"O Doiro sublimado. O prodígio de uma paisagem que deixa de o ser à força de se desmedir. Não é um panorama que os olhos contemplam: é um excesso da natureza. Socalcos que são passadas de homens titânicos a subir as encostas, volumes, cores e modulações que nenhum escultor, pintor ou músico podem traduzir, horizontes dilatados para além dos limiares plausíveis da visão. Um universo virginal, como se tivesse acabado de nascer, e já eterno pela harmonia, pela serenidade, pelo silêncio que nem o rio se atreve a quebrar, ora a sumir-se furtivo por detrás dos montes, ora pasmado lá no fundo a reflectir o seu próprio assombro. Um poema geológico. A beleza absoluta".
Este é Miguel Torga, que aprendemos a ler e respeitar no nosso chamado ensino secundário. Miguel Torga no seu "Diário XII". O Douro, essa paixão inspiradora. Solo sagrado. Estradas de sonho. Dias épicos! Não consta que Miguel Torga tenha sido motociclista. Se Miguel Torga vivesse hoje ficaria espantado com a quantidade de vinha por este país trabalhada. Mas o Douro…, oh senhores, o Douro: sem margem de dúvida a maior obra portuguesa de todos os tempos!
Na mais recente viagem realizada por este ESCAPE por este Portugal fora, contámos com a soberba Kawasaki Versys 1000 Special Edition, velha conhecida do blogue (link) e agora em versão Grande Turismo, ou seja, cheiinha de espaço para tralhas e bagagem, equipada com faróis auxiliares e protecções de motor para o caso daquelas sempre aborrecidas quedas para o lado com a moto em modo viagem. Acontece a todos…
Todavia, em bom rigor, o que tenho para vos oferecer hoje é um texto diferente, género de prosa que muito gosto de fazer e pouca oportunidade existe para escrever. Um texto sobre um dia épico pelas estradas do Alto Douro Vinhateiro, nascido no seio de uma viagem por Portugal – mais uma – e que quase se tornou, por força da geografia e das estradas, numa das melhores jornadas de motociclismo de todo o sempre. Devo partilhar. Venham comigo…
Provesende é uma antiga freguesia portuguesa do concelho de Sabrosa. Foi vila e sede de concelho. Situada na região do Alto Douro Vinhateiro, na margem norte do rio, entre as vinhas, os solares e as casas em pedra, Provesende oferece hoje uma absoluta viagem no tempo e a comunhão entre o passado e o presente.
Gosto tanto de Provesende que nas últimas três viagens por este nosso Portugal por lá passei sempre. E é de Provesende que parte este pequeno roteiro mágico. Daqui é descer ao Pinhão pela Estrada Nacional (N) 323 e tomar um belo pequeno-almoço na Princesa do Douro, bom café e gente simpática.
Atravessada a velha ponte, rapidamente abandonamos a N323 para subir até ao seu ponto final a (agora) mundialmente reconhecida N222. No inicio da subida acompanhamos o Rio Torto e, quando deixamos de ver este é tempo para uma primeira paragem na arrebatadora Quinta do Ventozelo.
Situada na margem esquerda do Douro, ao chegar a Ervedosa, a Quinta de Ventozelo é das mais bonitas e apaixonantes da região. Num vasto anfiteatro sobre o rio encontramos aquilo que alguns chamam de “portas do silêncio do Douro”, onde o tempo parece correr mais devagar. A tranquilidade e a ligação plena à Natureza são o valor intangível principal desta Quinta. Imperdível!
A viagem segue então, finalmente, desfrutando das deliciosas curvas da N222 que acompanha, como muitas das estradas nacionais, o relevo do terreno. Já depois de atravessado o Rio Coa, chegados a Almendra há que fazer opções. E a minha foi pela da aventura. Descer a velha Nacional (N332) rumo à estação e três quilómetros antes desta – a estrada apesar de velha está bem marcada – cortar à direita para um fora de estrada fácil e ainda assim desafiante que nos leva ao encontro da N221 e do Alto da Sapinha. Este fora de estrada foi realizado com sucesso, em modo viagem, por uma Kawasaki Versys 1000 que apesar da sua jante 17 e pneus de turismo abriu o xisto rumo ao asfalto. Magnifico!
