quinta-feira, 11 de junho de 2020

In memoriam João Pissarra

Hoje foi notícia o desaparecimento de João Pissarra. Segundo alguns que bem o conheceram “um Senhor e um Mestre”. Era uma figura incontornável no tempo que me iniciei no motociclismo. Não tive, todavia, o privilégio de o conhecer muito menos privar com ele. Vitor Sousa, Diretor de vendas e Marketing da Triumph Motorcyles em Portugal, escreveu numa rede social um texto belíssimo que não merece ficar esquecido no pó de uma timeline. Com a devida vénia, o ESCAPE agradece a cedência desse mesmo texto que agora se publica, associando-se desta forma a uma pequena mas emocionada homenagem que é inteiramente Justa.


Faleceu João Pissarra. Tinha 92 anos. Trata-se de uma figura incontornável da história do motociclismo em Portugal, célebre pelo seu empenho na defesa das motos e dos motociclistas, pela sua agilidade comercial, fosse na relação com as marcas que representou, fosse na relação com a sua rede de concessionários e... pelo seu mau feitio. Com a mesma paixão desancava um funcionário ou emocionava-se com uma ninhada de gatos recém-nascidos… Tinha, simultaneamente, uma força indomável de carácter e uma dimensão humana extraordinária. 

Nas motos, fundou a Motopeças e começou por importar, primeiro a Kawasaki e depois a Yamaha. Acabou por “vender” a representação da primeira a troco de uma caixa de charutos; história que repetidamente contava. Percebeu cedo o potencial da marca de Iwata e apostou tudo nela. Esteve perto de conseguir que a marca construísse uma fábrica em Portugal, mas a protecção do Estado português à indústria nacional (que Pissarra detestava pela má qualidade dos produtos e pelo impacto negativo que isso tinha na imagem da moto) impediu que tal acontecesse. 

Quando a Honda se estabeleceu directamente em Portugal, João Pissarra – que tinha uma rede nacional de concessionários fortíssima – percebeu que tinha de subir de patamar para enfrentar a concorrência; tratou de convencer a sua marca a fazer o mesmo, tendo-o como parceiro. Trocou a Duque de Ávila por Alfragide, passando a dirigir a marca desde as novas instalações da Yamaha Motor Portugal. 

A ele se devem algumas grandes iniciativas no campo desportivo em Portugal. A criação dos Troféus TZR, por exemplo, o apoio ao Enduro e ao Motocross, a parceria com a (então) FNM para a equipa do Europeu de Velocidade e a ida de Pedro Amado ao Paris-Cabo. Rude e implacável na defesa dos interesses da sua “dama”, João Pissarra tinha uma relação dificílima com os jornalistas e a imprensa. Eu não fui excepção. Tivémos grandes discussões e não nos falámos durante anos, com a revista de Motociclismo, que eu dirigia, sem uma página de publicidade da Yamaha, nem uma moto para testar, durante todo esse tempo. Acabámos por nos reencontrar. Porque, acima de tudo, havia respeito e admiração mútua. 

Fiz-lhe duas grandes entrevistas, uma para a Moto Jornal, outra para a Motociclismo. Tínhamos grandes conversas sobre temas que nada tinham a ver com motos. A sua enorme cultura geral ajudava. Certa tarde estivemos no refeitório da Yamaha em Alfragide, de volta de um “sake” que lhe haviam enviado do Japão, a conversar durante horas. Preferia Wagner a Bach ou Beethoven. 

Que descanse em Paz.

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