terça-feira, 28 de março de 2023

Um fim-de-semana para ‘no olvidar’

Visto por Jan Jan Pais. Bem junto ao asfalto de Portimão. Ao ler estas linhas quase podemos sentir o cheiro do carburante queimado e da borracha solta. Quase podemos sentir a vibração dos motores e dos escapes verdadeiramente roucos. É motociclismo. É paixão. É também amizade. E amor. 


Dois dias de tanta coisa, para já. 
Ponto prévio. 
Isto é um mundo. 
De emoções de gente, de campeões. 
De gente que ganha e que perde. 
De gente que dá bandeiras, que apanha motas, que ampara pilotos e dá o OK à Torre. 
Um universo laranja comandado à distância, via rádio, via TV, via motas que visitam os postos. 
E no final do dia, todos chegarão a casa e dirão: preciso de mais uma dose! 

Sexta-feira, madrugada ao género das da aviação, despertador a meio da noite, duche rápido, pequeno-almoço, café e uniforme laranja, rumamos ao Retail Park, aos autocarros, aos postos, aos briefings com o Chefe de Posto. 

Tenho um, chama-se Paulo Jorge Inácio, calmíssimo, ensina com tranquilidade, tudo indica que a curva 8 está bem de liderança e recomenda-se, a este vosso escriba juntam-se dois outros comissários de pista, Miguel Jorge, que me irá fazer percorrer a distância até Almeirim para me alambazar em gabaritado local de pasto e um outro laranjinha, Nuno, Nuno Cujo Nome Não se Pode Pronunciar, private joke, deixem lá, mas a verdade é que toda a acção em pista, todos os minutos de descanso ou reservados a pequena sombra, se fará para mim junto deste trio que tão bem me acolheu, e se não vos detalho conversa é porque ela é insana, feita de opiniões em torno de pilotos e de equipas, feita de um arrazoado de tiradas meio desconchavadas que constroem uma equipa, chega a haver incautos por ali que correm a fotografar-se junto de um Bagnaia ‘mais ou menos, é o que se pode arranjar’ para gáudio dos restantes que lhe dividem a loucura. 


Gosto do T8D, é a minha casa nestes três dias, temos por vizinhança o F8A e o T8B, e se vos falo neles é porque as gentes de lá são de sorrisos e simpatias, ofereceram-me um naco de presunto, obrigado João Inocêncio, mais ainda um pouco de chouriço, acamados em bom pão, tudo por ali respira em modo ‘gourmet, o posto tem vista para todo o lado, varanda com vista para o mar, para a montanha, para o campo, creio até que para o Central Park e a 5ª Avenida, isto é, dali vê-se o final da 1, a 2 e a 3, a chegada à 4, aprecia-se a 7, a 8 e a saída para a lomba que esconde a 9, Cristo anca cá abaixo ver isto, foste tu que concebeste semelhante paraíso para se estar de laranja vestido??? A pista enche-se de motas, de todas as cores, de feitios e tamanhos, cada uma com seu piloto, cada piloto com seu sonho, cada sonho com seu caminho. 

Amanhã correr-se-á o GP de Portimão, hoje o AIA inaugurou a nível mundial, universal e intemporal as Sprint Races nesta modalidade, pela primeira vez se correu de prego a fundo até ‘tocar para a saída’, cruzes que azáfama de sensações. Miguel dedilhou alguns dos acordes com que nos encanta, sacou uma P4 na grelha, no meio de mil tubarões ducatizados e frente a um MM renascido, que mais se assemelha a Duarte de Almeida, que nem decepado entregou a bandeira portuguesa na batalha de Toro. 


Miguel sorriu a um pódio, mas este não lhe sorriu de volta, uma pequeníssima ‘não era bem assim’ fez com que terminasse em P7 e todos nós, imagine-se, quase pensássemos que estávamos tristes, 
Não, não estamos que bom é ser Oliveirista e estar ali contigo. 
Mas, meus senhores, o que mais marcou o fim-de-semana foi talvez o momento em que parecemos colocar os pés na Terra e entender que voar assim é coisa de gente quase sobre-humana, e que nem sempre os deuses da velocidade tudo amparam. 
Numa das curvas, a 11, a geometria atirou Pol ao chão. 
O paddock susteve a respiração. 
Todos nós sustivemos a respiração. 
A vida continuou, mas aprendemos talvez a dar mais valor aos dias que trazem um sorriso. Recupera rápido Pol Espargaro. 

