domingo, 3 de abril de 2022

A estrada, a moto e o telefone esperto – Estrada Nacional 247

Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim. 
A tua beleza aumenta quando estamos sós 
E tão fundo intimamente a tua voz 
Segue o mais secreto bailar do meu sonho. 
Que momentos há em que eu suponho 
Seres um milagre criado só para mim. 

Sophia de Mello Breyner Andresen 

Mar de Atlas. Ou como todos o conhecem hoje: oceano Atlântico. É o segundo maior oceano em extensão, com uma área de cerca de um quinto da superfície da Terra. A gigante porção de água que separa a Europa e a África a Leste, da América a Oeste. Alguns dizem que a menção mais antiga sobre o seu nome é encontrada em Histórias, de Heródoto, por volta de 450 a.C.. 

Foto: Gonçalo Fabião

Antes dos europeus descobrirem outros oceanos, o termo "oceano" foi sinônimo de todas as águas que circundam a Europa Ocidental, as quais os gregos acreditavam ser um grande rio que circundava toda a Terra conhecida até então. Esta denominação desapareceu, no entanto, na Idade Média. O responsável pelo reaparecimento do nome "Atlântico", foi o geógrafo Mercator ao colocá-lo no seu célebre mapa-mundo em 1569. A partir deste momento a nomenclatura da idade média foi gradualmente sendo substituída por este nome, que subsistiu até hoje. 

Apesar de ser superado pelo Pacífico em tamanho, o Atlântico é o único oceano que comunica com os outros quatro oceanos (Pacífico, Índico, Árctico e Antárctico). Num certo sentido, e em tempo de absoluta globalização, podemos dizer que o Atlântico é o novo Mare Nostrum ("o nosso mar", em latim), que foi o nome dado pelos antigos romanos ao mar Mediterrâneo. 

Foto: Gonçalo Fabião

Como todos sabemos, Portugal está localizado no extremo sudoeste da Europa. Portugal Continental faz fronteira apenas com um outro país, Espanha a Este e a Norte. A Oeste e a Sul é precisamente limitado pelo Atlântico. O que poucos notam é que temos uma Estrada Nacional, a 247, que beija todo este “mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim”. A Estrada Nacional 247 (N247) não é mas podia muito bem ser conhecida “The Atlantic West Coast Road”. E todo este oceano vem ter convosco hoje, aqui, no ESCAPE. 

MUITO MAIS QUE UM SEVEN MILE MIRACLE PORTUGÊS
A N247 parte dos arredores de Peniche, cujo nome, presume-se, provém do latim vulgar pinniscula (península), o que significa que o termo se refere a um lugar e não a um povoado e que terá tido origem ainda durante a Conquista romana da Península Ibérica. Após a épica etapa do circuito mundial de surf, o notável rip curl pro search 2009, Peniche passa a ser conhecida em todo o mundo pela qualidade soberba das suas ondas para a prática do surf e bodyboard, entre outros desportos ditos de acção, exibindo orgulhosamente a “bandeira” de Capital da Onda

Foto: Gonçalo Fabião

Sempre rumo a sul, esta estrada nacional cruza campos agrícolas emoldurados pelo azul profundo do oceano. Este belo “template”, perto da Praia da Areia Branca, é abandonado para que cruzemos a Lourinhã, vila portuguesa agora conhecida pelo seu Dino Parque, um parque temático dedicado aos dinossauros que se arroga como o maior museu ao ar livre em Portugal. 

Adiante, cruzada que esteja a povoação da Maceira, a estrada volta a amar o oceano, seu denominador comum, nas ainda belas e pouco conhecidas praias de Porto Novo e Santa Rita. Alguns quilómetros mais à frente voltamos a encontrar surf de qualidade na mais conhecida Praia de Santa Cruz - que curiosamente tem uma homónima com surf de ainda maior qualidade na norte americana Califórnia. 

Foto: Gonçalo Fabião

Dali voltamos a fazer uma incursão pelo interior, aqui descaracterizado até que as narinas se encham de novo de maresia já bem perto da Ericeira. Consagrada como Reserva em 2011, a Ericeira é um dos destinos de eleição para a prática de desportos de ondas e deslize. Além das sete ondas que formam a Reserva Mundial de Surf, existem muitas outras que podemos parar para experimentar nos onze quilómetros de costa e nas treze praias do Concelho. Notem que na Ericeira, a R 1250 RT da BMW aproveitou para abraçar o quilometro zero da Estrada nacional 116 que podem conhecer aqui (link) já fotografada pelo Gonçalo Fabião. 

