terça-feira, 29 de julho de 2025

Ficar parado na fila ou circular entre os carros?

Uma publicação realizada recentemente pela Policia de Segurança Publica (PSP), numa conhecida rede social, acompanhada da imagem que está neste post, lançou, felizmente, o debate. Vamos a ele… 

A questão impõe-se: no que toca á Lei e sobretudo ao superior interesse da Pessoa enquanto Ser Humano, isto é, no domínio da verdadeira Segurança devemos questionar: no transito da cidade será mais seguro para um motociclista ficar bloqueado numa fila de veículos automóveis? ou pelo contrario é mais seguro contornar a mesma com o devido cuidado e precaução? Vamos tentar responder a esta questão com o suporte de estudos e dados oficiais.

Estudos e Estatísticas Internacionais 
Transport Research Laboratory (Reino Unido) — Relatório TRL 581 
Este estudo de 2005, bastante citado, indica que os motociclistas que praticam “lane filtering” (circulação entre filas) de forma moderada têm menor probabilidade de estarem envolvidos em colisões traseiras do que os que permanecem parados. O risco aumenta significativamente quando a velocidade relativa entre a moto e os carros é superior a 20 km/h e o tráfego está a fluir em vez de parado. 

University of California, Berkeley — SafeTREC (2015)
Estudo com dados de 6.000 acidentes de moto na Califórnia. Principais conclusões: os motociclistas que faziam filtering a velocidades moderadas tinham taxas de ferimentos graves e fatais mais baixas. A circulação entre carros até 80 km/h e com diferença máxima de 25 km/h em relação ao trânsito era considerada segura. O risco de ferimentos graves duplicava se o filtering fosse feito a velocidades excessivas. 

Observatoire National Interministériel de la Sécurité Routière (ONISR) 
França legalizou em teste a circulação entre filas em 11 departamentos entre 2016 e 2021. Durante este período, registaram-se reduções em acidentes de colisão traseira envolvendo motociclistas, mas também notou-se um aumento de sinistralidade quando o comportamento dos condutores não respeitava regras definidas. 

Perigos de Ficar Parado na Fila
Colisões traseiras: Um dos tipos de acidente mais comuns com motas em cidade. Quando estás parado atrás de um carro, ficas vulnerável a ser atingido por um automóvel distraído. 
Zona cega dos automóveis: parar entre carros altos (SUVs, carrinhas, camiões) torna-te invisível para condutores que mudam de faixa. 
Sobre-aquecimento do motor: em motos sem arrefecimento líquido, estar parado em engarrafamentos no verão aumenta o risco de falhas mecânicas. 
Maior exposição à poluição: os gases acumulam-se mais nos centros das filas do que entre faixas, onde há mais circulação de ar. 

Princípios para um Filtering Seguro 
Mantém velocidade relativa inferior a 20-25 km/h em relação aos carros;
Só o faças entre as duas faixas mais à esquerda - regra usada em países como França e EUA; 
Evita zonas com cruzamentos, saídas ou ciclovias; 
Tem especial atenção a mudanças repentinas de faixa; 
Usa luzes de cruzamento ou intermitente para seres mais visível. 

E em Portugal?
Em Portugal, a circulação entre filas ainda não é expressamente regulamentada, mas também não é proibida de forma clara, o que a torna uma zona cinzenta. O Código da Estrada prevê: Artigo 13.º: “Os condutores devem manter uma distância suficiente em relação ao veículo que os precede, de modo a poderem parar em segurança”. Artigo 32.º, n.º 1: “A ultrapassagem faz-se pela esquerda”. Por isso, se for feita de forma cuidadosa e progressiva, sem ziguezagues perigosos ou velocidade excessiva, a filtragem pode ser encarada como uma ultrapassagem em condições específicas. Ainda assim, em caso de acidente, a responsabilidade pode ser disputada — convém sempre manter o bom senso e documentação (vídeo, testemunhas, etc.). 

