domingo, 27 de julho de 2025

Sardenha e Alpes - HONDA NT1100 DCT ES em viagem

Frequentemente perguntam-me. Então Pedro, não apareces no Lés a Lés. Nem no da estrada que é sempre épico? Nem no off road? Também há anos que não frequento concentrações e outro tipo de eventos ou passeios motociclísticos. O que se passa, Pedro? Também não viajas em grupo? Por que raio? 


O dicionário diz-nos que a experiencia é o acto de experimentar ou seja provar, ensaiar tentar. É também o conhecimento que se adquire com a pratica, com o estudo, com a observação. Uma pessoa de experiência é aquela que é conhecedora das coisas da vida. Vamos guardar estas duas ideias: “tentar” e “conhecer as coisas da vida”

O Princípio da Insanidade é atribuído a Einstein, embora não exista em nenhum documento oficial da sua autoria, é uma citação amplamente difundida e que lhe é frequentemente atribuída: “Insanidade é continuar a fazer sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes.”. 

Apesar de não ser uma citação comprovadamente de Einstein, ela encerra uma verdade poderosa e tem sido usada em inúmeros contextos — da psicologia à gestão, passando pelo desenvolvimento pessoal e, claro, também pode ser aplicada ao motociclismo de turismo. 

Assim se queremos que algo mude, temos de mudar o que fazemos. Continuar a repetir padrões, escolhas ou comportamentos, esperando milagrosamente um resultado diferente, é uma armadilha comum — seja numa relação pessoal, num negócio, ou até numa viagem de moto. O motociclismo de turismo, por natureza, é feito de rotinas: rotas favoritas, hábitos de paragem, o equipamento de sempre, os mesmos erros de planeamento, a mesma postura em longas distâncias. 


A verdadeira essência do motociclismo de turismo está na evolução constante — de estrada em estrada, de viagem em viagem, de versão pessoal em versão pessoal. O “princípio da insanidade” lembra-nos que repetir padrões sem repensar o porquê é trair o espírito da viagem. Muda a estrada. Muda o ritmo. Muda o pensamento. A estrada responde sempre com algo novo — se tu fores novo nela. Ah…, e o tempo é escasso. Se eu fosse a todos os eventos que merecem a nossa atenção em Portugal, jamais teria dias de ferias suficientes para novas estradas e para tentar dinamitar o terrível Princípio da Insanidade. 

PONTO DE PARTIDA 
É também por isto que acabam de ler que sou hoje profundamente critico da relação que a maioria das marcas tem com a comunicação em geral. Por exemplo, o modelo das denominadas apresentações à imprensa, o “press launch” como lhe chamam, só serve para tentar segurar a cada vez mais ténue linha que liga o que resta da “press” à vida bem como daqueles que jugam ser solução passar para o digital as vetustas receitas da “press”. 

Assim, quando sou convidado - o que é raro, desde logo porque as minhas ideias e postura chocam com alguns monólitos graníticos - nem todos o são :) - quando sou convidado estava a escrever, tenho abordagens totalmente diferentes e não me limito a ser papagaio do que oiço e vejo, fazendo sim a minha interpretação do que sinto. 

De notar ainda que algumas marcas tentam elas próprias proporcionar as suas “experiências”. Vai dar ao mesmo, quando não dá em pior que os “press launch” que hoje são às dezenas. Digamos que o que vou vendo ora são “lanches” demasiado robustos para o estomago de alguns convidados (alguns nem de moto parecem saber andar, só que têm algumas centenas de milhar de seguirdes comprados em redes sociais), ora são “launchs” totalmente desajustados da realidade. 

Se calhar já vos tinha dito e repito: as motos são como as Bimby – o famoso robot de cozinha multifuncional fabricado pela empresa alemã Vorwerk, também conhecido como Thermomix fora de Portugal e Itália. As motos são então como as bimby, sublinho. Tem de ser mostardas por pessoas apaixonadas e capazes, no seu ambiente natural, fazendo aquilo para que verdadeiramente foram programadas. Isto para que tais motos sejam bem comunicadas e ofereçam sucesso comercial a quem as produz. 


