terça-feira, 12 de abril de 2022

Ducati Multistrada V2 S à prova

No ano passado, 2021, a Ducati decidiu elevar a fasquia da sua Multistrada – curiosamente no ano da maioridade do modelo – lançando a primeira Multistrada V4, moto adorada por este blogue (link), à qual concedemos o mimo de Deusa: uma moto madura, sensual, inteligente. Uma verdadeira sedutora, enérgica e hedonista. 

Foto: Gonçalo Fabião

No entanto, todos sabemos que nem sempre pode revelar-se prático ou útil andar por ai a voar com uma Deusa debaixo do braço. Havia pois que rever a versão V2 e foi isso mesmo que a famosa e notável casa italiana fez para apimentar (ainda mais!) o mercado este ano. 

Foto: Gonçalo Fabião

A nova Ducati Multistrada V2, aqui provada na sua versão S, surge anunciada de forma bastante curiosa pela marca como “a tua maravilha para o dia-a-dia”. Ou seja, uma moto que apesar da sua arquitectura trail se assume, por um lado, como uma ferramenta citadina e, por outro, como uma moto em que seja possível desfrutar de uma viagem; tudo isto sem esquecer a natureza desportiva que é patente imagem da marca. Numa palavra: uma moto que ofereça utilidade em ambiente sport-turismo. 

TECNOLOGIA DE REFERÊNCIA 
De linhas afiadas no entanto fluídas, a nova V2, sem esquecer a imagem incontornável que caracteriza o modelo nos últimos anos, impressiona quem a fita e desafia quem a tenta captar em imagem

Foto: Gonçalo Fabião

No quadro treliça em tubos de aço encontramos agora montada a última evolução do bicilíndrico em L, Testastretta 11° de 937 cc., motor de distribuição desmodrómica e quatro válvulas por cilindro (113 cv; 98 Nm de binário máximo). A ciclística promete fluidez e por isso na dianteira contamos com uma jante de 19″, mais leve, derivada da V4. Esta nova V2 conta agora com 199 Kg de peso a seco e cerca de 225 Kg em ordem de marcha. 

Foto: Gonçalo Fabião

De sublinhar que esta Multistrada vem ricamente equipada de série com um pacote de eletrónica de excelência, oferecendo a versão base ABS Cornering, Vehicle Hold Control, Ducati Traction Control, quatro Riding Modes (Sport, Touring, Urban, Enduro) e o novo sistema Ducati Brake Light que, no caso de uma travagem brusca ativa o piscar da luz traseira. 

Foto: Gonçalo Fabião

Aqui, nesta versão S, dispusemos também da excelente suspensão eletrónica Ducati Skyhook, Cruise Control, ótica full-LED equipada com Ducati Cornering Lights, Ducati Quick Shift de via dupla, sistema Hands Free, ecrã de alta resolução TFT a cores de 5” com uma interface intuitiva e retroiluminação dos comutadores. Na moto provada usufruímos ainda do pacote Travel com malas laterais e bons punhos aquecidos, ficando somente em falta o descanso central para o full-extras. 

DIAS DE GLÓRIA 
Versatilidade, leveza e agilidade. Parece ser o mantra que grande parte das marcas busca hoje em dia, no sentido de atraírem o maior espectro possível de clientes. Faz sentido. E aqui o resultado é inquestionável. Logo na cidade e seus arredores sentimos uma moto que negoceia as dificuldades do dia-a-dia com elevada eficácia e até prazer, apesar do trabalhar algo difícil do bicilíndrico a baixas rotações. Na verdade, rapidamente nos esquecemos dos números e fluímos no tráfico como se de uma média cilindrada se tratasse

Foto: Gonçalo Fabião

Quando chega o momento do lazer, podemos optar por colocar as muito práticas malas laterais e assim evitar levar a mochila às costas com os bens necessários para aquele dia longe dos problemas citadinos. E ai…, meus caros…, quanto mais torcida é a estrada maior a glória do motociclista. 

Foto: Gonçalo Fabião

A Ducati Multistrada V2 S ama a montanha como poucas, apresentando uma ciclística absolutamente inquestionável e um motor que gosta de subir até regimes críticos. A viagem também não lhe será estranha, apesar da protecção aerodinâmica ser apenas a necessária. Já no fora de estrada pouco ou nada nos aventuramos, desde logo por esta ser uma moto sublime no asfalto. A configuração trail aqui é essencialmente isso mesmo. Nem pneus, nem jantes convidam aos maus caminhos. Todavia, um bom estradão será sempre uma boa ideia para uma dose extra de prazer conferindo ainda uso ao modo “Enduro”. 