Parte segunda de um fim-de-semana para ‘no olvidar’ 
JODER, Marquez, que mais te podemos dizer? Um gajo anda ali toda uma semana, aliás um gajo não, um milhão deles e delas, ou mais ainda, andamos a esfregar as mãos por uma boa corrida, agora até ao sábado nos assalta a adrenalina, e vais tu, aliás, vens tu, e tomem lá bolachas, marcha tudo à carambola e por aqui m’avio????? 
É isso? 

Sério mesmo, Marquez? Ando aqui agora com esta dor de alma, isto é quase como uma dor de dentes, não passa nem deixa dormir, maldita cárie que nos saíste, vai a manhã de segunda feira lançada e a pessoa aqui a ver aquele destrambelho, aquilo nem quando jogávamos ao ‘lá vai alho’ na escola, chego a pensar se andas a falhar alguma medicação, por mais que que a malta entenda e mais não sei o quê, mas acabamos a desenrolar o filme e sai-nos a mais usada e genuína expressão portuguesa, foda-se ... mas o que é isto??? 


Termino agora de falar neste assunto, é melhor, senão isto escala-me o sistema nervoso e ainda chamo o Milhazes para te aconselhar, depois é só fazeres o que ele diz e vais ver que melhoras. Espera, antes ainda deixa-me dizer-te uma coisa, ganhaste oito título mundiais, por este andar poderias ganhar outros tantos e mais ainda, que o respeito do público nunca terás, nem de quem corre nas pistas contigo, preferem andar longe do moço do ‘pinball’, o mais certo é ficares conhecido pela tua arte de campeão no bowling do que na do asfalto. 

E pronto, assunto encerrado contigo, daqui para a frente, não te desejando mal algum, para mim és apenas um pino que se move perigosamente na pista, como se fosses uma armadilha num jogo da Playstation, li agora que não irás correr na Argentina, melhor assim, é uma preocupação a menos para quem faz orçamentos e reparações , ouvi também o Puig a defender a tua acção, pois bem, pior a amêndoa que o sainete, com amigos como ele nem precisas de investir muito mais em anti-corpos. 

Quanto ao restante de toda esta jornada ..foi TOP, na classe de Moto3, Daniel Holgado deu um recital de cirurgia, Diogo Moreira estreou o fatinho de pódio, o ‘rookie’ Jose Antonio Rueda mostrou que aprendeu bem a tabuada e que está prontíssimo para a régua dos algoritmos, entre o primeiro e o quinto classificado, 0,774 segundos, sejam bem-vindos ao reino da emoção. 

Nota solta, Romano Fenati, P19, lembram-se dele??? como um gesto tão estúpido e irreflectido inverteram o sentido de uma carreira. 

Segunda corrida do dia, ei-lo, a ele o futuro, ou pelo menos grande parte dele, Pedro Acosta chegou e disse, tirou o chapéu e foi-se, permitiu a companhia de Canet até ali ao lugar de ‘terra à vista’, e então pediu a conta e saiu rumo a um P1 sem espinhas. Nem caroços. 

Duas notas, o trepador Daryn, que subiu directo de Moto 3 à classe rainha, desceu agora um degrau rumo à realidade, fez P16, é hora de mostrar se a guitarra encontra por ali unhas, mas sem aquela vertente varredora de borda fora, que há dois anos assustavam qualquer um que nas voltas finais lhe cruzasse o caminho. 

A American Racing, que vai mantendo seu importante papel de trazer para estas lides os sempre bem-vindos pilotos americanos, suscitou um pequeno ‘bruáááá’ no paddock por ser patrocinada por uma APP de conteúdos para gente adulta, que é como quem diz uma aplicação com aqueles vídeos de se verem pela calada da noite, ora bem, isto num mundo que anda à porrada por tudo o que é lado e continente nem deveria ser assunto, mas enfim, seja como for, a sua dupla de jovens Kelly & Skinner ou andam a ver material do patrocinador e dormiram pouco, ou vão ter de dar ao pedal. Neste caso ao punho, e apenas para o rodar acelerando, cappicce? 


