quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Miguel Oliveira, o desperdício de uma oportunidade e o silêncio das marcas

O fim da ligação de Miguel Oliveira ao MotoGP marca um ponto de viragem para o motociclismo português. Foram quatro épocas com a KTM, duas com a Aprilia e uma com a Yamaha. Agora, o piloto português ruma ao Mundial de Superbike, ao comando da BMW oficial. 


É uma transição que merece respeito e entusiasmo, mas que não pode ser analisada apenas pela perspetiva desportiva. Este é também um momento para olharmos, sem rodeios, para a forma como as marcas de motos em Portugal souberam — ou não souberam — comunicar em torno de Miguel Oliveira. 

KTM: UM COMEÇO PROMISSOR SEM CONTINUIDADE 
A KTM foi, de todas as marcas, a que mais se aproximou de um esforço real. Ajudou a promover ações pontuais, como o evento de 2021 que levou o Miguel por estrada de Almada até Portimão, no Algarve, tendo Oliveira rodado numa moto da marca e criando uma ponte clara entre a competição e o mercado português. Contudo, tudo ficou mais ou menos por aí. Sem continuidade, sem estratégia, sem uma narrativa sustentada. A energia inicial diluiu-se e o potencial de comunicação acabou por se perder. 



APRILIA: A AUSÊNCIA ABSOLUTA
Se na KTM ainda houve lampejos, na Aprilia a palavra-chave foi ausência. Dois anos com Miguel Oliveira ao mais alto nível, e as estruturas portuguesas não foram capazes de convocar o piloto para uma única ação significativa de suporte aos seus produtos. Esta incapacidade é reveladora. Nada ficou na memoria. Os fãs da marca em Portugal ficaram à margem da relevância mediática que poderiam — e deveriam — ter saboreado. 



YAMAHA: O CASO MAIS GRAVE 
Mas o caso da Yamaha é aquele que exige maior atenção e maior severidade. A Yamaha é uma marca histórica em Portugal, que liderou o mercado durante anos e que continua há décadas no top 2 das vendas de motos. Uma marca com dezenas de milhares de clientes, fãs e utilizadores fiéis. Uma marca que, além do mais, tem no seu catálogo motos de estrada diretamente ligadas ao ADN da competição. 

E, ainda assim, quando teve um piloto português no MotoGP, a Yamaha Portugal revelou uma incompetência total. Não houve uma única ação de comunicação que capitalizasse a presença de Miguel Oliveira. Não houve ativação da marca, não houve envolvimento com a comunidade, não houve visão. Pior: o piloto saiu pela porta pequena, num ambiente quase de despedimento. Todo este lamentável cenário é apenas um corolário de décadas de uma estratégia de comunicação ultrapassada, ineficaz e incompreensível. Vergonha alheia. 


A Yamaha Portugal perdeu a liderança do mercado há décadas e nunca mais a recuperou. Perdeu a oportunidade de transformar Miguel Oliveira numa bandeira da marca, perdeu relevância junto de uma comunidade que procura identificação, paixão e proximidade. E perde, acima de tudo, credibilidade enquanto estrutura. Vergonha alheia, sublinho sem pudor

Em 2025, comunicar não é opcional; é central para a sobrevivência de qualquer marca. O que assistimos na Yamaha é a prova clara de que a sua estrutura nacional não tem noção do que é comunicar no século XXI. É hora de um wake-up call. E, se a casa-mãe se importa minimamente com o mercado português, deveria olhar para esta situação como um sinal de alarme e intervir de forma decisiva. 

BMW: A DIFERENÇA DE QUEM SABE COMUNICAR 
O contraste não podia ser maior com a BMW. Apesar de podermos — e devemos — questionar algumas escolhas estratégicas da BMW Motorrad Portugal, há um facto que não pode ser ignorado: a marca sabe comunicar. É consistente, investe na proximidade com a comunidade e sabe tirar partido da ligação emocional que os motociclistas portugueses estabelecem com os seus produtos. 

A chegada de Miguel Oliveira ao Mundial de Superbike, integrado na equipa oficial da BMW, será inevitavelmente explorada pela marca como uma alavanca de comunicação. Provavelmente haverá ativações, campanhas, narrativas. Miguel será colocado no centro da mensagem, e a sua imagem será usada para reforçar a ligação da BMW ao mercado português. Não é um palpite: é uma certeza, porque a BMW já deu provas de que sabe trabalhar o valor simbólico dos seus pilotos e dos seus produtos. 

