segunda-feira, 12 de agosto de 2024

Voge 900DSX à prova

“O Doiro sublimado. O prodígio de uma paisagem que deixa de o ser à força de se desmedir. Não é um panorama que os olhos contemplam: é um excesso da natureza. Socalcos que são passadas de homens titânicos a subir as encostas, volumes, cores e modulações que nenhum escultor, pintor ou músico podem traduzir, horizontes dilatados para além dos limiares plausíveis da visão. Um universo virginal, como se tivesse acabado de nascer, e já eterno pela harmonia, pela serenidade, pelo silêncio que nem o rio se atreve a quebrar, ora a sumir-se furtivo por detrás dos montes, ora pasmado lá no fundo a reflectir o seu próprio assombro. Um poema geológico. A beleza absoluta".


A 900DSX da Voge é novidade. Já Torga e Douro, Douro e Torga, são clássicos. Juntamos a novidade a um dos clássicos: o Douro. E convidamos, uma vez mais, Miguel Torga “a escrever o prefácio” desta absoluta prova de verão. 

Com “os trocos” foram quase mil e quatrocentos os quilómetros de estrada acima e estrada abaixo, variada como os épicos socalcos do vale paraíso, que esta Voge foi convidada a fazer. E sublinho, para que fique claro, o que já disse noutro local: as motos são como as Bimby, aquele famoso robô de cozinha fabricado pela companhia alemã Vorwerk, na cidade de Wuppertal. As motos, para que sejam bem entendidas, terão de ser mostradas no seu ambiente natural, por pessoas apaixonadas e capazes, a fazer aquilo para que foram programadas. 

UMA LANÇA NA EUROPA DO MOTOCICLISMO 
A Voge 900DSX é uma trail de aventura de inspiração alemã superiormente equipada. O motor é Loncin - bicilíndrico em linha de 895 cc (95CV, 95Nm) com cambota a 270°, refrigeração líquida, cabeças DOHC de 4 válvulas por cilindro e embraiagem deslizante - com intervalos de manutenção de 10.000 km


No equipamento destacamos para além dos modos de condução a assistência à mudança de faixa avisando da proximidade de outros veículos. Contem também com cruise control, monitorização da pressão dos pneus TMPS em tempo real, quickshifter up&down, acelerador electrónico (ride by wire), e punhos e assento aquecidos. A travagem é Brembo, o amortecimento Kayaba e as borrachas são os inquestionáveis pneus Pirelli Scorpion Trail II - jantes de 21″ e 17″ de raios para pneus tubeless. Há ainda um muito eficaz amortecedor de direção. 

A viagem de prova à Voge 900DSX começou com um “troço de ligação” por autoestrada até à pequena povoação de Manobra, junto a Tomar, onde nasce o que vai resistindo da soberba Estrada Nacional (N) 238. A festa começava aqui e os desafios também.


Uma nota à margem. A Voge 900DSX foi a segunda moto denominada de Parque de Imprensa seguida, que veio parar às minhas mãos com as suspensões totalmente desajustadas. Não há coincidências. E por aqui me fico para que não se zanguem (ainda mais) comigo. Faça o leitor o juízo de valor. Assim, lá fomos afinando o amortecedor traseiro pois a moto a dois e com carga teimava em bater com o descanso central no chão, acessório este que devia - em definitivo - ter ficado em casa. 


Graças ao guiador baixo, a Voge 900DSX apresenta uma posição de condução algo atípica no panorama actual das trails de aventura. O encaixe na moto é correto e a protecção aerodinâmica que pode ser ajustada em dois níveis é suficiente sem ser uma referência. 

ESTRADAS NACIONAIS PAIXÃO PURA 
A Nacional 238 “rasga” o país no Centro como se de uma diagonal fulgurante se tratasse. O banquete de curvas e contracurvas revelou desde logo uma moto equilibrada e até divertida. Rapidamente nos esquecemos que temos uma jante 21 na dianteira e a ciclística auxiliada pelos excelentes Pirelli abraça o asfalto com suavidade e carinho. Só nos apeteceu amiúde pegar nas ferramentas e “deitar fora” o descanso central. Este primeiro banquete terminou já perto do Fundão. Seguiu-se mais um “troço de ligação” pela A23 até perto da Guarda e ai sim, foi rumo ao Douro por Penedondo (N229) e Trevões, com descida alucinante por Valença do Douro, evitando assim a N222 que seria percorrida no dia seguinte. 

