segunda-feira, 22 de junho de 2020

A estrada, a moto e o telefone esperto – Estrada Nacional 115

Era mais uma madrugada de inverno. Mil novecentos e noventa e cinco. Ou seis. Não me recordo se saíamos da Kapital, do Alcântara ou do Kremlin. É indiferente. Os anos dourados do clubbing estavam as ser vividos intensamente, como quaisquer anos dourados devem ser vividos. Mas nem no auge da noite se esquecia o motociclismo. “Vou para casa”, dizia me o Mano Mitra. Estás parvo, questionava eu com veemência, que eram apenas cinco da manhã. “Dormir, almoçar que amanhã vamos às curvas do Sobral, beber um chã antes do anoitecer”. 

Foto: Gonçalo Fabião

Fartinhos já à época das enchentes e dos “cromos” na estrada de acesso ao Cabo da Roca – a Nacional 247 – a minha geração (e o meu grupo de amigos), foi das primeiras a desbravar a Estrada Nacional (N115), aquilo que para nós à época era apenas uma estrada agrícola com traçado de autódromo e cheia de maquinas de trabalho e outra chicanes móveis varias que, todavia, ouvíramos ser muito utilizada pelo “pessoal das revistas” para fazer as imagens dos “andamentos”.

PARQUE DE DIVERSÕES 
Ainda hoje, sempre que cruzo a N115, fico perplexo como é possível uma estrada tão exuberante estar quase por completo despida de motociclistas. Mais a mais não sendo esta a única perola da região Oeste, muito pelo contrário. A N115 permite múltiplas combinações com outras estradas na zona, proporcionando tardes ou mesmo dias plenos e apaixonantes de motociclismo em modo curva contra curva, um verdadeiro parque de diversões.

Foto: Gonçalo Fabião

Com o quilómetro zero numa rotunda a sul da cidade das Caldas da Rainha, rotunda essa que faz a ligação com a nossa já bem conhecida Nacional 8 (link), a cento e quinze corre a região do Oeste que se localiza entre o Oceano Atlântico e a Serra do Montejunto e é marcada por dois vectores fundamentais. Um histórico, as Linhas de Torres, e outro social, o tecido agrícola. Já a paisagem é sublinhada pelo diálogo serra/mar e pelos campos cultivados com vinha e árvores de fruto, sendo o Oeste uma das maiores regiões produtoras de fruta de Portugal.


Foto: Gonçalo Fabião

Estas terras foram palco de inúmeras batalhas que decorreram durante as Invasões Napoleónicas e a marca mais visível dessa época são as “Linhas de Torres”, ou as ruínas que dela sobram. As Linhas de Torres Vedras (ou simplesmente Linhas de Torres) que alguns especialistas sugerem ter sido o maior sistema defensivo da Europa, foram erguidas a norte de Lisboa, entre 1809 e 1810, no mais profundo secretismo, pelo futuro duque de Wellington. Arthur Wellesley traçou uma estratégia de defesa que consistiu em fortificar pontos colocados no topo de colinas, para controlar os caminhos de acesso à capital de Portugal, reforçando os obstáculos naturais do terreno. Este sistema, constituído por três linhas defensivas, estendia-se entre o oceano Atlântico e o rio Tejo, por mais de 85 km. Quando concluído contavam com cento e cinquenta e duas obras militares, armadas com seiscentas peças de artilharia e defendidas por cerca de cento e quarenta mil homens, tornando-se, segundo alguns, no sistema de defesa mais eficaz, mas também o mais barato da história militar. Brilhante! 

IN VINO VERITAS 
De regresso ao bucolismo da paisagem, a vinha e o vinho bordejam o asfalto quase a tempo inteiro. A Quinta do Gradil é apenas um exemplo. Situada em Vilar, paredes meias com a própria estrada, o enorme palácio setecentista marca os duzentos hectares de propriedade, dos quais cerca de sessenta por cento estão plantados com vinha. A quinta passou, em 1999, a fazer parte do Grupo Parras Vinhos, de Luís Vieira, altura em que foi feita a reabilitação das vinhas e constituída a equipa de enologia. Além dos vinhos, alguns premiados, há́ grande número de actividades de enoturismo disponíveis a começar pela tradicional e clássica visita e prova de vinhos.

Foto: Gonçalo Fabião

Toda a N115 é merecedora da nossa atenção. Mas as secções entre a Merceana – onde encontramos a N9 (link) - e o Sobral, bem como desta até Bucelas, são um absoluto clássico regional a fazer até que os pneus das nossas motos doam. Notem contudo o seguinte alerta. Troços há em que o asfalto se encontra abatido por pequenos aluimentos o que pode provocar acidentes de consequências dramáticas. Aqui, mais uma vez, mesmo às portas da Lisboa, encontramos abandono sinalizado de forma insuficiente. Cuidado! 

_______________________________________________________________

Quem, o quê, onde, como, quando e porquê – não necessariamente por esta ordem… 

A Estrada Nacional 115, não é mas poderia muito bem ser conhecida como “Estrada dos Montes do Oeste” ou porque não “A Rainha do Oeste”. Tem o seu início nas Caldas da Rainha (numa junção com a N8), histórica cidade portuguesa do distrito de Leiria, situada na província da Estremadura e terminus em Loures (curiosamente também numa junção com a N8), cidade do Distrito de Lisboa, pertencente à Área Metropolitana da Capital, cruzando ainda a N9 (link) na Merceana e a Nacional em Bucelas – a próxima a ser desbravada por este blogue. 

