desejamos partir para o primeiro fora de estrada que encontramos junto da cidade.
OS SONHOS PODEM SER HUMILDES
A caminho do campo não devemos abusar Himalayan tentando extrair o que ela não oferece sob pena das naturais vibrações se fazerem sentir, da protecção aerodinâmica perder a sua eficácia e do consumo não nos fazer sorrir. Todavia se formos gentis com a nossa nepalesa, aquele passeio de fim de tarde à beira do oceano atlântico vai fazer-nos sonhar com outras paragens e latitudes. E sim. Se um dia partir para a argentina Ruta Nacional 40 é com uma destas que quero ir. Porque será suficiente, eficaz e, vejam lá, prazerosa.
Foto: Gonçalo Fabião |
Por uma destas Granite Black que solicitou pouco mais de três litro e meio do tal líquido inflamável, carregadinho de impostos, feito a partir do sumo do dinossauro, a marca reclama uns meros 4.495€, um valor soberbo por uma moto humilde e que ainda assim tanto nos pode oferecer.
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