Domingo, sete da manhã. Terminava naquele preciso instante algo que até há algumas semanas para mim seria impensável: sete dias seguidos a trabalhar num turno de oito horas entre as vinte e três horas de um dia e para lá do nascer do sol do dia seguinte.
Foram dias de desadaptação, confesso, e por vezes sentia me mesmo um pouco perdido. Desempenhando com lealdade as funções que me foram confiadas, com o som do espaço que a noite traz. Ora apenas o silêncio, uma rega automática que nunca imaginei estar ali, a passarada que teima em acordar diariamente uma hora antes do sol nascer. Agora, chegavam enfim as merecidas folgas.
Após algum sono de descanso, decido inverter o foco do trabalho para o lazer. “Vou-me enfiar debaixo do chapéu-de-sol, entre passeios à beira mar e mergulhos de mar salgado”, pensei. Mas não vou sozinho. Finalmente encontrava tempo para ler a REV #57 que comemora o décimo aniversário da revista do poço do bispo - no jornalismo antigo havia esta tradição de, forma carinhosa, indicar ao leitor onde o objecto era feito.
Serve então este post, desde logo, para saudar a REV e todos aqueles que a tem levado a cabo durante esta década: muitos parabéns a todos!
Serve ainda este post para admitir algo; para mim mesmo e até de forma pública e publicada. A maior decepção que este ESCAPE me deu foi, nos seus já mais de cinco anos, nunca ter visto uma única linha ou sequer palavra escrita na comunicação social especializada sobre o trabalho que aqui se idealiza, realiza, produz, escreve, fotógrafa, edita, pública e promove. Aqui, neste O Escape Mais Rouco. Um trabalho individual. Em que a equipa é apenas de cerca de 1 (um).
Foi ao ler as primeiras páginas desta edição aniversário que me lembrei de trazer este tema aqui. O arranque desta REV #57 é feito com um conjunto de textos onde se celebra, e bem, o trabalho realizado em dez anos. Curiosamente o escrito mais surpreendente e que claramente se destaca dos demais é o de Miguel Tiago, motociclista e ex-deputado do Partido Comunista Português à Assembleia da Republica cujo título roubo para esta espécie de crónica.
“Afinal nunca estamos perdidos” escreve o Miguel a propósito de um pequeno episódio de uma burguesa viagem de moto pelas deliciosas Córsega e Sardenha. E, paradoxalmente, encontrei a paz com a decepção que vos conto, ao ler, precisamente a “Rusty Tale” da Marta Garcez. Sem saber que me iria reabrir a ferida, nunca falamos sobre isso - obviamente- a Marta escreve que outro fenómeno que “ajudou a mudar a forma de ver o mundo das duas rodas” foi a “organização de encontros que nos puseram a todos em contacto regular” citando alguns deles e esquecendo as Tertúlias do Escape.
Tendo inclusive a Marta sido uma das pouquíssimas Tertulianas repetentes, esteve aqui (link) e aqui (link), confesso que me entristece ver por ela citado o quase irrelevante Social Riders Club e esquecidas as magníficas Tertúlias do Escape com catorze edições duas delas fora de Lisboa, uma em Évora (link) outra Porto (link). “Eventos que moldaram essa cultura e tornaram a sociedade motociclistica bem melhor de se viver e saborear”. São palavras que muito eu gostaria, confesso, de ver associadas a este blogue ou pelo menos à sua Tertúlia - agora suspensa pelos motivos que todos conhecem
Recentemente aprendi, e pratico com regularidade, a ideia de que não podendo nós controlar as ações externas, de outro, podemos sim controlar o impacto que essas acções têm em nós mesmos. O silêncio ensurdecedor que a comunicação social especializada encerra sobre mais de cinco anos deste ESCAPE e do seu trabalho diz muito mais sobre quem o ignora do que do ESCAPE ignorado.
Depois da leitura do texto da Marta, fechei a revista, dei mais um mergulho, dormitei um pouco à sombra e ao sabor da brisa do atlântico norte. Quando acordei rasurei estas palavras nas notas do meu telefone esperto. Repousei. Lancei da mão da compaixão e voltei à leitura da magnífica REV, celebrando assim o seu décimo aniversário. É continuar o trabalho, meus queridos. Os motociclistas e o motociclismo precisam de vós!
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