terça-feira, 23 de maio de 2023

Autofagia

No momento em que vos escrevo está uma manhã de domingo cinzenta. É dia 21 de Maio e parece Agosto, pois o verão outrora chamado de primavera vai longo. É assim a vida. Tudo muda. Até o clima. Só o que parece teimar não mudar é o ambiente da comunicação moto em Portugal. E quando não mudas? Morres.

Este é mais um texto que as “margaridas” da vida vão a correr para o whatsaap dizer, “olha, olha, estás a ver o que ele escreveu desta vez”. As “margaridas” da vida são aquelas personagens que de vez em quando “aparecem nas motos”. Tão depressa aparecem como desaparecem. Se “já não dá aqui” vão chatear para outro lado. É tóxico. Devastador. É assim há décadas. Elas entram e saem como poeira. Nós cá continuamos. Há décadas. 

Já me estava a perder pelo caminho. É normal. O que eu queria hoje contar, é que ontem, sábado, ao acordar tinha uma mensagem do Fabião. A mensagem alertava-me para a noticia que dava conta que a velha Motojornal assinava mais um capitulo da sua rendição e passaria a ter periodicidade mensal. Eu amo a Motojornal. Quer dizer: amei, no passado. Em Abril de 2015, sim, 2015, leram bem, escrevi lhe uma última carta de amor que pode ser lida aqui (link). 

Quis o destino que nesse mesmo dia, ontem, encontrasse casualmente e num local altamente improvável o director da Motojornal. Conheço o Vitor Martins há décadas e ao contrario de outros no meio, prezo-o bastante. Mais do que ele imagina. Assim, ficamos uns minutos à conversa que começou com um “ainda há pouco estava a ler o que escreveste” sobre a passagem da revista a mensal. 

Naturalmente não vou aqui reproduzir a conversa com o Vitor. No entanto “ainda há pouco estava a ler o que escreveste” é algo que nós, os que escrevemos sobre motos, vamos ouvindo cada vez menos. A verdade é que ninguém nos lê. Não me vou armar em imbecil e dizer que o ESCAPE é excepção. Obviamente que o ESCAPE, tal como outros que escrevem sobre motociclismo, é cada vez menos lido. 

O que disse ao Vitor, e que curiosamente já tinha dito a outro Vitor, que nós também conhecemos, na mesma manhã desse dia – há coincidências tremendas – é que não há espaço para meia revista mensal quanto mais para duas em papel e mais duas digitais. Ninguém quer saber disto para nada. Ponto final. 

VIDEO KILLED THE RADIO STARS?
Ah, só que nós temos a televisão vomitam alguns. A televisão? Ouvi bem? Esperem. Eu sou o Pedro tenho 50 anos e não ligo uma televisão há cerca de dois meses. Vou repetir: olá, eu sou o Pedro, tenho quase 51 e não ligo uma televisão há cerca de dois meses. Faço-me entender? Posso não ser a referência. Sou todavia uma referência como outra qualquer. 

Ora bem, a televisão exige para ser vista o dispositivo chamado televisor. Uma cena enoooooooorme que apesar de actualizada tecnologicamente é um resquício de século XX. O que esse dispositivo chamado televisor emite é, regra geral, lixo. Com excepção dos velhinhos nos lares, ninguém no seu juízo perfeito vê o destilar de ódio em telejornais de duas horas, telenovelas varias e infinitas, conversa de bola, ao nível de tasca, sem fim e shows diversos para mentecaptos. O que sai do televisor é altamente perigoso. Pior que tóxico: mortal. O pouco que pode ser visto na televisão de algum interesse por estar a acontecer nesse preciso momento – um grande evento desportivo, politico ou social ao vivo - pode ser visto em qualquer outro dispositivo móvel. Sejamos claros: televisão que sai do televisor é lixo. 

De facto, há um magazine de motos na televisão. Não foge muito à regra do que é a toxicidade da televisão generalista. Umas pessoas que parecem teletransportadas da URSS de Leonid Brejnev ou da RDA de Erich Honecker declamam fichas técnicas de motociclos. Há sempre uma musica pirosa e pseudo épica a tocar. E imagens aéreas. No final sabe sempre a peixe cozido com legumes murchos e ficamos com sensação de já ter visto aquilo o ano passado. É tudo igual. Como nas velhas URSS e RDA. 

Voltando à conversa com o Vitor Martins, director da minha outrora amada Motojornal, onde discordamos mais foi no papel das marcas em todo este pântano. Ele acha que está quase tudo bem. Eu digo que está tudo mal. Eu acho que está tudo mal porque no meu ponto de vista as marcas são as grandes responsáveis deste processo autofágico. 

COME-TE A TI PRÓPRIO 
Autofagia. Não vamos longe para não nos perdermos ainda mais. Vamos ficar apenas pelo dicionário. Autofagia significa a manutenção da vida à custa da própria substância do indivíduo. É o resultado do labor das marcas no seio da comunicação especializada. 

Um exemplo. Nos últimos meses temos assistido a diversas apresentações nacionais e múltiplas apresentações ibéricas levadas a cabo por marcas de todos os segmentos e quadrantes. Nalgum destes eventos esteve presente um único meio alternativo ao tradicional? Negativo. Em nenhum desses eventos esteve presente um meio alternativo. Estiveram apenas presentes os meios que se suicidam lentamente. Aqueles que a morte é certa e está anunciada. Isto tem um nome e foi enunciado por Albert Einstein, não sei se conhecem. E o nome é Principio da Insanidade. Terá dito o Sábio: “insanidade é continuar a fazer sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes”. 

Numa palavra que este texto já vai longo: autofagia. Eu repito: a manutenção da vida à custa da própria substância do indivíduo. Como nas velhas URSS e RDA. Estamos assim. Em ciclo vicioso e autofágico. Até que a morte nos separe. Não tenho muito mais a acrescentar pois vou andar de moto. Pode ser que nos próximos meses abram a pestana. Ou não. Boa sorte a todos!

2 comentários:

  1. Pedro, eu leio os teus textos e também outros! Porque são escritos com propriedade, conhecimento de causa, paixão e com respeito à língua portuguesa! Têm qualidade. Os tempos atuais premeiam a mediocridade, o banal, o irrelevante, portanto... Mas enquanto pessoas como tu ou o Vitor escreverem sobre motos, eu vou ler!

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    1. Não sou anónimo, sou o Pedro Gordo! Cumprimentos em V, de preferência V4! ;)

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