quinta-feira, 25 de junho de 2020

Honda no Dakar – uma breve história da presença da marca nipónica até ao topo do rally mais difícil do mundo

"Um desafio para os que vão. Um sonho para os que ficam." 

As palavras que Thierry Sabine disse aos participantes do primeiro rally Paris-Dakar há mais de quarenta anos tornaram-se históricas. Num tempo recorde, esta prova no deserto transformou-se num dos eventos mais fascinantes e populares no mundo do desporto motorizado. A Honda também escreveu uma parte considerável nas paginas da história deste lendário rally do deserto no decorrer das décadas seguintes. 

Foi um começo tranquilo quando um total de 90 motos, 80 automóveis e 12 camiões entraram a 26 de Dezembro de 1978 na Praça Trocadéro, em frente à Torre Eiffel, para o primeiro rally Paris-Dakar. As motos pioneiras do rally pouco mais que duas rodas tinham em comum com as máquinas altamente especializadas do rally dos dias de hoje. Os motores monocilíndricos de apenas 35 CV estavam montados em quadros scrambler simples. Depósitos de alta capacidade, a maioria fabricados artesanalmente, adaptavam as motos para percorrerem grandes distâncias, Mas Thierry Sabine tinha razão: as emissões das televisões do rally Paris-Dakar imediatamente fascinaram toda uma geração de motociclistas, fazendo-os sonhar com uma aventura em África. Os pilotos que lograram vencer o Dakar tornaram-se heróis e as suas motos, verdadeiros ícones. 

1981 - A estreia da Honda no Dakar 
Em 1981, a Honda aproveitou a oportunidade e contratou o vencedor das duas primeiras edições do Dakar, o francês Cyril Neveu, então com 24 anos, para o Dakar de 1981. Mas o arranque da jovem estrela do rally não foi muito auspicioso. Durante o prólogo, realizado nos limítrofes da cidade natal de Neveu, em Orléans, a corrente da XLS 500 partiu a apenas 30 metros da linha de partida. Perderam-se 25 minutos a repará-la. Depois disso, Neveu não conseguiu nenhuma vitória numa etapa e terminou o rally na 25ª posição. O potencial da moto foi demonstrado pelos seus companheiros de equipa (Vassard, Desheulles, Rigoni), que venceram quatro etapas no total. 


1982 - A Honda vence 
Para 1982, não foi o importador francês, mas sim o departamento de competição da Honda, o HRC (Honda Racing Corporation) quem assumiu a preparação das motos do Dakar. A cilindrada do motor monocilíndrico foi aumentada para 550 cm³ e a sua potência subiu para 45 CV. Como a caixa se manteve limitada a quatro velocidades, a embraiagem também foi reforçada para se obter maior durabilidade. A capacidade do depósito passou de 32 para 42 litros. Mas o grande passo foi o novo chassis, onde os dois amortecedores da XLS 500 foram substituídos por um sistema monoamortecedor do tipo Pro-Link. Com uma suspensão progressiva e mais do que o dobro do curso de suspensão do modelo de 1981, o piloto no deserto tinha um potencial consideravelmente maior nas partes rápidas da pista e mais autonomia com o depósito cheio. O sucesso provou que o empenho da HRC estava certo. Neveu deu à Honda a sua primeira vitória no Dakar aos comandos da XL550R e o seu companheiro de equipa Philippe Vassard terminou em segundo. 


No entanto, os motores de um só cilindro perdiam cada vez mais terreno contra as motos bicilíndricas nas etapas mais rápidas da prova africana. Com uma velocidade máxima de cerca de 160 km/h, os monocilíndricos perdiam muito tempo em comparação com os 180 km/h das motos de dois cilindros. A desvantagem era demasiado grande para ser compensada pela sua maneabilidade mais ágil e nos anos seguintes a XL550R conseguiu apenas um único lugar no pódio (o terceiro lugar de Vassard em 1984) no Dakar. 

1986 - A NXR750: o começo de uma história de sucesso 
Mais uma vez, era óbvio que o caminho para a vitória só seria encontrado com uma moto completamente nova. Para o Dakar de 1986, a HRC desenvolveu a NXR750. Com um enorme depósito de 57 litros, este modelo tinha um novo protótipo de motor V2 com válvulas à cabeça, 779 cm³ de cilindrada e 70 CV de potência máxima. Com o depósito cheio, a NXR pesava 250 kg. Mas só os pilotos de fábrica sabiam disso na altura. Em termos de facilidade de condução e maneabilidade, a NXR estava muito à frente da concorrência. Neveu provou-o logo à primeira tentativa. O potencial desta moto permitiu planear a corrida de maneira inteligente e minimizar os riscos. Depois de 15.000 quilómetros, no Dakar mais longo da história, o piloto francês conquistou novamente o degrau mais alto do pódio para a Honda. Esta foi a primeira de quatro vitórias consecutivas no Dakar para a NXR. 


