sábado, 18 de junho de 2016

O retrocesso na morte de Salom

[Aqui (link), a propósito do desaparecimento de Fabrizio Pirovano, reproduzi um texto de Paulo Araújo. Muito simpaticamente, o Paulo, convida-me a reproduzir novo texto seu…, desta feita uma excelente reflexão sobre o recente trágico desaparecimento em pista do jovem Luis Salom. O texto é algo longo para um blogue mas é excelente. O Escape sente-se orgulhoso de ter a possibilidade de o reproduzir. Obrigado Paulo Araújo] 

Que eu saiba, ainda ninguém viu a coisa por este prisma, até porque a conclusão carrega algumas conotações negativas. O facto é que a morte de Luis Salom, há dias no GP da Catalunha, inverte uma tendência que durava há mais de 13 anos, desde a morte, não totalmente dissemelhante, de Daijiro Kato em Suzuka a 20 de Abril de 2003. A partir daí, atingiu-se um estado de segurança passiva (a que procura influenciar os factores quando se dá um acidente, ao contrário da segurança activa, que pretende evitar o acidente em primeiro lugar) de tal modo avançado que não parecia haver maneira de um piloto perder a vida. 

Capacetes, leves, muito, muito resistentes, quer a impactos, quer à perfuração, e absorventes o suficiente para lidar com tudo menos as mais brutais forças de desaceleração, consistentes com atingir um objecto imóvel, como uma parede. Fatos com proteções duras nos sítios críticos e flexíveis nos outros, capazes de lidar com o deslizar em alcatrão a mais de 200 Km/h, sem efeitos adversos para o piloto. Luvas e botas bem acolchoadas e blindadas nos sítios certos. E, claro, circuitos onde as já raras barreiras colocadas suficientemente próximo da pista para constituírem uma ameaça eram protegidas com airfence, a invenção insuflável australiana que decerto já salvou algumas vidas. 

Basicamente, um piloto podia cair, bater no chão, raspar e deslizar até se imobilizar sem riscos de maior, talvez uma fractura ou outra. Decerto sem risco de vida. Com uma aterradora excepção: no ambiente ultracompetitivo das corridas de hoje, em que não raro quatro ou cinco pilotos disputam o mesmo pedaço de alcatrão, ser colhido por outra moto assim que caia.

Todos, marquem bem o que digo, todos, os acidentes fatais ocorridos em Mundiais desde a tragédia com Kato, foram desta variedade: Craig Jones a 4 Agosto de 2008 em Inglaterra, Shoya Tomizawa a 5 de Setembro de 2010 em Misano e, claro, o saudoso Simoncelli a 23 de Outubro de 2011. Todos eles colhidos a tal velocidade por uma, ou várias motos, que seguiam em tal proximidade que a colisão era inevitável. As lesões internas resultantes da absorção de forças de tal ordem ditam que, por mais que as equipas médicas se esforcem, o desfecho terrível, impensável, é também o único possível. 

E chegamos então a 3 de Junho, há dias. Luís Salom não foi colhido por outra moto: deslizou a grande velocidade para fora da pista, não foi travado, nem a sua moto, por uma área de gravilha inexistente, e ambos foram, portanto, bater na airfence a grande velocidade. O dramático, e a chance num milhão, foi ter a moto levantado no ar exactamente no momento em que o piloto maiorquino chegava a tempo de cair em cima dele logo a seguir, esmagando-o..., uma variedade do atropelamento em pista, mas esta controlável, evitável, até. 

A substituição recente de grandes áreas de gravilha por alcatrão tem por fim poupar estragos aos veículos que se despistam, dando-lhes uma hipótese de recuperar controlo. Quando um piloto cai e a sua moto chega lá já em deslize, em vez de perder velocidade, continua no seu trajecto sem perder quase balanço – e bate na primeira coisa que estiver à frente ainda muito, muito depressa e com muita, muita força…, vamos ter de equacionar o que vale mais salvar: uma quantidade de fibra e chapa e componentes mecânicos, ou vidas humanas.

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