Foi pelo ESCAPE percorrida, em parte ou no seu todo, para cima e para baixo, para baixo e para cima, dezenas se não mesmo centenas de vezes. A última das quais no mês de Junho de 2020 como uma das motos cá da garagem, a Honda CRF 1000L DCT Africa Twin de 2016 que reclamou 5,1 litros de liquido inflamável por cem quilómetros de boa disposição. 

A N115 não é uma estrada qualquer e deve ser credora do nosso respeito. Oferece um traçado de Classe Mundial que só peca pela sofrível qualidade do asfalto nalguns traçados. Conduz-nos da aragem fresca do oeste ao bulício dos arredores lisboetas por montes que se pintam com as cores fortes e carregadas dos campos nas suas diferentes interpretações e estações. Tem vinho, gastronomia, história, cultura, beleza natural e está mesmo aqui ao lado de tantos, tantos motociclistas da região da Grande Lisboa.

6 comentários:

  1. Fi-la no fim de semana passado, na minha Vespa PX125, por recomendação deste site.
    Já agora:
    https://www.google.com/maps/dir/Lisboa/38.8972295,-9.1202731/38.9904705,-9.1450879/39.0971104,-9.1087551/Cadaval/Palho%C3%A7a,+Cadaval/Caldas+da+Rainha/@39.1122279,-9.2119609,10.34z/data=!4m31!4m30!1m5!1m1!1s0xd19331a61e4f33b:0x400ebbde49036d0!2m2!1d-9.1393366!2d38.7222524!1m0!1m0!1m0!1m5!1m1!1s0xd18cbd84def22a9:0xd06058ab66c1983!2m2!1d-9.1027435!2d39.2433571!1m5!1m1!1s0xd18c9cc787748a1:0xfe60ab18f1846a06!2m2!1d-9.0604391!2d39.2833617!1m5!1m1!1s0xd18b250a082a2d1:0xb39a198d8e8efc9c!2m2!1d-9.135404!2d39.4048977!2m1!1b1!3e0?authuser=0

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Melhor aqui: https://www.google.com/maps/dir/Caldas+da+Rainha/Vermelha/Cadaval/Merceana,+Alenquer/Arranh%C3%B3/Loures/@39.1119531,-9.4261038,10z/data=!4m41!4m40!1m5!1m1!1s0xd18b250a082a2d1:0xb39a198d8e8efc9c!2m2!1d-9.135404!2d39.4048977!1m5!1m1!1s0xd18ca21369b00c9:0x4f73caaccec51035!2m2!1d-9.1052924!2d39.2699174!1m5!1m1!1s0xd18cbd84def22a9:0xd06058ab66c1983!2m2!1d-9.1027435!2d39.2433571!1m5!1m1!1s0xd18d231e52c6be5:0xa00ebc04f7fd690!2m2!1d-9.1124582!2d39.093903!1m5!1m1!1s0xd192a7a9bddf2a5:0x7eede31adc76fd82!2m2!1d-9.1400807!2d38.9673566!1m5!1m1!1s0xd1ed32e340fca19:0x98b0da4ac3d261cd!2m2!1d-9.1741095!2d38.831549!2m2!1b1!2b1!3e0

      Eliminar
  2. Bom dia. Mais uma das muitas e belas estradas, recheadas de bonitas paisagens que temos neste nosso país à beira mar plantado. Temos tanto por descobrir e tantos kms a percorrer “cá dentro”.
    Bom trabalho Pedro. Obrigado pela partilha.
    Abraço.
    Miguel Rosinha
    Grupo Goldwing Portugal

    ResponderEliminar
  3. Caro Pedro,
    Descobri este blog devido a esta série, excelentes relatos/histórias acerca das EN. Ando há uns meses a mapear a rede nacional como acho ela podia ter sido imaginada em 1945. Apesar de nunca ter encontrado as estradas noutro estado senão o actual (ainda não tenho 30), acho o PRN de 1945 um autêntico "guia" de Portugal, e as suas histórias contribuem ainda mais para tal. Que pena que muitas estradas, particularmente as de 3ª Classe (N 3XX), nunca tenham sido acabadas!

    Sobre a EN 115, fi-la há umas semanas. É excelente, e ainda melhor, deserta. Nesse dia "subi" pela EN 115 até ao Bombarral e mais tarde "desci" pela EN 247 de Peniche até Cascais. Se fosse hoje, acho que voltava pela 115... pena apenas as depressões no alcatrão no troço entre Arranhó e o Sobral, que me pregaram um susto grande quando estava a olhar lá ao fundo para o Montejunto.

    Abraço

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá João; muito obrigado. De facto objectivo deste conjunto de textos é desenterrar o plano Rodoviário Nacional de 1945..., e cá vou eu ao meu ritmo redescobrindo estradas sempre que possível. espreita aqui: https://oescapemaisrouco.blogspot.com/2018/07/compreender-o-plano-rodoviario-nacional.html

      Eliminar

Site Meter