quinta-feira, 13 de novembro de 2025

Honda ST900 E Compressor: será este o regresso da Pan-European?

Há um certo silêncio no modo como a Honda constrói as suas motos. Um silêncio que não é ausência de som e sim equilíbrio — entre força e serenidade, entre rigor e sonho. O ambiente Honda nasce dessa harmonia entre a matemática e a alma, entre o cálculo milimétrico e a emoção contida. É um pensamento que parece simples, mas que carrega décadas de disciplina e uma relação quase espiritual com a mecânica.


Desde o pós-guerra, a Honda tornou-se uma tradução japonesa da confiança. A ideia de que uma máquina não precisa de gritar para se impor — basta funcionar, com dignidade e precisão. A filosofia da marca é uma forma de urbanidade aplicada à engenharia: o prazer do detalhe, a elegância da fiabilidade, a obsessão pela coerência. 

Enquanto outras marcas apostavam no carisma bruto, a Honda construía reputação através do comportamento. Cada motor era um gesto educado. Cada carenagem, uma lição de aerodinâmica silenciosa. Esse é o ambiente Honda: o ponto onde a emoção se encontra com o método — e onde o tempo parece ter outra velocidade. 

ST1100 OU A IDEIA DE VIAJAR SEM PRESSA 
Quando a Honda lançou a ST1100 Pan-European em 1990, o continente mudava. A Europa abria fronteiras, e o turismo de longa distância deixava de ser privilégio para se tornar vocação. A Pan-European foi desenhada para esse momento: uma touring de alma desportiva, feita para devorar quilómetros sem violência. 


O motor V4 de 1.085 cc não era apenas uma peça técnica — era um símbolo. Um bloco em V, a 90 graus, montado longitudinalmente, com transmissão por cardan e uma serenidade que parecia infinita. O ruído era um murmúrio grave, o comportamento estável como uma locomotiva. Pesada? Sim. E também serena, previsível, sólida como granito japonês. 

A minha inesquecível ST1100 algures no Salzkammergut em julho do ano 2000


A ST1100 foi a resposta de uma Honda madura ao desafio europeu: viajar depressa, mas sem ansiedade; viajar longe, mas com conforto. Era uma moto que convidava a abrandar — não na velocidade, mas na forma como se vivia a estrada. Era o início de uma ideia: a viagem como estado de espírito, e a engenharia como meio de alcançar a paz. Na história do motociclismo poucas motos conseguiram ser tão consensuais como esta. Muito menos a sua sucessora. 

ST1300: O ÚLTIMO CAPÍTULO DE UMA NOBRE CASTA 
Em 2002, chegou a sucessora. A ST1300 nasceu numa era de transição, quando a eletrónica começava a infiltrar-se em tudo e a alma ainda se media em metal e binário. A nova Pan-European mantinha o motor V4, agora com 1.261 cc e injeção eletrónica. Mais leve, mais refinada, mais potente. Continuava a ser uma das motos preferidas das forças policiais europeias — símbolo de fiabilidade, estabilidade e autoridade.


A ergonomia era magistral, a proteção aerodinâmica, quase total. A ST1300 era a materialização da filosofia Honda aplicada à estrada: um equilíbrio entre racionalidade e prazer. Demasiada racionalidade? A moto não se impunha — convencia (não todos). E o que mais impressionava não era a velocidade máxima, mas o silêncio em que ela acontecia. Foi também o último capítulo de uma linhagem que parecia não ter sucessora. Durante mais de uma década, o nome Pan-European desapareceu. O eco manteve-se. 

AS PEÇAS DO PUZZLE 
Depois da ST1300, a Honda entrou num silêncio calculado. Enquanto o mundo se agitava em torno de novos segmentos — adventure, crossover, naked musculadas — a marca parecia ausente do território Sport Touring. Mas a ausência era apenas aparente. 

A NT1100, lançada mais recentemente, soou a muitos como o sucessor espiritual da Pan-European. Uma moto equilibrada, lógica, confortável, com motor derivado da Africa Twin e tecnologia moderna. Sucede que a Honda raramente entrega tudo de uma vez. A NT parece agora não ser um ponto final — e sim um sinal de transição, um ensaio de conceito. Como diz alguém que conheço: as marcas estão sempre a testar o mercado. 

Entretanto, a CB1000 Hornet e a CB1000GT, com as suas novas plataformas e eletrónica avançada, mostraram um novo rumo: motores compactos, binário abundante, chassis diferentes. Cada peça parece encaixar-se numa estratégia maior, silenciosa e meticulosamente planeada. Hoje a sensação é que a Honda não deixou de pensar em Sport Touring — apenas reinventou a forma de o fazer. O caminho parece estra a ser pavimentado, passo a passo, rumo a algo mais grandioso. E talvez esse algo tenha finalmente um nome. 