Capacidade, conhecimento, desafio e genuinidade no motociclismo de turismo e na comunicação. É a verdadeira experiencia que desenvolvo desde pelos menos 1997, ano da minha primeira saída de moto para longe das fronteiras de Portugal. Viajar de moto, desafiando-me, de forma apaixonada, no ambiente natural de viagem, seja a estrada aberta ou a viela italiana, tudo feito de forma verdadeiramente genuína e saboreando a verdadeira natureza da moto quer conduzo. Hoje temos a vantagem de partilhar tudo isto aqui, no fabuloso mundo das Redes Sociais que tanto continua a perturbar alguns. 

A HONDA NT1100 DCT ES 2025 
Para esta viagem foi escolhida a Honda NT1100 DCT ES 2025, ou seja, a atual versão da moto nipónica já equipada com suspensão eletrónica. Algumas das razoes da escolha têm a ver com o que escrevi quando a provei (link) e agora aproveito para relembrar: dinamicamente senti uma evolução muito positiva na NT logo nos primeiros quilómetros com a moto, ainda em ambiente urbano. O DCT está muito melhor e a eletrónica afastou os equívocos quando precisamos de rolar devagar no trânsito das cidades e das vias rápidas. O modo “D” no DCT deixou de revelar hesitações. Na verdade, a caixa DCT revela-se agora mais refinada que nunca, lendo com classe a minha intenção de condução


Todavia tinha sido em estrada torcida que a surpresa se tinha dado e onde a moto me “apanhou”, tendo escrito então: cheguei à secção que realmente importava: curvas, mudanças de inclinação e descidas íngremes. Esta seria a verdadeira prova. Logo nas primeiras curvas percebi a evolução desta moto. A frente oferece confiança total, a suspensão eletrónica segurava o peso da moto com autoridade, sem oscilações indesejadas, e o controlo de tração ajustava-se de forma quase impercetível. 

Parece mentira, todavia é verdade. Foi em 2000, há precisamente 25 anos, a última vez que tinha tido oportunidade de “sacar” três semanas inteiras da minha vida para andar de moto por essa Europa fora. Nesse ano de 2000, subi pela primeira vez os agora incontornáveis Furkapass e Oberalppass. E lá está: nunca mais fui o mesmo motociclista. Este quarto de século de motociclismo que se seguiu merecia ser condignamente comemorado. O menu desta viagem foi aparentemente muito simples, no entanto muito desafiante. Sardenha, mais Occitânia, mais Alpes. Como fazer tudo isto partindo de Lisboa em três semanas? Fácil: partindo efetivamente de Milão. 

Caros leitores e seguidores. A partir daqui vão encontrar o relato sucinto desta viagem e o que ela me fez sentir. Rotas e roteiros é na pagina do lado. Confesso: eu nem GPS uso. Eu cá gosto mesmo é de conduzir e ver mar e montanhas. 

HERE WE GO – ONDE A TUA MOTO VIAJA COMO MERECE 
Para partir de Milão, entreguei dias antes em Lisboa a Honda NT1100 DCT ES 2025 ao Nuno Almeida. Quando entregas a tua moto a alguém, não estás só a entregar duas rodas e um motor — estás a confiar um pedaço da tua alma. E é aí que entra a Here We Go, pelas mãos seguras, experientes e apaixonadas de Nuno Almeida. Este não é um transporte qualquer. Não há pressas, nem manobras descuidadas. Aqui, cada moto é tratada como se fosse única — porque é. O Nuno não olha para uma GSXR, uma Africa Twin ou uma Panigale como máquinas — olha para elas como histórias. Como paixões. Como sonhos. 

O camião vem equipado como deve ser: limpo, seguro e pronto para qualquer desafio. O atendimento? Impecável. Combinado é combinado, e se o Nuno diz que está lá às 10h, podes contar que às 9h59 já está tudo pronto para te receber. No mundo das motos, onde o detalhe faz a diferença e a confiança vale mais do que um litro de gasolina 98, a Here We Go destaca-se. E não é por fazer muito barulho — é por fazer tudo certo. Se tiveres de levar a tua moto de um ponto A a um ponto B, e quiseres garantir que ela vai tratada com o carinho de quem também vibra com escapes sonoros, troços de serra e cheiro a pneu quente… então fica a dica. 