CONCLUSÃO
A resposta curta, baseada em dados sérios e estudos comprovados é: circulares entre os carros com o devido cuidado (vulgo “filtrar trânsito”) é, em muitas situações, mais seguro do que ficares parado na fila — desde que seja feito com regras, perícia e visibilidade. Sublinhamos. É, em geral, mais seguro circulares entre os carros com o devido cuidado do que ficares parado numa fila, principalmente em contexto urbano com trânsito parado ou lento. A chave está em fazê-lo com sensatez, visibilidade, previsibilidade e a uma velocidade moderada. 

EM RESUMO
PERIGO: FICAR PARADO NA FILA 
Mais risco de ser abalroado por trás Menor visibilidade para outros condutores Maior exposição à poluição Sobre-aquecimento do motor (motas a ar) 

OPÇÃO MAIS SEGURA: CIRCULAR ENTRE FILAS (FILTERING
Menor risco de colisões traseiras Mais visível para condutores Menor tempo de exposição a perigos urbanos Melhor fluidez e arrefecimento do motor 

CONDIÇÕES PARA FAZER FILTERING EM SEGURANÇA 
Máx. 20-25 km/h acima da velocidade do trânsito Só entre as faixas mais à esquerda Evita cruzamentos e intersecções Usa luzes e roupa visível Atenção redobrada a portas e mudanças de faixa 

FONTES 
University of California (SafeTREC) 
Transport Research Laboratory (TRL 581) 
ONISR – Observatório de Segurança Rodoviária 
Observação e interpretação do Código da Estrada português 


O filtering, se feito com moderação e responsabilidade, é mais seguro do que ficar parado numa fila. Não é ilegal em Portugal, mas é zona cinzenta — condução defensiva é essencial. Guarda ainda este guia pratico.

GUIA PRÁTICO PARA MOTOCICLISTAS URBANOS
Antes de avançares entre carros…
Garante que tens visibilidade frontal e lateral 
Verifica espelhos dos carros à tua frente 
Lê o “body language” dos condutores 

Durante o filtering… 
Mantém-te entre as faixas da esquerda 
Circular a baixa velocidade: sem pressas
Mantém os dois dedos nos travões 
Nunca assumes que foste visto 

Depois de ultrapassares…
Reposiciona-te com espaço lateral
Observa retrovisores frequentemente 
Mantém a calma se fores mal interpretado 

Nota final. O ESCAPE compreende que a segurança e até a investigação criminal são hoje um mercado como outro qualquer. Verdade: um mercado. A imagem e os números são tudo no "mundo das vendas". Se a PSP continuar preocupada com comunicações fofinhas nas redes sociais, isso até pode ter muito sucesso para ela no curto prazo. Se trabalhar, estudar e deixar de passar informação desatualizada e errada estará a cumprir melhor a sua missão. O ESCAPE recomenda: menos on line lindinho e mais honesto estudo, por favor., Obrigado.

domingo, 27 de julho de 2025

Sardenha e Alpes - HONDA NT1100 DCT ES em viagem

Frequentemente perguntam-me. Então Pedro, não apareces no Lés a Lés. Nem no da estrada que é sempre épico? Nem no off road? Também há anos que não frequento concentrações e outro tipo de eventos ou passeios motociclísticos. O que se passa, Pedro? Também não viajas em grupo? Por que raio? 


O dicionário diz-nos que a experiencia é o acto de experimentar ou seja provar, ensaiar tentar. É também o conhecimento que se adquire com a pratica, com o estudo, com a observação. Uma pessoa de experiência é aquela que é conhecedora das coisas da vida. Vamos guardar estas duas ideias: “tentar” e “conhecer as coisas da vida”

O Princípio da Insanidade é atribuído a Einstein, embora não exista em nenhum documento oficial da sua autoria, é uma citação amplamente difundida e que lhe é frequentemente atribuída: “Insanidade é continuar a fazer sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes.”. 