A ESPECULAÇÃO FUNDAMENTADA — MOTOR V3 COM COMPRESSOR 
No EICMA de 2024, a Honda fez algo raro: surpreendeu. Apresentou um motor V3 com compressor elétrico, uma arquitetura inédita no catálogo moderno da marca. Três cilindros dispostos em V, induzem um equilíbrio quase poético entre o binário dos V4 e a leveza dos tricilíndricos. Um motor que não nasce de um acaso, e sim de uma necessidade: dar à marca uma nova plataforma transversal, capaz de alimentar vários modelos — da Supernaked à Gran Turismo? 


Recentemente no EICMA 2025, um protótipo funcional foi exibido, confirmando que o projeto não é um exercício de estilo, e sim engenharia em marcha. A Honda acaba assim de revelar o protótipo V3R 900 E Compressor, uma máquina que promete redefinir a forma como sentimos um motor de média cilindrada. No coração desta moto está um novo motor V3 de 900 cc, com ângulo de 75°, refrigerado a água, que deseja combinar compactação, carácter e desempenho de forma impressionante. A configuração em V3 não é apenas uma escolha estética ou estrutural: é um compromisso entre a centralização de massas, equilíbrio e personalidade mecânica, conferindo a futuras motos aquele pulsar distinto que só um motor em V consegue transmitir.


O verdadeiro destaque vai, contudo, para o compressor controlado eletronicamente, uma estreia mundial numa moto Honda. Esta tecnologia permite uma entrega de potência precisa e linear, eliminando os habituais “buracos” de binário e garantindo acelerações incisivas mesmo a baixas rotações. 


Nota importante. A Honda afirma que, apesar da cilindrada de 900 cc, o desempenho do V3R 900 E Compressor será equivalente ao de um motor de 1.200 cc, graças à sobrealimentação. Ou seja, o piloto sente força e binário abundantes desde o primeiro toque no acelerador, sem esperar pelas rotações mais altas. 

Apesar de toda esta engenharia avançada, a Honda não sacrificou a eficiência ambiental. O motor promete extrair mais potência sem aumentar significativamente o consumo ou as emissões, mostrando que a performance e a consciência ecológica podem coexistir. A forma compacta do motor, mesmo com o compressor e os sistemas eletrónicos adicionais, sugere que a manobrabilidade e a centralização de massas foram prioridades, garantindo que a moto não só corre forte em linha reta, mas também se sente ágil e intuitiva em curvas e estradas sinuosas. 

Para quem conduz em Portugal, isto traduz-se numa experiência prática irresistível: uma moto que oferece diversão desde baixas rotações, perfeita para estradas secundárias ou escapadelas de fim de semana, com o binário sempre pronto a responder ao acelerador. E, mesmo num contexto urbano ou mais controlado, a sensação de controlo e de potência disponível mantém-se constante, sem surpresas desagradáveis. O V3R 900 E Compressor é, assim, um protótipo que mistura audácia tecnológica, carácter de motor em V e prazer de condução puro, prometendo colocar a Honda na dianteira da inovação em motos de média e alta cilindrada. 

E foi nesse contexto que o representante da marca em Portugal deixou escapar publicamente a frase que alimenta esta nossa tese: “Não podemos contar tudo já, mas vamos fazer muitos clientes felizes”. Poucas palavras, mas suficientes para acender a imaginação de quem conhece o ritmo da Honda. A marca não fala por impulso — fala quando já sabe onde quer chegar. E quando se escuta esta promessa, é impossível não imaginar uma nova Sport Tourer, com coração V3, compressor, e a elegância que sempre distinguiu a Pan-European. Porque, se há motor capaz de reencarnar o espírito — ou melhor, o ambiente — da Pan-European, é este. 

O REGRESSO DE UMA IDEIA 
Talvez nunca mais se chame Pan-European. Talvez seja Honda ST900 E Compressor, ou outro nome qualquer. No entanto se existir uma moto que una o silêncio das linhas japonesas ao rumor quente do asfalto europeu, então o sonho estará cumprido. A Pan-European nunca foi apenas uma moto — foi uma forma de viajar. Foi o símbolo de uma época em que o conforto era uma consequência da engenharia, e não um substituto da emoção. Hoje, com o regresso do motor em V e a promessa de uma nova plataforma, talvez estejamos a assistir ao renascer dessa ideia — a da viagem como destino e da mecânica como poesia. O ambiente Honda é isso mesmo: uma estrada infinita onde cada curva tem um propósito, e cada silêncio é apenas o som do que está para vir. 

Eu a ST1100 algures em Marrocos ainda no século passado :)


A ST1100 ensinou-nos o que era viajar sem pressa. A ST1300 mostrou-nos como a tecnologia podia ser humana. E a futura ST900 — se assim se chamar — poderá ser o reencontro de ambas as coisas: a razão japonesa e a alma europeia, unidas pelo som grave de um motor em V. 

Talvez este seja apenas um sonho bonito. Todavia é também o tipo de sonho que, na Honda, costuma tornar-se realidade.

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