De Milão a estrada rumou a sul até Génova. Era sábado de manha e o ferry da GNV só partia para Porto Torres ao inico da noite. Tempo de evitar a autoestrada e ter contacto com os quase desconhecidos entre nós Apeninos do Piemonte — onde cada curva é uma promessa e cada pedaço de estrada um vício De facto, há lugares que falam connosco. Não com palavras, mas com curvas, relevos e paisagens que nos arrancam suspiros por baixo do capacete. E os Apeninos do Piemonte… falam alto. 

Imagina-te a serpentear por entre montes cobertos de verde, a subir vales onde a estrada se agarra à montanha como se fosse obra de um escultor apaixonado por motores. Aqui, asfalto e natureza coexistem em perfeita sinfonia — e o palco está montado para o motociclismo puro. As estradas secundárias são o verdadeiro tesouro desta região. Esquecidas por muitos, mas inesquecíveis para quem as percorre. São estreitas, sim. Técnicas, às vezes traiçoeiras. Mas meu Deus, que prazer. O piso convida a rolar com respeito e ritmo, e as vistas… bem, há momentos em que tens mesmo de parar só para respirar fundo e agradecer por estares ali. Até porque a viagem estava apenas a começar e tu nós estávamos enfim na estrada.


Cada troço é uma história. Há aldeias que parecem paradas no tempo, cafés de beira de estrada onde o expresso sabe a medalha de ouro, e locais que nos acenam como se já nos conhecessem. Aqui, és mais do que um turista — és parte da estrada. E depois há aquele cheiro a floresta húmida, a madeira cortada, a terra viva. Misturado com o calor do motor e o eco do escape a ressoar entre os vales, cria-se uma experiência que só quem ama andar de moto consegue verdadeiramente entender. 

Nos Apeninos do Piemonte, a viagem não é o meio. É o fim. E cada quilómetro sabe a liberdade, adrenalina e contemplação. Se ainda não foste… vai. Se já foste… voltas. Porque ali, entre o céu e a terra, o motociclismo encontra o seu templo. E uma cerveja gelada espera-te já cá me baixo junto ao mediterrâneo no histórico Porto Antico de Génova 

DE GÉNOVA A PORTO TORRES COM A GNV 
Viajar de ferry com a moto é um daqueles rituais que mistura ansiedade, aventura e uma pitada de poesia. Sobretudo quando partes de Génova, com destino à mágica Sardenha, a bordo de um dos navios da GNV – Grandi Navi Veloci. Vamos ser honestos: o serviço é de qualidade mediana. A comida a bordo não vai ganhar estrelas Michelin, os camarotes fazem o básico e o embarque às vezes é uma dança descoordenada de camiões, autocarros, carros e motocilistas de olhar inquieto. Mas… nada disso importa quando vês a tua moto a desaparecer rampa acima para o porão, como se fosse um cavalo a caminho de um barco pirata. 

É aí que o coração bate mais forte. Ficas ali, de capacete na mão e olhar colado àquela estrutura flutuante, enquanto o sol se deita sobre Génova. A cidade parece despedir-se de ti, erguida em socalcos sobre o porto, cheia de luzes que começam a piscar como quem acena. O navio começa a rolar lentamente para o azul profundo da noite… e tu vais com ele. Lá dentro, entre corredores estreitos e o embalo constante do mar, há tempo para sonhar com o que vem aí. A Sardenha. O nome já arde no peito. Lá fora, só mar e escuridão, e cá dentro o silêncio de quem sabe que amanhã é o dia em que tudo começa. 

Quando o ferry atraca de manhã em Porto Torres, o sol já bate com força. A multidão começa a mover-se. E tu só pensas numa coisa: a moto. Desces ao porão, ainda com os olhos meio fechados, mas o coração aberto, e lá está ela — intacta, à tua espera, como se também ela tivesse dormido e sonhado com as curvas sardas. O momento em que voltas a subir a bordo da tua máquina, rodas no chão firme da ilha, é quase sagrado. Respiras fundo, sentes o cheiro do Mediterrâneo, e segues viagem. Agora sim: estás na Sardenha. E tudo o que vier a seguir tem aquele sabor agridoce de liberdade e conquista. 

SARDENHA – ONDE O ASFALTO ENCONTRA O INFINITO
Há lugares que nos tiram o fôlego pela grandiosidade. A Sardenha, porém, vai mais longe — rouba-nos também o coração. Esta ilha italiana, selvagem e sensual, é uma tapeçaria de contrastes onde o azul do mar beija as encostas rochosas, e o verde da vegetação dança com o dourado do sol mediterrânico. 


