quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

Carta Aberta à Miss Yoshimura

Querida Miss Yoshimura. Deixa-me contar-te a história de um homem que, com apenas 1,60 metros de altura, desafiou as leis da física e da lógica para conquistar o impossível. O seu nome é Gaston Rahier, e ele venceu o Rally Paris-Dakar duas vezes, em 1984 e 1985, numa época em que as motos eram autênticos colossos de metal e potência. 


A altura: mais do que uma medida física 
A altura é frequentemente vista como um reflexo da força ou da capacidade de alguém. No entanto, ao longo da história, muitos homens e mulheres de estatura modesta deixaram uma marca indelével no mundo. Por exemplo, o “louco” Napoleão Bonaparte, frequentemente retratado como baixo, tinha uma altura média para a sua época e foi um líder militar e político de grande influência. Outro exemplo é Mahatma Gandhi, com 1,65 metros, cuja estatura física não impediu que se tornasse um dos maiores líderes espirituais e políticos da história.   

Gaston Rahier: o pequeno gigante do Dakar 
Antes de se tornar uma lenda do Dakar, Rahier construiu uma carreira sólida no motocross. Vencedor de três campeonatos mundiais de 125cc consecutivos entre 1975 e 1977, também conquistou múltiplos títulos no motocross das nações. Após um grave acidente em 1982 que quase lhe custou a mão, Rahier não se deixou abater. Em vez disso, voltou-se para o Dakar, onde, com coragem e destreza, venceu as edições de 1984 e 1985. 

As motos da época: gigantes sobre duas rodas 
As motos do Dakar nos anos 80 eram imponentes. A BMW r80 g/s, por exemplo, tinha um peso de 230 kg e uma altura de banco que exigia habilidade e força para manobrar. Rahier, com sua estatura de apenas 1,60 metros, precisava montar a moto de uma maneira única: caminhava ao lado dela, colocava um pé no pedal e, com um movimento ágil, passava a perna por cima do banco para iniciar a corrida. Esta técnica, embora inusitada, era uma demonstração de sua adaptabilidade e determinação. 


A verdadeira medida do sucesso 
O que tudo isto nos ensina, Miss Yoshimura, é simples: não é a altura, nem o tamanho do corpo, que define um vencedor — é a força de carácter, a persistência e a coragem de enfrentar desafios que parecem maiores do que nós. Rahier provou pelo motociclismo que com determinação, talento e paixão, até os obstáculos mais altos podem ser conquistados. Ele enfrentou desafios que muitos considerariam intransponíveis e, com habilidade e coração, conquistou o impossível. 

Portanto, quando olhares para uma moto gigante ou para uma meta que parece inalcançável, lembra-te do pequeno gigante que venceu o Dakar. A verdadeira grandeza está na mente, no coração e na vontade de deixar a tua marca, independentemente da estatura. 

Assim como Rahier, tu também tens dentro de ti a capacidade de superar qualquer obstáculo. E na verdade até sabes bem disso mesmo. A tua altura não define quem tu és ou o que podes alcançar. O que importa é a tua determinação, o teu espírito e a tua vontade de seguir em frente, independentemente das adversidades. 

A lição é clara: o tamanho de um campeão não se mede em metros, mas em coragem, garra e ousadia. Já conheces de cor e salteado a minha recomendação: “faz-te grande!”! 

Com admiração e respeito.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

Um ensaio crítico sobre o ódio e a coexistência das motos elétricas

Apresentada em 2025 – e provada pelo ESCAPE nos últimos dias - a LiveWire S2 Alpinista (link) é mais do que uma moto elétrica; é um símbolo, um novo marco de performance e design que, ironicamente, se tornou um para-raios para a resistência e o ódio de uma parte da comunidade motociclística tradicional.


Este pequeno ensaio tenta mergulhar na história, na emoção e na análise social deste confronto cultural, examinando a aversão às novas tecnologias e defendendo um futuro de coexistência e respeito. 

O SOM DA HISTÓRIA E A CULTURA DAS OCTANAS 
O motociclismo nasceu no final do século XIX, e a sua alma cultural consolidou-se ao longo do século XX. A moto não é apenas um meio de transporte; é uma extensão do corpo, um veículo de liberdade, rebeldia e identidade.


A cultura moto foi cimentada por ícones, filmes e o som inconfundível do motor a explodir. O lema “Loud Pipes Save Lives” transcendeu a mera segurança para se tornar um grito de guerra, simbolizando a presença, a força e a essência da máquina. 

A paixão pela gasolina, pelas viagens longas, pela mecânica e pelo cheiro a óleo e octanas tornou-se um ritual sagrado. Para muitos, o motociclismo é a fusão de metal, fogo e combustão – uma experiência visceral onde o som do motor V-Twin ou do quatro cilindros não é ruído e sim música, a banda sonora da estrada. Qualquer coisa que ameace este ritual é vista, não como progresso, mas como sacrilégio. 

A CHEGADA DA ELETRICIDADE
A origem das motos elétricas remonta a experiências rudimentares, mas a sua verdadeira emergência no mercado deu-se no século XXI, impulsionada pela dita urgência climática e pela evolução tecnológica. 