Foto: Gonçalo Fabião

A Ducati Multistrada V2 S revelou imagem impactante, personalidade vincada e prazer aos molhos. Numa era de sumo do dinausouro em máximos históricos convém ser comedido com as ganas no punho direito. Assim foi…, e esta “everyday wonder” em tons de cinza reclamou pouco mais de cinco litros de combustível por cem quilómetros de gozo intenso, pedindo a marca italiana uma transferência bancária 17.395€ (malas, punhos aquecidos e descanso central são extras) por esta italiana atrevida.

segunda-feira, 11 de abril de 2022

Experiência Honda NT1100 Tour Ibérico – segunda parte

A convite da marca este vosso ESCAPE MAIS ROUCO esteve presente, juntamente com outros elementos da comunicação especializada, no Honda NT1100 Iberia Tour Experience, uma viagem que se apresentou como "iniciativa ímpar a nível ibérico que permita evidenciar todos os atributos da NT1100 (…) aproveitando ao máximo estradas e paisagens merecedoras de todos os encómios e distinções, como as escolhidas para este evento que nos levou do Porto a Madrid”. Aqui (link) podem ler ou reler a primeira etapa da jornada. Hoje oferecemo-vos a segunda e última parte deste delicioso passeio. 


[O que vão ler a partir daqui é um texto por nós adaptado que parte de um comunicado de imprensa, boletim de imprensa ou press release, como lhe quiserem chamar. Isto é, uma comunicação feita por um indivíduo ou organização visando divulgar uma notícia ou um acontecimento] 

A noite foi fria, de muita chuva, todavia bem descansada na curiosa unidade hoteleira escolhida. Ainda a recuperar das fortes emoções do primeiro dia desta rota ibérica, nada como começar a segunda etapa com a passagem perto de Béjar, o centro populacional mais importante do sudeste de Salamanca, considerada a capital da região da Serra de Béjar que surge 72 quilómetros depois de La Alberca. 


Região fortemente marcada pela indústria teve um desenvolvimento meteórico que foi, porém, afetado por crises cíclicas, motivadas pela dependência excessiva dos contratos estatais, como pela má situação geográfica e pela chegada tardia da ferrovia. E assim a indústria que beneficiara da Guerra Civil – Béjar estava localizada numa área rebelde, por oposição à Catalunha republicana – acabou por ver limitada a concorrência que poderia oferecer à indústria catalã de tecidos. 

Altos e baixos que se prolongaram até à década de 1990 com a grande crise que colocou ponto final em toda a tímida recuperação que se ia sentindo desde os anos ’60 e ’70. E que retirou algum do peso industrial e financeiro a uma cidade muito importante na História de Espanha e onde, durante séculos, conviveram harmoniosamente cristãos, muçulmanos e judeus. 


De raízes perdidas na história, também a cidade de Hervás foi palco de transformações religiosas, sendo bem patente o importante legado deixado pelos judeus. O Bairro Judaico é, aliás, o ponto de maior destaque do património histórico da cidade que fica na fronteira norte da província de Estremadura, com casas construídas de adobe e madeira de castanheiro, amontoadas em ruas estreitas e ingremes. História contada ainda por outros edifícios como o Palácio dos Dávila (Séc. XVIII), a Igreja Paroquial de Santa Maria (Séc. XIII) ou a Ermida de San Andrés (Séc. VIV) onde é actualmente guardado o Cristo da Saúde, padroeiro de Hervás. 

Mas nesta cidade, cujas origens remontam ao Séc. XII e com título desde 1816, construída numa área de característica únicas no Vale do Ambroz existe outro enorme motivo de interesse. Um museu cujo acervo vai muito além das motos e automóveis clássicos mesmo se a maior parte da coleção recuperada por Juan Gil Moreno assenta nos veículos motorizados. Com o título de primeiro Museu da Moto Clássica de Espanha, situa-se perto de Hervás, num edifício de arquitectura deslumbrante, e alberga muitos itens relacionados dom os meios de locomoção ao longo dos anos: além dos carros e motos, existem carruagens, triciclos, bicicletas, carrinhos de bonecas, etc… Espelho fiel da vida e costumes da sociedade desde o Séc. XIX e onde é possível recordar os carros dos loucos anos ‘20 do século passado, da Guerra Civil Espanhola, das duas Guerras Mundiais ou dos prósperos anos de 1960 e ’70. E onde é possível apreciar o fantástico entorno paisagístico num grande terraço no piso superior enquanto as crianças brincam num parque infantil de características únicas. A não perder numa próxima oportunidade… 