Rodar pelas estradas da Sardenha é como escrever poesia em duas rodas: cada curva revela uma nova tela viva, cada reta conduz a uma promessa de descoberta. É um paraíso para quem vive apaixonado por viajar de moto — e a Honda NT 1100, nesta versão eletronicamente refinada, parece feita para este palco. 

Era domingo, estava calor e eu abraçava o asfalto à esquerda e o mediterrâneo à direita. A escolha foi obvia. Seguir rumo à base escolhida para os dias seguintes e deixar enseadas e mergulhos para mais tarde. As estradas ocidentais Sardas fizeram as delicias do dia começando nas já conhecidas SP105 e SP 49 de Alghero a Bosa e terminando na surpreendentes SP126 e SP83. 

A SP83, não é apenas uma estrada. É um romance em andamento. Um fio de asfalto que se estende entre o azul do mar e o verde bruto da terra, numa dança serpenteante onde cada curva tem sabor a liberdade. Os primeiros quilómetros servem de prelúdio — o corpo aquece, o motor ganha voz, e a paisagem começa a abrir-se. De repente, estás ali: entre penhascos que caem a pique até ao mar, estradas esculpidas em encostas, e um horizonte que te hipnotiza. À tua esquerda, o Mediterrâneo brilha como um espelho partido em mil tons de azul; à direita, o mato seco, o alecrim selvagem, e a rocha viva sussurram segredos antigos.

A SP83 não tem pretensões. É crua, genuína, quase tímida. Mas essa simplicidade é precisamente o que a torna apaixonante. O asfalto nem sempre é perfeito — mas quem precisa de perfeição quando o cenário te arrebata a alma? Há aldeias que aparecem como miragens, cafés onde um café é desculpa para parar, respirar e ver a moto ao sol. E há momentos em que não passa mais ninguém. Só tu, a estrada, e o eco do teu escape a desaparecer ao longe. 

Quando chegas ao sul, não queres que acabe. A SP83 agarra-te o coração sem pedir licença. Ficas com aquela sensação de ter vivido algo maior que um simples percurso. Ficas com o corpo cansado e a alma cheia. E no fim… só pensei numa coisa: “Amanhã e nos próximos dias esta e a vizinha SP126 vão ser o meu duplex, para cima e para baixo, para baixo e para cima”. Sim, os dias seguintes foram passados nas incríveis baias e praias do sudoeste da Sardenha e entre dois dos segredos ainda hoje mais bem guardados da Velha Europa, as ilhas de Sant’Antioco e San Pietro. 

SANT’ ANTIOCO E SAN PIETRO 
Sant’Antioco é a alma antiga do Mediterrâneo. Chegar a Sant’Antioco é como atravessar um portal no tempo. Esta ilha, ligada ao sul da Sardenha por um istmo que rasga o mar como uma ponte de destino, pulsa com história e autenticidade. As ruas estreitas da vila principal, os vestígios fenícios e os aromas de sal e sol criam uma envolvência difícil de esquecer. É um lugar que se percorre devagar — não por falta de vontade de acelerar, mas porque tudo nos convida a parar, observar, sentir. Aqui, a NT 1100 deslizou com elegância, quase em silêncio, respeitando a quietude de um lugar que nos fala baixinho ao coração. 


Já San Pietro é mesmo o segredo mais bem guardado do arquipélago. Ao largo da costa, a ilha de San Pietro é uma surpresa embriagante. Selvagem, escarpada, com falésias a pique e pequenas enseadas de água translúcida, esta ilha é como um poema recitado em língua genovesa — musical, raro, encantador. A cidade de Carloforte vibra com uma energia serena, onde o tempo passa ao ritmo das marés e do vento. É o local perfeito para desacelerar… ou para o fazer com elegância e controlo total, como a NT 1100 equipada com suspensão eletrónica tão bem sabe proporcionar. A estrada costeira da ilha é curta, mas cada metro é uma celebração. Mesmo! 

 (continua…)

5 comentários:

  1. Obrigado pela partilha.

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  2. Não sei se te/vos parabenize primeiro ou agradeça

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  3. Esta leitura é um bálsamo para os sentidos e faz nascer um desejo de aventura e descoberta. Descrição de uma riqueza digna dos melhores autores da língua de Camões. Parabéns

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