Apesar de não ser uma citação comprovadamente de Einstein, ela encerra uma verdade poderosa e tem sido usada em inúmeros contextos — da psicologia à gestão, passando pelo desenvolvimento pessoal e, claro, também pode ser aplicada ao motociclismo de turismo. 

Assim se queremos que algo mude, temos de mudar o que fazemos. Continuar a repetir padrões, escolhas ou comportamentos, esperando milagrosamente um resultado diferente, é uma armadilha comum — seja numa relação pessoal, num negócio, ou até numa viagem de moto. O motociclismo de turismo, por natureza, é feito de rotinas: rotas favoritas, hábitos de paragem, o equipamento de sempre, os mesmos erros de planeamento, a mesma postura em longas distâncias. 


A verdadeira essência do motociclismo de turismo está na evolução constante — de estrada em estrada, de viagem em viagem, de versão pessoal em versão pessoal. O “princípio da insanidade” lembra-nos que repetir padrões sem repensar o porquê é trair o espírito da viagem. Muda a estrada. Muda o ritmo. Muda o pensamento. A estrada responde sempre com algo novo — se tu fores novo nela. Ah…, e o tempo é escasso. Se eu fosse a todos os eventos que merecem a nossa atenção em Portugal, jamais teria dias de ferias suficientes para novas estradas e para tentar dinamitar o terrível Princípio da Insanidade. 

PONTO DE PARTIDA 
É também por isto que acabam de ler que sou hoje profundamente critico da relação que a maioria das marcas tem com a comunicação em geral. Por exemplo, o modelo das denominadas apresentações à imprensa, o “press launch” como lhe chamam, só serve para tentar segurar a cada vez mais ténue linha que liga o que resta da “press” à vida bem como daqueles que jugam ser solução passar para o digital as vetustas receitas da “press”. 

Assim, quando sou convidado - o que é raro, desde logo porque as minhas ideias e postura chocam com alguns monólitos graníticos - nem todos o são :) - quando sou convidado estava a escrever, tenho abordagens totalmente diferentes e não me limito a ser papagaio do que oiço e vejo, fazendo sim a minha interpretação do que sinto. 

De notar ainda que algumas marcas tentam elas próprias proporcionar as suas “experiências”. Vai dar ao mesmo, quando não dá em pior que os “press launch” que hoje são às dezenas. Digamos que o que vou vendo ora são “lanches” demasiado robustos para o estomago de alguns convidados (alguns nem de moto parecem saber andar, só que têm algumas centenas de milhar de seguirdes comprados em redes sociais), ora são “launchs” totalmente desajustados da realidade. 

Se calhar já vos tinha dito e repito: as motos são como as Bimby – o famoso robot de cozinha multifuncional fabricado pela empresa alemã Vorwerk, também conhecido como Thermomix fora de Portugal e Itália. As motos são então como as bimby, sublinho. Tem de ser mostardas por pessoas apaixonadas e capazes, no seu ambiente natural, fazendo aquilo para que verdadeiramente foram programadas. Isto para que tais motos sejam bem comunicadas e ofereçam sucesso comercial a quem as produz. 


Capacidade, conhecimento, desafio e genuinidade no motociclismo de turismo e na comunicação. É a verdadeira experiencia que desenvolvo desde pelos menos 1997, ano da minha primeira saída de moto para longe das fronteiras de Portugal. Viajar de moto, desafiando-me, de forma apaixonada, no ambiente natural de viagem, seja a estrada aberta ou a viela italiana, tudo feito de forma verdadeiramente genuína e saboreando a verdadeira natureza da moto quer conduzo. Hoje temos a vantagem de partilhar tudo isto aqui, no fabuloso mundo das Redes Sociais que tanto continua a perturbar alguns. 