PELA SERRA DE GREDOS 
Sigamos para as montanhas. Ou melhor continuemos a rota, porque das estradas mais sinuosas nunca saímos. Aqui é o rio Jerte que define o relevo, criando o vale mais ocidental da Serra de Gredos, limitado pela Serra de Tormantos a sudeste (no maciço central da Serra de Gredos) e as montanhas de Traslasierra e Serra de Béjar a noroeste (no maciço ocidental de Gredos). Área que alberga a Reserva Natural da Garganta de Los Infiernos, integrada desde 1994 na Rede de Espaços Naturais Protegidos da Extremadura. 


Mas o desfiladeiro que dá nome ao parque natural não é o único motivo de interesse, destacando-se o Festival da Flor de Cerejeira que todos anos, na segunda quinzena de Março, é celebrado no Vale de Jerte. A alvura criada por mais de milhão e meio de cerejeiras oferece um espectáculo único que, a cada ano, é organizado por uma das cidades do vale. 

Com uma história entre a lenda – de um czar russo que queria oferecer à sua esposa recordações da neve branca da sua terra – e a realidade – terá sido trazida pelos árabes – a cereja de Jerte é uma espécie autóctone com uma história única. Uma cultura que ganhou outra dimensão e importância no Séc. XVIII quando substituiu o até então dominante castanheiro, na sequência de uma praga. 


A caminho de Ávila, o destaque da manhã vai claramente para a estreita mas apaixonante subida ao Puerto Honduras (1440 metros de altitude) pela sinuosa CC-102. Após café reconfortante foi tempo para cruzar Tornavacas, cujo nome singular começa na sua localização geográfica, fronteira histórica com o Reino de Castela. No Séc. X, Ramiro II era o Rei de Leão (e Viseu a capital de Portugal!) e teve uma ideia genial para levar de vencida os invasores árabes. Na Batalha da Veja del Escobar, o monarca mandou colocar tochas acesas nos cornos das vacas que, a coberto da noite, investiram contra o exército mouro, causando grande confusão e a derrota militar. O nome e o escudo de armas da cidade mais próxima da nascente do rio Jerte derivam desse episódio da Reconquista, quando o rei, ao ver os animais de regresso, exclamou em tom vitorioso ‘tornam las vacas’. 

Sempre pela espanhola (guapa!!!) Nacional 110 e depois de passar o miradouro do Puerto de Tornavacas, a 1275 metros de altitude na fronteira entre a Estremadura e Leão e Castela, e já com a Serra de Gredos no horizonte, segue-se Barco de Ávila, localidade a meio da etapa, com 180 km cumpridos, que tem duas curiosidades prominentes. 


Uma, o nome, que poderia derivar do barco utilizado para atravessar o rio Tormes ou, como vários autores apontam, de várias palavras de diferentes línguas: do hebraico ‘bar’ (casa); do celta ‘barco’; do basco ‘bartzea’ (encontro de aldeias); do ibérico ‘bar’ (cume); ou do árabe ‘barr’ (arrabalde). A outra, o mais famoso produto gastronómico da região, o feijão branco, detentores do segundo mais antigo Conselho de Denominação Específica de Espanha, à frente da famosa ‘fabada’ asturiana. E a sua importância é tal que foi erigido um monumento ao feijão branco numa das rotundas de acesso à cidade! 

ÁVILA, PATRIMÓNIO MUNDIAL DA HUMANIDADE 
Um acesso que é sempre feito a subir ou não fosse Ávila a capital provincial mais alta da Espanha, 1131 metros acima do nível do mar, e cujo centro histórico é Património Mundial de Humanidade desde 1985. Localizada junto ao rio Adaja em local com ocupação que remonta à pré-história, foi disputada por vetões, romanos, visigodos e muçulmanos, sendo definitivamente reconquistada pelos cristãos no século XI. Época em que foi construído (1090 a 1099) o mais conhecido símbolo de Ávila. A muralha medieval tem 2516 metros de perímetros, rodeando uma área de 31 hectares, tem 88 torres, 2500 ameias e paredes de 3 metros de espessura com altura média de 12 metros. Possui nove portas de acesso à cidade e é o maior monumento totalmente iluminado do Mundo. Considerada cidade de cantos e de santos, apresenta monumentos importantes como a Catedral de El Salvador de Ávila (construída entre os Séc. XII e XV), a Basílica de São Vicente (Séc. XII a XIV), a Igreja de S. Pedro (Séc. XII) ou o Mosteiro Real de S. Tomás (Séc. XV). 