Foto: Gonçalo Fabião

Já na Foz do Lisandro e na sua praia de areia grossa, a N247 volta a virar costas ao Atlântico percorrendo mais um troço de pais desordenado. Em Sintra deixamos outra Nacional já percorrida pelo ESCAPE para trás, a N9 (link) e vamos devagarinho em modo curva contracurva pelo Parque Natural de Sintra-Cascais em busca do bucolismo de Colares. 

IN VINO VERITAS
Colares, reclinada sobre duas colinas da Serra de Sintra, é conhecida - lamentavelmente pouco conhecida – pela classe dos seus vinhos, sendo mesmo região demarcada desde 1908. Aqui é produzido o famoso Vinho de Colares, de sabor aveludado. 

Foto: Gonçalo Fabião

Não se sabe quando foram plantadas aqui as primeiras vinhas. Todavia no foral afonsino de Sintra (1154) consta que se cultivava, já naquele tempo, a vinha na região. D. Afonso III pretendeu animar a cultura da vinha e, em 1255, concede Reguengo de Colares a Pedro Miguel e sua mulher, Maria Estevão. Como retribuição era obrigado a plantar vinhas. 

Foto: Gonçalo Fabião

As vinhas desta região, situadas próximo do mar e sujeitas aos ventos marítimos muito fortes, são protegidas por paliçadas de canas, conferindo um aspecto invulgar a esta paisagem vinícola. O vinho de Colares só atinge a sua máxima qualidade passados vários anos, embora o estágio mínimo seja de 18 meses. Dado ao longo estágio a que o vinho é obrigado, a comercialização é muito limitada, podendo a região de Colares tornar-se uma espécie de santuário para os conhecedores deste vinho. 

ASFALTO SAGRADO
Já tivemos um pouco de tudo nesta pequena grande viagem: o sabor do sal do oceano, o calor do asfalto da estrada, a brisa fresca na cara, surf no corpo, história no pensamento e vinho na alma. Todavia o último terço da N247 ainda vai ter tempo para nos levar a alguns lugares especiais, entre eles o cada vez mais famoso Cabo da Roca, o ponto mais ocidental de Portugal e da Europa continental que Luís Vaz de Camões descreveu-o como o local “Onde a terra se acaba e o mar começa” (Os Lusíadas, Canto III). 

Foto: Gonçalo Fabião

Que viagem gloriosa, não acham? E está aqui a todo o momento disponível, mesmo ao nosso lado. É tão bom parar e ver a realidade com outro olhar. Foi o que fizemos na Roca, neste dia. Fotografamos, uma vez mais. E seguimos dali, sempre a descer, para a Praia do Guincho e o seu cordão dunar em constante mutação. Acenámos ao Cabo Raso e ao seu Farol que neste dia já ameaçava iluminar o fim de tarde. Uma última fotografia, uma última imagem ao fim do dia, um dia de motociclismo glorioso numa estrada lindíssima que termina já ali em Cascais, precisamente onde encontramos a velha Marginal, a Nacional 6 (link) que nos traz enfim de regresso a casa, de sorriso aberto.

Quem, o quê, onde, como, quando e porquê – não necessariamente por esta ordem 

A Estrada Nacional 247 – por nós percorrida no final do passado mês de Janeiro aos comandos da BMW R 1250 RT (link), cedida pela Santogal Motorrad - não é mas podia muito bem ser conhecida qualquer coisa como “The Atlantic West Coast Road”. Pindérico e azeiteiro, sim, eu sei... :)


A N247 encontra o seu início de olhos postos na Reserva Natural das Berlengas, concretamente na cidade mais ocidental da Europa continental, Peniche, não muito longe do Cabo Carvoeiro, local onde se inicia também a peculiar Estrada nacional 114 – já percorrida por este ESCAPE (link). 

Após quase uma centena de quilómetros enamorada pelo Atlântico Norte, a N247 cruza o Parque Natural Sintra-Cascais tendo o seu terminus nesta última bem conhecida vila portuguesa, no mesmo ponto onde termina também a Estrada Nacional 6 (link) por todos conhecida como Marginal. 

Foto: Gonçalo Fabião

Perfumada todo o ano pela brisa atlântica, que no verão por vezes se transforma em forte nortada – este vento típico geralmente leva na área costeira a uma ressurgência de água fria, o que, por sua vez, frequentemente leva ao fortalecimento do próprio vento - a N247, apesar de esquecida por quase todos, desempenha ainda hoje papel importante no desenvolvimento social e económico das populações que serve. Seguramente se localizada noutras paragens do nosso planeta, teria destino bem mais glorioso que o parcial esquecimento.

4 comentários:

  1. portugal é um paraíso em estradas lindas!

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  2. Nesse cruzamento onde se assinalam as boas-vindas a Mafra valia o desvio para provar o peixinho e as vistas para o Atlântico...

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