Voltei a escolher como ”quartel-general” desta “campanha duriense” a apaixonante Provesende, correndo o risco de me repetir é meu dever escrever que Provesende é uma antiga freguesia portuguesa do concelho de Sabrosa. Foi vila e sede de concelho. Situada na região do Alto Douro Vinhateiro, na margem norte do rio, entre as vinhas, os solares e as casas em pedra, Provesende oferece hoje uma absoluta viagem no tempo e a comunhão entre o passado e o presente. 

Gosto tanto de Provesende que nas últimas viagens por este nosso Portugal por lá passei sempre. E é de Provesende que partiu o pequeno roteiro mágico que fez o segundo dia desta viagem. Dali é descer ao Pinhão pela recuperada Nacional 323. Atravessada a velha ponte, rapidamente abandonamos a N323 para subir até ao ponto final da (agora) mundialmente reconhecida N222. No início da subida acompanhamos o Rio Torto e, quando deixamos de ver este é tempo para uma primeira paragem na arrebatadora Quinta do Ventozelo. 

SÓ TE AMO DOURO
Situada na margem esquerda do Douro, ao chegar a Ervedosa, a Quinta de Ventozelo é das mais bonitas e apaixonantes da região. Num vasto anfiteatro sobre o rio encontramos aquilo que alguns chamam de “portas do silêncio do Douro”, onde o tempo parece correr mais devagar. A tranquilidade e a ligação plena à Natureza são o valor intangível principal desta Quinta. Imperdível! 

A viagem segue então, finalmente, desfrutando das deliciosas curvas da N222 que acompanha, como muitas das estradas nacionais, o relevo do terreno. Já depois de atravessado o Rio Coa, chegados a Almendra há que fazer opções. E a minha foi novamente pela da aventura. Descer a velha Nacional (N332) rumo à estação e três quilómetros antes desta – a estrada apesar de velha está bem marcada – cortar à direita para um fora de estrada fácil e ainda assim desafiante que nos leva ao encontro da N221 e do Alto da Sapinha. 

O estradão em causa é cada vez mais utilizado e está em excelente estado. Foi um fora de estrada realizado com sucesso, em modo viagem, por uma Voge 900DSX com passageiro e malas algo carregadas. Aqui a moto esteve perfeitamente adaptada ao terreno. Eficaz e confortável. Nada a apontar. 

OS MELHORES TREZENTOS DE PORTUGAL? 
Em terrenos de Parque Natural do Douro Internacional, o Alto da Sapinha domina a paisagem em direção a Barca de Alva onde o ESCAPE recomenda uma refeição rápida e ligeira junto ao Douro, com vista para o Reino de Espanha. 


Em Barca de Alva encontramos um dos mais esquecidos e ao mesmo tempo mais colossais troços de Estrada Nacional em Portugal. Dali a N221 ruma a norte junto ao Douro e a Voge voltou a faiscar a cada curva negociada. Em Freixo de Espada à Cinta esqueci a fresca vista apaixonante do Penedo Durão e a opção foi vir por um caminho quase secreto ainda que asfaltado, junto ao Douro e rumo à intrigante aldeia de Mazouco. 


Já em Torre de Moncorvo e com o clássico calor abrasador desta época do ano, não é possível deixar de rumar a Norte e vislumbrar lá do alto do miradouro de São Gregório a foz do deslumbrante Rio Sabor. Dali é tempo de pensar no regresso e no fim da aventura do dia. Ainda há mais faíscas para espalhar no asfalto da N215 já rumo ao oeste, e após um pouco de IC5 descer à foz do rio Tua pela não menos apaixonante N214. O dia estava de facto a ser épico. E assim continuará até fim nestes cerca de trezentos quilómetros que se arriscam a concorrer ao prémio “os melhores trezentos quilómetros de Portugal”. 

Da foz do Tua é então necessário subir a impecavelmente bem asfaltada N212 até Alijo, dali rumar à perigosa mas deslumbrante descida do Vale de Mendiz pela N323-3 e enfim, regressar ao Pinhão terminando o dia de volta à casa de partida em Provesende. Tomar um banho e rumar à casa da Dona Graça que nos espera com a sua receita de Pernil em Vinho do Porto com vista para o Pelourinho histórico de Provesende. 

De facto, o Alto Douro Vinhateiro é uma zona particularmente representativa da paisagem que caracteriza a vasta Região Demarcada do Douro, a mais antiga região vitícola regulamentada do mundo. Marcado por estradas sumptuosas, a paisagem cultural do Alto Douro combina a natureza monumental do vale do rio Douro, feito de encostas íngremes e solos pobres e acidentados, com a acção ancestral e contínua do Homem, adaptando o espaço às necessidades agrícolas de tipo mediterrâneo que a região suporta. 