Sigamos pela N110, subindo e descendo por algumas das mais recurvadas estradas que são ponto de encontro dos motociclistas madrilenos. Que se encontram no Puerto Cruz Verde, ponto icónico situado a 1256 metros de altitude, tendo, a poucas centenas de metros de distância, na estrada M5905, um monumento dedicado à memória de Angel Nieto, assinalando os seus ‘12+1’ títulos num ‘mirador’ de vistas esplêndidas. 

Ainda e sempre na mesma estrada, em direcção a Madrid, encontramos pouco depois a Cadeira de Felipe II, local que a tradição aponta como o poiso do monarca quando vigiava as obras do Mosteiro de El Escorial. Diz a lenda que as várias plataformas existentes bem como os quatro lugares (cadeiras) foram esculpidos no granito a mando do Rei para tornar mais cómoda a sua presença e dos seus acompanhantes. No entanto, outros estudos da Universidad Autónoma de Madrid aventam a possibilidade de aqui poder ter existido um altar anterior à ocupação romana, possivelmente dedicado a Marte, e no qual teriam sido feitos sacrifícios rituais, geralmente de animais. Teoria reforçada em 2015, após ser encontrada uma figura antropomórfica e outros altares menores nas proximidades. Além de que, deste ponto e a cerca de 3 km de distância, dificilmente seria perceptível a evolução das obras… 

UMA ROTA DE REIS E RAINHAS, HERÓIS E DITADORES 
Uma coisa é certa, independentemente da lenda que rodeia a Silla Felipe II. O Mosteiro Real de San Lorenzo de El Escorial, ou simplesmente Mosteiro del Escorial foi construído no século XVI, entre 1563 e 1584, incluindo um palácio real, uma basílica, um panteão, uma biblioteca, uma escola e um mosteiro. Actualmente ocupado por frades da Ordem de Santo Agostinho, com uma área total de 33.327 m2 em plena Serra de Guadarrama, o complexo serviu de residência à família real espanhola enquanto a basílica é o local de enterro dos Reis de Espanha. 

As dimensões, o valor simbólico e a complexidade funcional valeram-lhe epíteto de ‘8.ª Maravilha do Mundo’, acolhendo no seu interior pinturas, esculturas, hinários, pergaminhos, ornamentos litúrgicos e outros objectos religiosos que fazem do Mosteiro de El Escorial um importante museu, declarado pela UNESCO, em 1984, como Património Da Humanidade, estando a pouco mais de 80 km de Madrid. 


Monumentalidade é a impressão que volta a assolar-nos no Vale dos Caídos, memorial mandado erigir pelo ditador espanhol Francisco Franco, em memória dos nacionalistas motos na Guerra Civil Espanhola. É formado por uma basílica escavada na rocha e inteiramente construída debaixo da terra, pela Abadia de Santa Cruz do Vale dos Caídos e por uma cruz de 150 metros de altura (a mais alta do mundo) implantada no cume de uma falésia que domina todo o vale de Cuelgamuros. 

Construído entre 1940 e 1958 na madrilena Serra de Guadarrama esteve envolta em polémica pelo fato de Franco, apesar de não ser vítima da Guerra Civil, ter estado enterrado no Vale juntamente com outros 33.872 combatentes, situação apenas ultrapassada pela especial legislação criada pelo parlamento em 2018. 

Foi muito bom. E acabou muito depressa. Com alguma chuva e frio por companhia os últimos quilómetros da jornada fizeram-se rumo ao concessionário Honda, Ikono Motor, em Getafe, mesmo às portas de Madrid e sempre por via rápida. 


Foram dias intensos em que todos os presentes se sentiram vivos, por motivos diversos. A Honda NT1100 confirmou que não é uma clássica moto de sonho e sim uma moto verdadeira, honesta, real e sobretudo pragmática. E repito para que fique claro: aqui até pode não haver deslumbre, todavia há uma sensação de competência, dever cumprido, e acima de tudo, de facilidade de utilização que chega a ser desconcertante.

domingo, 3 de abril de 2022

A estrada, a moto e o telefone esperto – Estrada Nacional 247

Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim. 
A tua beleza aumenta quando estamos sós 
E tão fundo intimamente a tua voz 
Segue o mais secreto bailar do meu sonho. 
Que momentos há em que eu suponho 
Seres um milagre criado só para mim. 