Após a vitória de Neveu em 1987, o italiano Edi Orioli (1988) e o francês Gilles Lalay (1989) ocuparam os primeiros lugares com este modelo V-Twin vencedor. Nenhum outro fabricante tinha escrito tal história de sucesso no Dakar e a NXR ficou imortalizada no mundo do desporto motorizado. 

1989 - A Africa Twin no Dakar 

A NXR tinha cumprido o seu papel de pioneira, mas assim que uma lenda se retirou, já havia outra à espera nos bastidores. Em 1988, a Africa Twin (650 cm³ 49 CV) foi introduzida e foi recebida de forma entusiástica pelos clientes. Para provar que esta moto de trail não só partilhava a aparência da NXR, mas também as mesmas performances potentes, o importador francês da Honda organizou uma iniciativa para o Dakar de 1989. Sob o lema "50 Africa Twin à Dakar" (50 Africas Twin até Dakar), os pilotos privados puderam participar do rally com motos Africa Twin apenas ligeiramente modificadas (dois depósito traseiros de 8 litros, e suspensões reforçadas). Conseguiram terminar 18 pilotos amadores, um número em tudo notável. A promoção da Africa Twin continuou nos dois anos seguintes e, em 1991, o italiano Roberto Boano logrou alcançar o 11º lugar na classificação geral com uma das motos de gráficos vermelhos, brancos e azuis. 


1995 – Uma dois tempos no deserto: a EXP-2 
Apesar deste sucesso, a Honda só voltou ao rally em 1995. Dessa vez, o objectivo não era vencer, mas sim mostrar novas tecnologias, a EXP-2. Esta moto experimental estava equipada com motor a dois tempos de 402 cm³, que se transformava em motor de auto-ignição em determinadas condições de carga. Esta unidade parcialmente diesel teve um desempenho excelente, conseguindo atingir um sensacional quinto lugar na classificação geral com o piloto francês Jean Brucy - e desapareceu após o rally de forma tão rápida quanto tinha aparecido. O protejo foi abandonado e a Honda fez uma pausa no rally Dakar. 


2013 - O regresso da Honda ao Dakar
Depois de 24 anos desde que o nome Africa Twin entrou no Dakar em 1989, a Honda voltou à grande prova do deserto. Como forma de dar continuidade à lenda, o objetivo era preparar o campo para a próxima Africa Twin, que seria apresentada em 2016. Mas, entretanto, as provas de rally já tinham mudado bastante. Os motores de dois cilindros foram banidos em 2005, o rally passou a disputar-se na América do Sul na edição de 2009 e, em 2011, a cilindrada foi limitada a 450 cm³. Por isso, compreendia-se que a CRF450X de off-road fosse escolhida para servir de base para o retorno da Honda ao Dakar em 2013. O motor de válvulas Unicam (as válvulas de admissão são accionadas directamente pela árvore de cames e as válvulas de escape são activadas por balanceiros) era compacto e foi projectado para ser potente a baixa rotação, em vez de rodar livremente em pistas de areia profunda e tiradas de retas rápidas. Enquanto o Dakar continuava a provar por que é o rally mais difícil do mundo, o melhor piloto da Honda foi o português Hélder Rodrigues, que ficou apenas em 7º lugar aos comandos da CRF450 Rally; no entanto, o trabalho de base foi feito. 



2014 - Novas tecnologias para a CRF 450 Rally 
Mais uma vez, a história repete-se. A HRC reconheceu que, para vencer uma prova tão exigente, era necessário conceber uma moto totalmente nova. Do ponto de vista técnico, a CRF450 Rally de 2014 pouco tinha em comum com a sua antecessora. O conceito Unicam, que tinha sido usado em todas as motos off-road da Honda até então, foi substituído por um conjunto de válvulas DOHC (Double OverHead Cam – Dupla Árvores de Cames à Cabeça). Esta unidade exclusiva de alta rotação atingia um pico de potência superior a 60 CV. O chassis também sofreu modificações extensivas. O quadro traseiro convencional foi substituído por um quadro monocoque delgado em carbono e os depósitos dianteiros também eram mais estreitos na sua parte inferior. Ambas as modificações deram ao piloto maior liberdade de movimentos e melhoraram a maneabilidade da moto. O aumento da distância entre eixos proporcionava maior estabilidade a direito, complementando o aumento da velocidade máxima para mais de 175 km/h. 