A HONDA NT1100 DCT ES 2025 
Para esta viagem foi escolhida a Honda NT1100 DCT ES 2025, ou seja, a atual versão da moto nipónica já equipada com suspensão eletrónica. Algumas das razoes da escolha têm a ver com o que escrevi quando a provei (link) e agora aproveito para relembrar: dinamicamente senti uma evolução muito positiva na NT logo nos primeiros quilómetros com a moto, ainda em ambiente urbano. O DCT está muito melhor e a eletrónica afastou os equívocos quando precisamos de rolar devagar no trânsito das cidades e das vias rápidas. O modo “D” no DCT deixou de revelar hesitações. Na verdade, a caixa DCT revela-se agora mais refinada que nunca, lendo com classe a minha intenção de condução


Todavia tinha sido em estrada torcida que a surpresa se tinha dado e onde a moto me “apanhou”, tendo escrito então: cheguei à secção que realmente importava: curvas, mudanças de inclinação e descidas íngremes. Esta seria a verdadeira prova. Logo nas primeiras curvas percebi a evolução desta moto. A frente oferece confiança total, a suspensão eletrónica segurava o peso da moto com autoridade, sem oscilações indesejadas, e o controlo de tração ajustava-se de forma quase impercetível. 

Parece mentira, todavia é verdade. Foi em 2000, há precisamente 25 anos, a última vez que tinha tido oportunidade de “sacar” três semanas inteiras da minha vida para andar de moto por essa Europa fora. Nesse ano de 2000, subi pela primeira vez os agora incontornáveis Furkapass e Oberalppass. E lá está: nunca mais fui o mesmo motociclista. Este quarto de século de motociclismo que se seguiu merecia ser condignamente comemorado. O menu desta viagem foi aparentemente muito simples, no entanto muito desafiante. Sardenha, mais Occitânia, mais Alpes. Como fazer tudo isto partindo de Lisboa em três semanas? Fácil: partindo efetivamente de Milão. 

Caros leitores e seguidores. A partir daqui vão encontrar o relato sucinto desta viagem e o que ela me fez sentir. Rotas e roteiros é na pagina do lado. Confesso: eu nem GPS uso. Eu cá gosto mesmo é de conduzir e ver mar e montanhas. 

HERE WE GO – ONDE A TUA MOTO VIAJA COMO MERECE 
Para partir de Milão, entreguei dias antes em Lisboa a Honda NT1100 DCT ES 2025 ao Nuno Almeida. Quando entregas a tua moto a alguém, não estás só a entregar duas rodas e um motor — estás a confiar um pedaço da tua alma. E é aí que entra a Here We Go, pelas mãos seguras, experientes e apaixonadas de Nuno Almeida. Este não é um transporte qualquer. Não há pressas, nem manobras descuidadas. Aqui, cada moto é tratada como se fosse única — porque é. O Nuno não olha para uma GSXR, uma Africa Twin ou uma Panigale como máquinas — olha para elas como histórias. Como paixões. Como sonhos. 

O camião vem equipado como deve ser: limpo, seguro e pronto para qualquer desafio. O atendimento? Impecável. Combinado é combinado, e se o Nuno diz que está lá às 10h, podes contar que às 9h59 já está tudo pronto para te receber. No mundo das motos, onde o detalhe faz a diferença e a confiança vale mais do que um litro de gasolina 98, a Here We Go destaca-se. E não é por fazer muito barulho — é por fazer tudo certo. Se tiveres de levar a tua moto de um ponto A a um ponto B, e quiseres garantir que ela vai tratada com o carinho de quem também vibra com escapes sonoros, troços de serra e cheiro a pneu quente… então fica a dica. 


De Milão a estrada rumou a sul até Génova. Era sábado de manha e o ferry da GNV só partia para Porto Torres ao inico da noite. Tempo de evitar a autoestrada e ter contacto com os quase desconhecidos entre nós Apeninos do Piemonte — onde cada curva é uma promessa e cada pedaço de estrada um vício De facto, há lugares que falam connosco. Não com palavras, mas com curvas, relevos e paisagens que nos arrancam suspiros por baixo do capacete. E os Apeninos do Piemonte… falam alto. 