Sophia de Mello Breyner Andresen 

Mar de Atlas. Ou como todos o conhecem hoje: oceano Atlântico. É o segundo maior oceano em extensão, com uma área de cerca de um quinto da superfície da Terra. A gigante porção de água que separa a Europa e a África a Leste, da América a Oeste. Alguns dizem que a menção mais antiga sobre o seu nome é encontrada em Histórias, de Heródoto, por volta de 450 a.C.. 

Foto: Gonçalo Fabião

Antes dos europeus descobrirem outros oceanos, o termo "oceano" foi sinônimo de todas as águas que circundam a Europa Ocidental, as quais os gregos acreditavam ser um grande rio que circundava toda a Terra conhecida até então. Esta denominação desapareceu, no entanto, na Idade Média. O responsável pelo reaparecimento do nome "Atlântico", foi o geógrafo Mercator ao colocá-lo no seu célebre mapa-mundo em 1569. A partir deste momento a nomenclatura da idade média foi gradualmente sendo substituída por este nome, que subsistiu até hoje. 

Apesar de ser superado pelo Pacífico em tamanho, o Atlântico é o único oceano que comunica com os outros quatro oceanos (Pacífico, Índico, Árctico e Antárctico). Num certo sentido, e em tempo de absoluta globalização, podemos dizer que o Atlântico é o novo Mare Nostrum ("o nosso mar", em latim), que foi o nome dado pelos antigos romanos ao mar Mediterrâneo. 

Foto: Gonçalo Fabião

Como todos sabemos, Portugal está localizado no extremo sudoeste da Europa. Portugal Continental faz fronteira apenas com um outro país, Espanha a Este e a Norte. A Oeste e a Sul é precisamente limitado pelo Atlântico. O que poucos notam é que temos uma Estrada Nacional, a 247, que beija todo este “mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim”. A Estrada Nacional 247 (N247) não é mas podia muito bem ser conhecida “The Atlantic West Coast Road”. E todo este oceano vem ter convosco hoje, aqui, no ESCAPE. 

MUITO MAIS QUE UM SEVEN MILE MIRACLE PORTUGÊS
A N247 parte dos arredores de Peniche, cujo nome, presume-se, provém do latim vulgar pinniscula (península), o que significa que o termo se refere a um lugar e não a um povoado e que terá tido origem ainda durante a Conquista romana da Península Ibérica. Após a épica etapa do circuito mundial de surf, o notável rip curl pro search 2009, Peniche passa a ser conhecida em todo o mundo pela qualidade soberba das suas ondas para a prática do surf e bodyboard, entre outros desportos ditos de acção, exibindo orgulhosamente a “bandeira” de Capital da Onda

Foto: Gonçalo Fabião

Sempre rumo a sul, esta estrada nacional cruza campos agrícolas emoldurados pelo azul profundo do oceano. Este belo “template”, perto da Praia da Areia Branca, é abandonado para que cruzemos a Lourinhã, vila portuguesa agora conhecida pelo seu Dino Parque, um parque temático dedicado aos dinossauros que se arroga como o maior museu ao ar livre em Portugal. 

Adiante, cruzada que esteja a povoação da Maceira, a estrada volta a amar o oceano, seu denominador comum, nas ainda belas e pouco conhecidas praias de Porto Novo e Santa Rita. Alguns quilómetros mais à frente voltamos a encontrar surf de qualidade na mais conhecida Praia de Santa Cruz - que curiosamente tem uma homónima com surf de ainda maior qualidade na norte americana Califórnia. 

Foto: Gonçalo Fabião

Dali voltamos a fazer uma incursão pelo interior, aqui descaracterizado até que as narinas se encham de novo de maresia já bem perto da Ericeira. Consagrada como Reserva em 2011, a Ericeira é um dos destinos de eleição para a prática de desportos de ondas e deslize. Além das sete ondas que formam a Reserva Mundial de Surf, existem muitas outras que podemos parar para experimentar nos onze quilómetros de costa e nas treze praias do Concelho. Notem que na Ericeira, a R 1250 RT da BMW aproveitou para abraçar o quilometro zero da Estrada nacional 116 que podem conhecer aqui (link) já fotografada pelo Gonçalo Fabião. 