Regressando ao cartaz do dia, vamos lá parabenizar Pecco, está feito um homenzinho com bancada de fans e tudo, uma saudação às Aprilia, que vão alapadas nas Ducati para lhes cobiçarem o pedaço de saborosa glória, um grande ‘sim senhor’ a Jack, o mais folgazão e ‘boa onda’ de todo o plantel, um ‘cavalheiro de imperial na mão’, que sacou um coelhão na P2 e deixou mundo e meio apardalado, outro positivo franzir de sobrolho a Binder, um bicho de corrida, olhemos a Marquez, o certinho, a mostrar que se calhar não é tão ‘nelinho’ como se pensava, ‘attention Fabio’ que tens de fazer contas à vidinha, esta Yamaha para levar-te à glória é bem capaz de precisar do algo ao género do cinto mágico do Sinbad, senão não estou a ver como. 

Joan Mir andou ali aos papéis para se desembaraçar de Nakagami, o que não augura grande espingarda, afinal o japonês anda mais numa de fechar a porta e apagar a luz nas corridas, fazendo dupla em semelhante tarefa com Morbidelli, mas que raio se passa com este italo-brasileiro???, parece que em vez de asas para as suas mãozinhas lhe deram um carro de mão a gasóleo, aquilo deve ser uma tormenta para o antigo cabeludo que reinou em Moto2. 

Jorge Martin, que continuo a ver como potencial vencedor de corridas, parece que ainda levou um ‘chega para lá’ do bilharista de Cervera, a verdade é que a seis voltas do fim viu-se fora de uma prova onde prometeu alguma coisinha, mas onde acabou por nem chegar à sobremesa. 

Deixo para o final o nosso 88, Oliveira, Miguel Oliveira. O Falcão. 
Novo formato em todo o fim-de-semana, com maior gestão disto e daquilo, corridas são duas, garras de fora para a Q2 é só em dois lances de escada ... muita informação a reacomodar. As P1 e P2 a trazerem alguma sombra nas bancadas sonhadoras, para mais tarde chegar à Q1 e puxar da manilha de trunfo, calma minha gente, oferecendo a Razlan Razali a segunda linha na grelha, melhor Aprilia, ah pois é, isto não é como começa, já vamos sabendo. Depois, sábado pelo início da tarde, um pequeno recital, mantendo-se no epicentro do assunto até à curva 11 da última volta, onde um nico de desconcentração o fez descer quatro posições, ainda assim P7, falhando o pódio por uma fatia de coisa nenhuma, custa um pouco, mas a malta segue em frente, é assim a vida dos pilotos. E a nossa, dos adeptos. 


Domingo, dia de sol. 
De bancadas cheias, 
De hino com o nosso Rui Veloso. 
Arranque ‘comme il faut’ e chega à liderança, o gáudio explode nas bancadas, um país acelera com ele, as ondas do mar ficam com uma espuma mais branca, as planícies enchem-se de flores e de cor, o céu torna-se azul como só ele sabe, é isto que um país entrega ao seu menino de oiro, paixão, emoção, apoio, aplauso e um amor de adepto. 

Bagnaia acaba por impor o poderio bélico das Ducati em aceleração, Miguel ajusta suas notas, irá segui-lo, dirão adeus ao bando, e no final logo se verá, prometem-se vinte voltas de coração aos pulos e unhas em processo de desbaste. 

No final da curva um, volta três, chega a enxurrada de disparates, o desvario de Marc. A tarde e o âmago da corrida terminaram nesse momento para nós, sem apelo nem agravo, foi-se ali a andorinha da nossa Primavera! Ficamos, honramos quem corre, buscamos notícias de Miguel, pouco depois chegam as boas novas, dorido, mas apto. 

Desmontámos a tenda das emoções e regressámos à vida. Antero de Quental escreveu um dia: 
‘E dentre a névoa e a sombra universais 
Só me chega um murmúrio, feito de ais... 
É a queixa, o profundíssimo gemido’ 


Já eu, não irei tão profundo, limito-me a perguntar-te: Marc, já te falei no Milhazes, certo? 

PS: acabamos de ficar a saber que Miguel não irá à Argentina, uishhhh, voltou a puta da dor de dentes, em força. JODER ao quadrado, ao cubo e por aí fora.

2 comentários:

Site Meter