No entanto, o sistema de controlo de tração era algo de completamente novo nas motos de rally. Se a roda traseira patinasse demais, o sistema de gestão do motor reduzia a potência através da injeção e da ignição do combustível. Isto ajudava a evitar picos na rotação do motor e a proteger os pneus. Com incidência especial nas etapas maratona, onde os pneus tinham de sobreviver a duas etapas e as reparações só podiam ser realizadas com as ferramentas da moto, esta revelou-se uma grande vantagem. Comparada com a versão anterior, a CRF450 Rally era 10 kg mais leve, pesando apenas 170 kg com depósito cheio. Mas quando foi lançada nas pistas da América do Sul, os corajosos pilotos não foram bafejados pela sorte. A recém-contratada estrela Joan Barreda obteve um número recorde de vitórias em 5 etapas, mas pagou por isso com quedas frequentes. Mais uma vez o português Hélder Rodrigues foi o melhor piloto da Honda ficando no quinto lugar. 

2015 - Sistemas electrónicos para a moto de rally 
Para a prova de 2015, a CRF450 Rally foi novamente actualizada. Em vez de ter um acelerador convencional por cabo, as válvulas do acelerador agora eram controladas electronicamente por um sistema TBW de acelerador electrónico Como resultado, o sistema de controlo da tração ganhou ainda mais sensibilidade e os consumos de combustível foram diminuídos. A Honda viu-se assim com uma grande vantagem sobre os seus concorrentes em termos de potência do motor nas etapas de alta altitude, como na Bolívia. Desta vez, o plano parecia resultar. Barreda liderou a caravana até que o deserto salgado de Uyuni, na Bolívia, ditou uma viragem na sorte. Houve uma infiltração de água salgada nos componentes eletrónicos da moto de Barreda e o piloto espanhol teve que ser rebocado até a linha de chegada. O sonho de vencer ficou muito próximo, mas novamente o Dakar mostrou porque é a prova mais exigente do mundo. O seu companheiro de equipa Paulo Gonçalves terminou em segundo lugar na classificação final, naquilo que praticamente era uma repetição do que aconteceu na prova de 1982 com o duplo pódio.


O desenvolvimento da CRF450 Rally não parou por aqui. Depois de já terem sido introduzidos elementos de suspensão semi-ativos nas motos de estrada, a HRC adaptou esta nova tecnologia a algumas das quatro motos de rally CRF antes do Dakar de 2016. Inicialmente, o amortecimento só podia ser ajustado de forma manual, mas posteriormente os técnicos usavam componentes de suspensão que se adaptavam automaticamente ao terreno. Para a prova de 2018, as motos da fábrica da Honda já não usavam sistemas de suspensão eletrónica, mas agora essa tecnologia foi filtrada e adaptada à Africa Twin, o que representava mais uma vantagem para os clientes – este é apenas um exemplo de como a competição ajuda directamente a melhorar as motos de produção. 

2019 - A vitória ao alcance 
De uma forma geral, os pilotos da Honda mais recentes não tiveram a sorte a acompanhar o ritmo das suas vitórias. Apesar das muitas vitórias em prova, os inúmeros desafios do rally Dakar revelaram ser muito fortes e frustraram as vitórias finais. Em 2019, a vitória do piloto californiano Ricky Brabec parecia estar ao alcance, tal como sucedeu com Barreda em 2015. O piloto especialista no deserto liderava, mas três dias antes do final, o seu desafio terminou cedo nas areias soltas do deserto de Fesh Fesh, no Peru. Mais uma vez o destino não foi amigo da marca da asa dourada, mas o cheiro da vitória já se sentia. 



2020 - A vitória 

No Dakar de 2020 a sorte mudou. Nos desertos da Arábia Saudita, Brabec, de 28 anos, assumiu a liderança ao terceiro dia e defendeu tranquilamente essa posição durante um total de 7.800 quilómetros. Após sete tentativas em vencer o rally mais exigente do mundo, o puzzle finalmente ficou completo. A equipa da Honda regressou ao local a que subira pela primeira vez no ano de 1982, no Lac Rose, em Dakar: o degrau mais alto do pódio. 


Nota do ESCAPE: uma vez mais alerto e sublinho que neste blogue cultivam-se Valores como a honestidade e transparência. Não se assinam textos alheios. Assim, ditam as boas práticas aplaudir a excelência deste texto que é da responsabilidade da Honda Motor Portugal, bem como das imagens que o acompanham. Aqui só se fizeram ligeiras adaptações.

2 comentários:

  1. Obrigado Pedro por toda esta informação, está um belo trabalho. Parabéns.

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    1. Obrigado..., mas os parabéns devem ser endereçados à Honda Portugal, a responsável por texto e fotos; aqui limitei-me a editar... ;)

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