Marcas pioneiras como a Zero Motorcycles e, posteriormente, a própria LiveWire (nascida como um projeto da Harley-Davidson e transformada em marca independente) começaram a prometer um futuro de aceleração instantânea, zero emissões e manutenção simplificada. 

Modelos como a LiveWire ONE e a mais recente LiveWire S2 Alpinista surgem com propostas técnicas impressionantes: 84 CV, um torque instantâneo de 263 Nm e uma aceleração de 0 a 96 km/h em apenas 3,0 segundos. No entanto, carregam a sombra do principal desafio: a autonomia, que na Alpinista, por exemplo, é de cerca de 194 km no ciclo urbano e 115 km na autoestrada, com tempos de carregamento (20-80% em 78 minutos num carregador de Nível 2) que ainda não satisfazem o ideal da viagem "sempre a despachar" do motociclista tradicional. 

CULTURA, EMOÇÃO E A RESISTÊNCIA À PERDA 
A aversão e o ódio que as motos elétricas enfrentam nas redes sociais e em fóruns como o Reddit ou Facebook não se baseiam primariamente na tecnologia e sim na identidade cultural e na emoção. 

Medo da perda do Ritual: O motociclista tradicional valoriza o ato de reabastecer a mota, de sentir o cheiro da gasolina, de ouvir o motor. O silêncio quase total da moto elétrica, a necessidade de "ligar à corrente" em vez de "encher o depósito", destrói o ritual. A moto elétrica é vista como asséptica, desprovida da "alma" mecânica. 


Nostalgia e identidade: para os “petrolheads”, a moto a combustão é uma relíquia viva, uma ligação à história. Trocar o som do motor pelo zumbido elétrico é como substituir uma guitarra elétrica por um sintetizador num concerto de rock – é uma traição à essência do género. A identidade, que muitas vezes é construída em torno da robustez e do barulho do motor, sente-se ameaçada. 


Preconceito social: A moto elétrica é, por vezes, estigmatizada como um brinquedo caro, para hipsters ou entusiastas da tecnologia, falhando em capturar a aura de dureza e aventura que a moto a gasolina construiu ao longo de décadas. 

O PALCO DIGITAL: CRÍTICA E ANÁLISE SOCIAL DO ÓDIO 
A resistência encontra o seu palco mais ruidoso e destrutivo nas redes sociais. Comentários agressivos, memes depreciativos e o uso da palavra "ódio" proliferam. Esta manifestação digital é um reflexo de uma sociedade que polariza o debate e demoniza o que é novo ou diferente. É crucial questionar a validade deste ódio. A S2 Alpinista não exige a morte da Harley-Davidson a gasolina; propõe uma alternativa. O motociclismo, na sua essência, celebra a liberdade individual. 


A liberdade de escolha é o pilar do motociclismo. Um motociclista é livre de escolher a sua máquina, a sua rota e o seu som. O ódio é o oposto da liberdade. A alternativa não é uma ameaça, mas uma expansão do horizonte. O debate deve sair da esfera da emoção irracional e entrar no campo da sã coexistência. O motociclismo é um guarda-chuva vasto que deve abrigar tanto o entusiasta das octanas quanto o adepto do silêncio elétrico. 

DESAFIOS PRÁTICOS E SIMBOLISMO DE MERCADO 
Os desafios práticos persistem e alimentam o ceticismo. A autonomia e a infraestrutura de carregamento são os calcanhares de Aquiles. A adoção lenta do mercado de motos elétricas é um sintoma disto. 


O impacto simbólico mais forte desta resistência veio há semanas: a suspensão da classe de motos elétricas (MotoE) no MotoGP a partir do final da temporada. A Dorna e a FIM justificaram a decisão com a falta de audiência e o mercado de motos elétricas de alto desempenho que “não evoluiu como esperado”. Esta suspensão, embora temporária e sujeita a reavaliação, foi vista pelos críticos como uma vitória simbólica da tradição sobre a inovação, reforçando a narrativa de que o motociclismo elétrico ainda não conquistou o coração dos fãs. No entanto, é importante sublinhar que o progresso tecnológico é imparável e a eletrificação no transporte é uma inevitabilidade histórica. 

COEXISTÊNCIA E RESPEITO 
O motociclismo é, fundamentalmente, uma comunidade unida pela paixão por duas rodas. Quer se trate do rugido de um motor a combustão que ecoa a tradição, quer do silêncio futurista da LiveWire S2 Alpinista, a emoção de curvar e a alegria da estrada continuam a ser o elo comum


Quase em 2026, a sociedade exige empatia, educação e respeito pelas escolhas individuais. A tecnologia avançará. Os motores elétricos ficarão mais potentes, com maior autonomia e carregamentos mais rápidos. O futuro não é uma escolha entre A ou B, mas sim a coexistência de A e B. 

A verdadeira liberdade no motociclismo não reside no tipo de motor, e sim na capacidade de escolher o que nos faz sentir a emoção da estrada. O desafio é simples: todos aqueles que amam andar de moto, devem priorizar a comunidade e o respeito mútuo, permitindo que a tradição e o progresso acelerem lado a lado.
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