CAMINHOS INTENSOS 
Esta relação íntima entre a actividade humana e a natureza permitiu criar um ecossistema de riqueza única, onde as características do terreno são aproveitadas de forma exemplar, com a modelação da paisagem em socalcos, preservando-a da erosão e permitindo o cultivo da vinha. A região produz, entre outros, o famoso vinho do Porto, representando o principal vector de dinamização da tecnologia, da cultura, das tradições e da economia locais. O grande investimento humano - onde incluímos as Estradas Nacionais - nesta paisagem de singular beleza tornou possível a fixação das populações desde a longínqua ocupação romana, e dele resultou uma realidade viva e em evolução, ao mesmo tempo testemunho do passado e motor do futuro. 


Ao terceiro dia de viagem já foi tempo de regresso. Regresso por uma espécie de caminho mais longo. E o dia começou com novo troço da apaixonante N222 agora até Cinfães onde a mais uma soberba Estada Nacional nos desafia. Agora é a Nacional 321 que nos convida a escalar a Serra de Montemuro. Montemuro é a oitava maior elevação de Portugal Continental - 1382 metros de altitude. Situa-se nos concelhos de Arouca (distrito de Aveiro), Cinfães, Resende e Castro Daire e Lamego (distrito de Viseu) e entre as regiões do Douro Litoral e da Beira Alta. Está compreendida entre o rio Douro, a Norte e o rio Paiva, a sul. O ponto mais alto da serra é denominado por Talegre ou Talefe, a 1.381 metros de altitude. Toda a serra tem bastante relevo e é íngreme praticamente de todos os lados.


Em Castro Daire optamos por novo “troço de ligação” escapando a Viseu e às suas armadilhas em forma de rotunda infinita. Voltamos a abandonar as vias rápidas apena sem Penacova para abraçar a Nacional 2 – velha conhecida deste blogue (link) – que nos deixou em Abrantes e a nova “ligação” até casa. 

SERÁ A MOTO CERTA PARA SI? 
Muito jovem na quilometragem esta Voge 900DSX foi melhorando com a viagem e surpreendeu pelo desempenho e conforto. Há detalhes que a marca tem de melhorar nesta moto. Já dissemos que a protecção aerodinâmica pode ser incrementada e o descanso central é inútil e até perturbador. Tudo fácil de resolver. O “shifter” de passagem de caixa também pode melhorar, todavia é tão bom ou tão mau como muito outros que vamos conhecendo. Há ainda alguma baralhação electrónica na injecção da moto a baixa rotação quando aceleramos com convicção, o que pode até ser desta unidade em especifico. Tem de ser revisto. 

Coisas que só este ESCAPE oferece? Uma sucinta analise de passageiro. A Miss Yoshimura decidiu escrever “uma carta” à 900DSX. Querida Voge. Dizem que não devemos criar expectativas, pois são elas que levam a que hajam possíveis desilusões. Confesso que, por momentos, foi o que pensei. Pensei estar desiludida, assim que saímos da A1, rumo ao Douro, pois tinha as expectativas bem em alta. O som do descanso central a tocar no alcatrão é absolutamente arrepiante, não pelos melhores motivos. Causaste-me desconforto, ainda que se esteja muito bem no assento de trás. Causaste-me uma errada sensação de insegurança, algo que já não sentia, há muito! 

Como sou persistente e gosto de dar segundas oportunidades, fui-me adaptando melhor a ti. O ajuste da suspensão traseira ajudou a que não houvesse tanto “ruído ensurdecedor” do ferro no alcatrão e, o facto de as malas irem pouco cheias no segundo dia de viagem também ajudou muito. Afinal de contas, és uma trail, e não podes entregar-nos tudo. Ao terceiro dia já ia bem mais confiante, a desfrutar do maravilhoso passeio pelo nosso Portugal, e certa de que, se tivesse mais um ou dois dias contigo, ia acabar por gostar mais de ti! Excelente fim de semana que vivemos! São paisagens incríveis, que combinam bem contigo!


Esta Lime Green equipada como se de uma topo de gama se tratasse, reclamou nesta Prova incrível pouco menos de cinco litros de sumo de dinossauro por cada cem quilómetros de belas paisagens portuguesas abraçadas. A marca solicita uma transferência bancária de uns ridículos 8.888€ por esta moto toda, a que podem juntar o conjunto de três excelentes malas de alumínio originais “by Loboo” por 898€, sendo esta uma promoção valida até ao fim do actual mês de Agosto. 

Raterómetro ******* (7/10)

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