quarta-feira, 4 de junho de 2025

Royal Einfield Bear 650 à prova

Vamos começar pelo princípio que é sempre um ponto interessante para começar. Até porque tive de fazer a minha pesquisa e estudo, como sempre faço. Assim, aproveito e partilho convosco. Ora, por incrível que vos possa parecer hoje – a mim parece, honestamente - a Royal Enfield Bear é inspirada e deve o seu nome à lendária corrida Big Bear Race, disputada no deserto do Mojave, na Califórnia. Lá, em 1960 Eddie Mulder - não confundir com o Fox :) (entendedores entenderão) - Eddie Mulder, dizia, venceu a maratona com apenas 16 anos de idade, conduzindo uma Royal Enfield Fury 500. 


Mulder viveu e cresceu no auge do motociclismo livre na Califórnia. O pai de Eddie trabalhava para o icónico piloto Bud Ekins, e o cheiro de gasolina, óleo e o som dos motores, preenchiam a vida do “puto” desde muito jovem. Na Big Bear Race, uma clássica corrida de ‘hare & hound’, os pilotos não tinham autorização para fazer reconhecimentos e o primeiro a liderar a corrida abria caminho. Os demais simplesmente o seguiam. Ou tentavam. 


Ali não havia regras, estradas ou tecnologia, apenas catos e coiotes como espectadores. Todos os participantes se alinhavam na partida e começavam juntos quando a bandeira baixava. A prova tinha dois percursos, cada um com 40 milhas de extensão, lavrando terrenos naturais e acidentados. Havia ainda uma pequena paragem em boxes improvisadas. 


O objectivo era muito simples: ser o primeiro a chegar a uma coluna de fumo, uma pilha de pneus em chamas. Mulder acabou por vencer a Big Bear Run na frente de muitos motociclistas experientes. Chega de aulas de história. Vamos para a praia? 

CORAÇÃO BICILINDRICO E ALMA REBELDE 
Há motos que se conduzem. Outras que se vivem. E depois há a nova Royal Enfield Bear 650. Não é uma moto para quem quer apenas ir do ponto A ao ponto B com conforto assético e tecnologia estéril. Esta Bear é uma evocação pura do tempo em que sujar as botas fazia parte do caminho. E com este tempo de “chove-faz-sol” eu bem que sujei as minhas inúmeras vezes. 

Desde o primeiro olhar, é impossível não ser apanhado pelo magnetismo visual da Bear 650. Tem tudo no sítio certo — a inspiração scrambler sem cerimónias, o escape que parece querer morder a gravilha, o assento com costuras que quase contam histórias e aquele farol redondo em LED que pisca o olho ao passado enquanto ilumina o presente. 


O motor de 648cc já é um velho conhecido do mundo Enfield. Bicilíndrico em linha, refrigerado a ar e óleo, com 47,4 cv e agora com 56,5 Nm de binário. Números que podem parecer modestos no papel, mas que na estrada — ou fora dela — contam uma história bem diferente. A entrega é linear, confiante e envolvente. Em baixas rotações, a Bear ronrona como uma fera adormecida. Mas basta torcer o punho para o escape cuspir um rugido grave e entusiasmante. É um som que não pede licença. A caixa de seis velocidades é suave e correta, bem escalonada, e o acionamento da embraiagem assistida é leve o suficiente para horas de prazer. Mas não é aqui que a Bear quer brilhar. Esta moto pede caminhos menos óbvios. 

TECNOLOGIA NA MEDIDA CERTA 
O quadro de duplo berço em aço tubular, desenvolvido com a Harris Performance, é uma delícia de simplicidade e equilíbrio. Estável em curva, previsível em piso solto, e ágil o suficiente para serpentear por entre obstáculos urbanos ou trilhos de floresta com uma leveza surpreendente. A suspensão dianteira Showa com forquilha invertida e os amortecedores traseiros com pré-carga ajustável com uma afinação seca fazem um trabalho honesto — não são espartanos, nem demasiado moles. São exatamente aquilo que uma scrambler precisa: robustez com tato. 


Os pneus MRF (de origem indiana) de dupla finalidade ajudam à confiança. 19 polegadas à frente, 17 atrás, com padrão agressivo, mas sem comprometer o asfalto. Precisam ainda assim de alguma temperatura para responderem de forma totalmente eficaz e segura. A travagem, a cargo de discos de 320 mm na frente e 270 mm atrás, com ABS de dois canais (e possibilidade de o desligar atrás), é suficiente para parar com autoridade e ajustada a uma moto desta natureza. 


É um prazer ver como a Bear 650 não se rendeu totalmente à digitalização. Tem um painel Tripper Dash com ecrã TFT circular. E navegação via Google Maps. No entanto nada disso rouba protagonismo à experiência física da condução. Aqui, o foco continua a ser o terreno, o vento, o som do motor e o ritmo das mudanças. Esta moto leva-nos. E nós, simplesmente, deixamo-nos ir com ela. 

ALIMENTADA PELO INSTINTO 
A Bear 650 é oferecida em várias cores — desde o icónico Petrol Green ao elegante Golden Black, passando pela edição especial Two Four Nine, um tributo visual ao número de corrida de Eddie Mulder. Cada versão conta uma história, mas todas gritam liberdade. A Royal Enfield Bear 650 não é uma moto para todos. E ainda bem. É para os que procuram carácter, autenticidade, e aquela sensação rara de estar a conduzir uma extensão de si mesmos — não uma ferramenta, mas uma companheira de jornada. 


Numa altura em que tudo parece demasiado pensado, demasiado polido, esta Bear aparece como um murro na mesa. E nós, cá no Escape Mais Rouco, adoramos quando as motos ainda sabem fazer barulho. No escape e na alma. A marca solicita uma transferência bancária de 7.387€ por esta Petrol Green que reclamou q quatro litros redondos do tal liquido inflamável de que precisamos para a vida. Nota final e relevante: primeira Enfield que aqui recebe uns notáveis oito rateres.

Raterómetro ******** (8/10)
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