Foto: Gonçalo Fabião

Já na Foz do Lisandro e na sua praia de areia grossa, a N247 volta a virar costas ao Atlântico percorrendo mais um troço de pais desordenado. Em Sintra deixamos outra Nacional já percorrida pelo ESCAPE para trás, a N9 (link) e vamos devagarinho em modo curva contracurva pelo Parque Natural de Sintra-Cascais em busca do bucolismo de Colares. 

IN VINO VERITAS
Colares, reclinada sobre duas colinas da Serra de Sintra, é conhecida - lamentavelmente pouco conhecida – pela classe dos seus vinhos, sendo mesmo região demarcada desde 1908. Aqui é produzido o famoso Vinho de Colares, de sabor aveludado. 

Foto: Gonçalo Fabião

Não se sabe quando foram plantadas aqui as primeiras vinhas. Todavia no foral afonsino de Sintra (1154) consta que se cultivava, já naquele tempo, a vinha na região. D. Afonso III pretendeu animar a cultura da vinha e, em 1255, concede Reguengo de Colares a Pedro Miguel e sua mulher, Maria Estevão. Como retribuição era obrigado a plantar vinhas. 

Foto: Gonçalo Fabião

As vinhas desta região, situadas próximo do mar e sujeitas aos ventos marítimos muito fortes, são protegidas por paliçadas de canas, conferindo um aspecto invulgar a esta paisagem vinícola. O vinho de Colares só atinge a sua máxima qualidade passados vários anos, embora o estágio mínimo seja de 18 meses. Dado ao longo estágio a que o vinho é obrigado, a comercialização é muito limitada, podendo a região de Colares tornar-se uma espécie de santuário para os conhecedores deste vinho. 

ASFALTO SAGRADO
Já tivemos um pouco de tudo nesta pequena grande viagem: o sabor do sal do oceano, o calor do asfalto da estrada, a brisa fresca na cara, surf no corpo, história no pensamento e vinho na alma. Todavia o último terço da N247 ainda vai ter tempo para nos levar a alguns lugares especiais, entre eles o cada vez mais famoso Cabo da Roca, o ponto mais ocidental de Portugal e da Europa continental que Luís Vaz de Camões descreveu-o como o local “Onde a terra se acaba e o mar começa” (Os Lusíadas, Canto III). 

Foto: Gonçalo Fabião

Que viagem gloriosa, não acham? E está aqui a todo o momento disponível, mesmo ao nosso lado. É tão bom parar e ver a realidade com outro olhar. Foi o que fizemos na Roca, neste dia. Fotografamos, uma vez mais. E seguimos dali, sempre a descer, para a Praia do Guincho e o seu cordão dunar em constante mutação. Acenámos ao Cabo Raso e ao seu Farol que neste dia já ameaçava iluminar o fim de tarde. Uma última fotografia, uma última imagem ao fim do dia, um dia de motociclismo glorioso numa estrada lindíssima que termina já ali em Cascais, precisamente onde encontramos a velha Marginal, a Nacional 6 (link) que nos traz enfim de regresso a casa, de sorriso aberto.

Quem, o quê, onde, como, quando e porquê – não necessariamente por esta ordem 

A Estrada Nacional 247 – por nós percorrida no final do passado mês de Janeiro aos comandos da BMW R 1250 RT (link), cedida pela Santogal Motorrad - não é mas podia muito bem ser conhecida qualquer coisa como “The Atlantic West Coast Road”. Pindérico e azeiteiro, sim, eu sei... :)


A N247 encontra o seu início de olhos postos na Reserva Natural das Berlengas, concretamente na cidade mais ocidental da Europa continental, Peniche, não muito longe do Cabo Carvoeiro, local onde se inicia também a peculiar Estrada nacional 114 – já percorrida por este ESCAPE (link). 

Após quase uma centena de quilómetros enamorada pelo Atlântico Norte, a N247 cruza o Parque Natural Sintra-Cascais tendo o seu terminus nesta última bem conhecida vila portuguesa, no mesmo ponto onde termina também a Estrada Nacional 6 (link) por todos conhecida como Marginal. 

Foto: Gonçalo Fabião

Perfumada todo o ano pela brisa atlântica, que no verão por vezes se transforma em forte nortada – este vento típico geralmente leva na área costeira a uma ressurgência de água fria, o que, por sua vez, frequentemente leva ao fortalecimento do próprio vento - a N247, apesar de esquecida por quase todos, desempenha ainda hoje papel importante no desenvolvimento social e económico das populações que serve. Seguramente se localizada noutras paragens do nosso planeta, teria destino bem mais glorioso que o parcial esquecimento.
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