O QUE FICA PARA A HISTÓRIA 
A história de Miguel Oliveira no MotoGP é também a história de como as marcas em Portugal desperdiçaram uma oportunidade única de comunicar o motociclismo de forma diferente. A KTM tentou mas desistiu, a Aprilia (aparentemente) ignorou, a Yamaha falhou de forma gritante. A BMW, agora, herda não apenas um piloto de exceção, mas também a responsabilidade de mostrar que em Portugal ainda é possível fazer comunicação inteligente, estruturada e eficaz no setor das motos. 

Para Miguel, abre-se um novo capítulo. Para nós, que olhamos o motociclismo com paixão mas também com espírito crítico, fica a certeza amarga: tivemos um português no topo do mundo e, fora da pista, quase ninguém no motociclismo soube o que fazer com isso.

9 comentários:

  1. Bom dia Pedro.Muito Bom artigo e sem duvida a falta de visão estratégica e de marketing por parte das marcas referidas é mesmo de lamentar pois quem não consegue comunicar e passar informação nestes tempos modernos fica para trás.

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  2. Excelente narrativa Pedro, o nosso mercado é demasiado pequeno e pouco atrativo!
    Vamos ver se a bmw faz a diferença
    Abraço

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  3. Acho que a BMW vai entrar na moto gp em 2027 e já está a pensar no futuro com o Miguel

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  4. sera que simplesmente as marcas nao acharam o mercado PT relevante para justificar as iniciativas?

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  5. Bom dia,
    Tudo o que foi escrito é verdade e subscrevo! O MO 88 merecia muito mais, mas a verdade é que o mercado português é tao pequeno que QQ campanha não terá o retorno pretendido nas vendas. Por alguma razão a Yamaha aposta no Jack Miller... Mesmo com mais resultados, venderá maisnnommercadonaustraliano que em Portugal com bons resultados com o MO88. Triste realidade a nossa... Sou de Aveiro e temos aqui uma multinacional que patrocina uma equipa de MotoGP, a Oliveirense, e em tempos no FB e no LinkedIn mandeiensagem a dizer que deveriam fazer um esforço para patrocinar o nosso piloto. Responderam que iriam ver, mas não se concretizou nada. É nisto que somos pequenos... Abraço

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    1. Onde dias mais resultados queria dizer "maus resultados" e onde diz Oliveirense, queria dizer Oli

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    2. Antes de mais, os nossos parabéns à OLI, empresa portuguesa que em 2024 alcançou resultados notáveis — 75 milhões de euros de faturação num setor tão técnico e competitivo como o dos autoclismos. Mais do que um número, é a prova de que a indústria nacional continua a dar cartas na Europa, sendo a OLI hoje o maior produtor de autoclismos do sul da Europa.

      Mas há aqui uma ligação curiosa e deliciosa: a OLI é patrocinadora da equipa Ducati Gresini, um dos nomes grandes do MotoGP. É sempre motivo de orgulho ver uma marca portuguesa com esta ousadia — apostar ao mais alto nível, associando-se ao universo da velocidade, da precisão e da engenharia extrema.

      E, claro, não resistimos à coincidência fonética: OLI, Oliveira, Oliveirense… rima tudo, mas nunca se cruzou. Uma daquelas ironias que o destino escreve com leve sarcasmo. Ainda assim, o Miguel Oliveira continua a ser o nosso pioneiro, o primeiro português a desbravar caminho no pináculo do motociclismo mundial — e isso nunca será pouco.

      Fica o desejo sincero de que outras marcas portuguesas sigam este exemplo de visão e audácia, ajudando a cimentar uma presença nacional mais forte nas pistas internacionais.

      E porque aqui no Escape não resistimos a um toque de humor, terminamos assim:

      Autoclismos e escapes — ambos libertam pressão, ambos fazem barulho, e ambos têm a sua arte.

      Quem sabe, um dia, não cruzamos caminhos de forma mais direta? 😉

      Até lá, parabéns à OLLI por continuar a mostrar que o engenho português tem muito para dar — em casa, na estrada e nas pistas.

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