Imagina-te a serpentear por entre montes cobertos de verde, a subir vales onde a estrada se agarra à montanha como se fosse obra de um escultor apaixonado por motores. Aqui, asfalto e natureza coexistem em perfeita sinfonia — e o palco está montado para o motociclismo puro. As estradas secundárias são o verdadeiro tesouro desta região. Esquecidas por muitos, mas inesquecíveis para quem as percorre. São estreitas, sim. Técnicas, às vezes traiçoeiras. Mas meu Deus, que prazer. O piso convida a rolar com respeito e ritmo, e as vistas… bem, há momentos em que tens mesmo de parar só para respirar fundo e agradecer por estares ali. Até porque a viagem estava apenas a começar e tu nós estávamos enfim na estrada.


Cada troço é uma história. Há aldeias que parecem paradas no tempo, cafés de beira de estrada onde o expresso sabe a medalha de ouro, e locais que nos acenam como se já nos conhecessem. Aqui, és mais do que um turista — és parte da estrada. E depois há aquele cheiro a floresta húmida, a madeira cortada, a terra viva. Misturado com o calor do motor e o eco do escape a ressoar entre os vales, cria-se uma experiência que só quem ama andar de moto consegue verdadeiramente entender. 

Nos Apeninos do Piemonte, a viagem não é o meio. É o fim. E cada quilómetro sabe a liberdade, adrenalina e contemplação. Se ainda não foste… vai. Se já foste… voltas. Porque ali, entre o céu e a terra, o motociclismo encontra o seu templo. E uma cerveja gelada espera-te já cá me baixo junto ao mediterrâneo no histórico Porto Antico de Génova 

DE GÉNOVA A PORTO TORRES COM A GNV 
Viajar de ferry com a moto é um daqueles rituais que mistura ansiedade, aventura e uma pitada de poesia. Sobretudo quando partes de Génova, com destino à mágica Sardenha, a bordo de um dos navios da GNV – Grandi Navi Veloci. Vamos ser honestos: o serviço é de qualidade mediana. A comida a bordo não vai ganhar estrelas Michelin, os camarotes fazem o básico e o embarque às vezes é uma dança descoordenada de camiões, autocarros, carros e motocilistas de olhar inquieto. Mas… nada disso importa quando vês a tua moto a desaparecer rampa acima para o porão, como se fosse um cavalo a caminho de um barco pirata. 

É aí que o coração bate mais forte. Ficas ali, de capacete na mão e olhar colado àquela estrutura flutuante, enquanto o sol se deita sobre Génova. A cidade parece despedir-se de ti, erguida em socalcos sobre o porto, cheia de luzes que começam a piscar como quem acena. O navio começa a rolar lentamente para o azul profundo da noite… e tu vais com ele. Lá dentro, entre corredores estreitos e o embalo constante do mar, há tempo para sonhar com o que vem aí. A Sardenha. O nome já arde no peito. Lá fora, só mar e escuridão, e cá dentro o silêncio de quem sabe que amanhã é o dia em que tudo começa. 

Quando o ferry atraca de manhã em Porto Torres, o sol já bate com força. A multidão começa a mover-se. E tu só pensas numa coisa: a moto. Desces ao porão, ainda com os olhos meio fechados, mas o coração aberto, e lá está ela — intacta, à tua espera, como se também ela tivesse dormido e sonhado com as curvas sardas. O momento em que voltas a subir a bordo da tua máquina, rodas no chão firme da ilha, é quase sagrado. Respiras fundo, sentes o cheiro do Mediterrâneo, e segues viagem. Agora sim: estás na Sardenha. E tudo o que vier a seguir tem aquele sabor agridoce de liberdade e conquista. 