Já em terrenos de Parque Natural do Douro Internacional, o Alto da Sapinha domina a paisagem em direção a Barca de Alva onde o ESCAPE recomenda uma refeição rápida e ligeira junto ao Douro, com vista para o Reino de Espanha. Em Barca de Alva encontramos um dos mais esquecidos e ao mesmo tempo mais colossais troços de Estrada Nacional em Portugal. Dali a N221 ruma a norte junto ao Douro e a Kawa faiscou a cada curva negociada. Desta vez esqueci a vista apaixonante do Penedo Durão ou a frescura eterna da aldeia de Mazouco e foi sempre a queimar Mitas Touring Force até ao cruzamento com a N220 e respectiva descida para Torre de Moncorvo com paragem na famosa Taberna do Carró e compra de um dos seus licores caseiros que já em casa faz prolongar esta viagem pela eternidade (da dimensão da garrafa).
Estando em Moncorvo não é possível deixar de rumar a Norte e vislumbrar lá do alto do miradouro de São Gregório a foz do deslumbrante Rio Sabor. Dali é tempo de pensar no regresso e no fim da aventura do dia. Ainda há mais faíscas para espalhar no asfalto da N215 já rumo ao oeste, e após um pouco de IC5 descer à foz do rio Tua pela não menos apaixonante N214.
O dia estava de facto a ser épico. E assim continuará até fim nestes cerca de trezentos quilómetros que se arriscam a concorrer ao prémio “os melhores trezentos quilómetros de Portugal”.
Da foz do Tua é então necessário subir a impecavelmente bem asfaltada N212 até Alijo, dali rumar à perigosa mas deslumbrante descida do Vale de Mendiz pela N323-3 e enfim, regressar ao Pinhão terminando o dia de volta à casa de partida em Provesende.
Tomar um banho e rumar à casa da Dona Graça que nos espera com a sua receita de Pernil em Vinho do Porto com vista para o pelourinho histórico de Provesende.
Não sei. Não sei se este terá sido o meu melhor dia de motociclismo por este nosso Portugal. Mas durante a viagem senti o chamamento de o cristalizar, aqui, no ESCAPE. Na esperança que se eternize e inspire outros motociclistas como eu. Como tu.
De facto, o Alto Douro Vinhateiro é uma zona particularmente representativa da paisagem que caracteriza a vasta Região Demarcada do Douro, a mais antiga região vitícola regulamentada do mundo. Marcado por estradas sumptuosas, a paisagem cultural do Alto Douro combina a natureza monumental do vale do rio Douro, feito de encostas íngremes e solos pobres e acidentados, com a acção ancestral e contínua do Homem, adaptando o espaço às necessidades agrícolas de tipo mediterrâneo que a região suporta.
Esta relação íntima entre a actividade humana e a natureza permitiu criar um ecossistema de riqueza única, onde as características do terreno são aproveitadas de forma exemplar, com a modelação da paisagem em socalcos, preservando-a da erosão e permitindo o cultivo da vinha. A região produz, entre outros, o famoso vinho do Porto, representando o principal vector de dinamização da tecnologia, da cultura, das tradições e da economia locais. O grande investimento humano - onde incluímos as Estradas Nacionais - nesta paisagem de singular beleza tornou possível a fixação das populações desde a longínqua ocupação romana, e dele resultou uma realidade viva e em evolução, ao mesmo tempo testemunho do passado e motor do futuro.
Mapa do tesouro... |
Numa palavra, um poema geológico, beleza absoluta. Foi assim um dia épico pelas estradas do Alto Douro Vinhateiro. Obrigado Miguel Torga. Obrigado Portugal.
sem duvida que são os melhores 300 kms do mundo !!
ResponderEliminarEna!! Acertei em cheio :) obrigado...
EliminarO pequeno troço fora de estrada é bom de se fazer?
ResponderEliminarQuantos km são?