SARDENHA – ONDE O ASFALTO ENCONTRA O INFINITO
Há lugares que nos tiram o fôlego pela grandiosidade. A Sardenha, porém, vai mais longe — rouba-nos também o coração. Esta ilha italiana, selvagem e sensual, é uma tapeçaria de contrastes onde o azul do mar beija as encostas rochosas, e o verde da vegetação dança com o dourado do sol mediterrânico. 


Rodar pelas estradas da Sardenha é como escrever poesia em duas rodas: cada curva revela uma nova tela viva, cada reta conduz a uma promessa de descoberta. É um paraíso para quem vive apaixonado por viajar de moto — e a Honda NT 1100, nesta versão eletronicamente refinada, parece feita para este palco. 

Era domingo, estava calor e eu abraçava o asfalto à esquerda e o mediterrâneo à direita. A escolha foi obvia. Seguir rumo à base escolhida para os dias seguintes e deixar enseadas e mergulhos para mais tarde. As estradas ocidentais Sardas fizeram as delicias do dia começando nas já conhecidas SP105 e SP 49 de Alghero a Bosa e terminando na surpreendentes SP126 e SP83. 

A SP83, não é apenas uma estrada. É um romance em andamento. Um fio de asfalto que se estende entre o azul do mar e o verde bruto da terra, numa dança serpenteante onde cada curva tem sabor a liberdade. Os primeiros quilómetros servem de prelúdio — o corpo aquece, o motor ganha voz, e a paisagem começa a abrir-se. De repente, estás ali: entre penhascos que caem a pique até ao mar, estradas esculpidas em encostas, e um horizonte que te hipnotiza. À tua esquerda, o Mediterrâneo brilha como um espelho partido em mil tons de azul; à direita, o mato seco, o alecrim selvagem, e a rocha viva sussurram segredos antigos.

A SP83 não tem pretensões. É crua, genuína, quase tímida. Mas essa simplicidade é precisamente o que a torna apaixonante. O asfalto nem sempre é perfeito — mas quem precisa de perfeição quando o cenário te arrebata a alma? Há aldeias que aparecem como miragens, cafés onde um café é desculpa para parar, respirar e ver a moto ao sol. E há momentos em que não passa mais ninguém. Só tu, a estrada, e o eco do teu escape a desaparecer ao longe. 

Quando chegas ao sul, não queres que acabe. A SP83 agarra-te o coração sem pedir licença. Ficas com aquela sensação de ter vivido algo maior que um simples percurso. Ficas com o corpo cansado e a alma cheia. E no fim… só pensei numa coisa: “Amanhã e nos próximos dias esta e a vizinha SP126 vão ser o meu duplex, para cima e para baixo, para baixo e para cima”. Sim, os dias seguintes foram passados nas incríveis baias e praias do sudoeste da Sardenha e entre dois dos segredos ainda hoje mais bem guardados da Velha Europa, as ilhas de Sant’Antioco e San Pietro. 

SANT’ ANTIOCO E SAN PIETRO 
Sant’Antioco é a alma antiga do Mediterrâneo. Chegar a Sant’Antioco é como atravessar um portal no tempo. Esta ilha, ligada ao sul da Sardenha por um istmo que rasga o mar como uma ponte de destino, pulsa com história e autenticidade. As ruas estreitas da vila principal, os vestígios fenícios e os aromas de sal e sol criam uma envolvência difícil de esquecer. É um lugar que se percorre devagar — não por falta de vontade de acelerar, mas porque tudo nos convida a parar, observar, sentir. Aqui, a NT 1100 deslizou com elegância, quase em silêncio, respeitando a quietude de um lugar que nos fala baixinho ao coração. 


Já San Pietro é mesmo o segredo mais bem guardado do arquipélago. Ao largo da costa, a ilha de San Pietro é uma surpresa embriagante. Selvagem, escarpada, com falésias a pique e pequenas enseadas de água translúcida, esta ilha é como um poema recitado em língua genovesa — musical, raro, encantador. A cidade de Carloforte vibra com uma energia serena, onde o tempo passa ao ritmo das marés e do vento. É o local perfeito para desacelerar… ou para o fazer com elegância e controlo total, como a NT 1100 equipada com suspensão eletrónica tão bem sabe proporcionar. A estrada costeira da ilha é curta, mas cada metro é uma celebração. Mesmo! 

 (continua…)

terça-feira, 22 de julho de 2025

Motociclismo, Inteligência Artificial e Comunicação: Um Encontro na Curva do Tempo

O motociclismo é muito mais do que cilindradas e velocidades. É indústria, cultura, tribo e paixão. Envolve tecnologia de ponta, estética, mobilidade, lazer, estatuto, e em muitos casos, sobrevivência económica — seja para quem vende, para quem cria, ou para quem vive para rodar. 

Vivemos hoje um momento-charneira em que três forças colossais se entrelaçam: o motociclismo enquanto fenómeno industrial e humano; a inteligência artificial enquanto revolução tecnológica em marcha; e a comunicação social enquanto ecossistema em mutação acelerada. A questão que se impõe é inquietante: será a inteligência artificial a estrada sem saída da comunicação do motociclismo? Antes de responder — ou tentar responder — importa mergulhar nos elementos deste triângulo. 

MOTOCICLISMO: INDÚSTRIA, CULTURA E IDENTIDADE 

O motociclismo é simultaneamente um sector económico relevante e um fenómeno humano profundamente simbólico. Em termos industriais, movimenta milhares de milhões em produção, vendas, acessórios, seguros, turismo e eventos. As grandes marcas — como por exemplo Honda, Yamaha, Ducati, BMW, KTM, Kawasaki, Suzuki — são conglomerados globais que empregam engenharia de vanguarda e estratégias de marketing refinadas. 

Mas o motociclismo também é visceral. É o cheiro da gasolina, o rugido do escape, o couro gasto, a estrada molhada e o capacete riscado. É uma linguagem partilhada entre desconhecidos num aceno de cabeça. É identidade, rebeldia, liberdade e pertença. 

No plano social, há tribos — cafe racers, aventureiros, pistoleiros de fim de semana, commuters urbanos, viajantes solitários. Cada uma tem o seu código, a sua estética, os seus heróis. O motociclismo é também uma cultura visual e narrativa: filmes, vídeos, revistas, TikToks, literatura e documentários. Vive-se na estrada, mas também na forma como se conta a estrada. 

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL: O OUTRO MOTOR DA ERA DIGITAL
A inteligência artificial (IA) não é apenas uma ferramenta. É um novo paradigma. Sistemas de IA já são capazes de criar imagens, redigir textos, tomar decisões em milissegundos, simular vozes, prever comportamentos e, cada vez mais, compreender contexto. Num plano técnico, distingue-se entre IA fraca (como a dos nossos smartphones ou chatbots) e IA forte (ainda teórica, mas em desenvolvimento, com capacidade de raciocínio generalizado). A IA aprende com dados, refina algoritmos, e produz resultados com base em padrões. 

As suas aplicações são vastas: desde diagnóstico médico à condução autónoma, da composição musical à curadoria de notícias. No mundo automóvel e motociclístico, a IA já ajuda a projetar suspensões semi-activas, prever falhas mecânicas, afinar mapas de motor e gerir experiências de utilizador. No entanto o seu impacto não é apenas técnico. É cultural, ético e existencial. Quem cria? Quem escolhe? Quem decide o que é verdadeiro? 

COMUNICAÇÃO SOCIAL: DO PAPEL À INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL 
A comunicação social já não é o que era — e talvez nunca mais volte a ser. Vivemos num ecossistema híbrido onde convivem jornais tradicionais, revistas especializadas, blogs independentes, redes sociais, podcasts, newsletters e, cada vez mais, conteúdos gerados por IA. A lógica editorial clássica — hierarquia da notícia, curadoria humana, responsabilidade jornalística — cedeu espaço à lógica algorítmica: relevância, viralidade, cliques e partilhas. 

No universo do motociclismo, assistimos à fragmentação da comunicação: as grandes revistas em papel perderam terreno para canais de YouTube, como FortNine ou TheMissendenFlyer; os eventos já não se medem apenas pelo número de visitantes, mas pelo alcance no Instagram; os testes de motos já são acompanhados por drones, reels e hashtags; os manuais de oficina deram lugar a fóruns, tutoriais e TikToks de 30 segundos. Entretanto, a IA já está a escrever artigos, a criar thumbnails, a sugerir títulos e a otimizar SEO. O conteúdo passa a ser “produto”, e o produtor, muitas vezes, uma máquina. 

CRUZAMENTO: MOTOCICLISMO NA ERA DA IA COMUNICATIVA 
Eis então a curva apertada onde entramos: a inteligência artificial começa a ser usada para comunicar sobre motociclismo. E fá-lo, muitas vezes, com competência técnica, estética e eficiência. Mas com que alma? Que tipo de histórias sobre motos podem ser contadas por um sistema que nunca sentiu o vento nos braços ou o receio da curva molhada? A IA pode descrever um modelo com exatidão. Pode comparar especificações, criar infografias, escrever relatórios. Mas será que consegue captar o arrepio de uma subida da Serra da Estrela ao nascer do sol? Ou a beleza absurda de uma Ducati parada no meio de nenhures? 

A IA pode entrevistar um piloto? Pode, por texto ou voz. Mas consegue provocar uma gargalhada, improvisar uma piada, entender uma hesitação? 

Mais ainda: se todos os criadores de conteúdo começarem a usar IA para gerar os mesmos resumos, os mesmos testes, os mesmos roteiros… o que se perde? A originalidade? A emoção? O erro humano que, por vezes, é o que torna um conteúdo memorável? 

SERÁ A IA A ESTRADA SEM SAÍDA DA COMUNICAÇÃO MOTO? 
Depende do que se entende por “estrada sem saída”. Se o futuro da comunicação sobre motos for deixado exclusivamente nas mãos de algoritmos, talvez entremos numa espécie de autoestrada sem alma — segura, rápida, mas monótona. Um feed infinito de conteúdos perfeitos, limpos e insípidos. 

Mas se a IA for usada como ferramenta — e não como substituto — pode ser uma moto extra na garagem: não para substituir a paixão, mas para acelerar a criação. Talvez devêssemos fazer perguntas melhores.
Podemos usar a IA para libertar tempo e energia criativa dos comunicadores humanos? 
Podemos ensinar a IA a preservar os traços pessoais dos criadores? 
Podemos criar um jornalismo de motociclismo mais transparente, profundo e sustentável com a ajuda da IA? 
E se a IA for a caixa de ferramentas, e não o mecânico? 
E se a IA escrever um guião, mas for um humano a contá-lo ao vivo, com os olhos postos na estrada e o coração na curva? 

ENTRE A MAQUINA E O MOTOCICLISTA 
A estrada da comunicação motociclística está longe de ser uma linha reta. É uma estrada de montanha, com curvas inesperadas, paisagens que mudam, perigos e maravilhas. A inteligência artificial é um novo passageiro nesta viagem. Não é o condutor, mas também não é apenas um acessório. Cabe-nos decidir se a IA será uma muleta ou uma aliada. 

O que está em jogo não é apenas a forma como falamos de motos. É a maneira como preservamos o que é autêntico num mundo cada vez mais artificial. E talvez a pergunta final seja esta: conseguirá a IA escrever um texto que nos faça querer largar o ecrã e pegar na chave da moto? 

Se sim, então talvez ainda haja combustível para esta viagem.
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