quarta-feira, 15 de outubro de 2025

BENDA: uma nova marca e uma ambição à escala global

Na passada semana, na apresentação nacional promovida pela Multimoto, ficámos a conhecer de perto a BENDA Motors — uma marca chinesa que chega a Portugal com a ambição de se afirmar num mercado cada vez mais exigente e sofisticado. É um nome novo por cá, mas vem carregado de estrutura: por trás está a Hangzhou Saturn Power Technology Co., Ltd., fundada em 2016 e detentora de duas fábricas, no norte e no sul da China. 


O grupo nasceu com uma missão clara — desenvolver tecnologia própria, construir motores internamente e desenhar motos que se distingam não só pela performance, mas também pela forma. E é precisamente aí que a BENDA quer marcar terreno: na estética e na engenharia. 


Desde 2017 que a marca tem vindo a montar um ecossistema industrial robusto. Criou a sua Divisão de Motores, abriu escritórios de design e engenharia na China e na Áustria, e começou a desenhar motores prontos para produção em massa. Em 2020, a Chinchilla 300 foi o primeiro sucesso comercial; em 2021, com a LFC 700 e a Rock 300, o nome BENDA começou a ser ouvido fora do mercado asiático. No ano seguinte, a empresa expandiu-se para o universo dos veículos de quatro rodas, investindo 700 milhões de RMB (cerca de 85 milhões de euros) numa nova fábrica em Hangzhou — um sinal claro de fôlego industrial. 


Em 2023, a Darkflag 500, a primeira cruiser V4 fabricada na China, mostrou que a marca não tem medo de arriscar onde até agora só os gigantes jogavam. Ao lado dela, a Chinchilla 500 e a Napoleonbob 500 consolidaram o posicionamento da BENDA nos segmentos cruiser e bobber. Em 2025, a gama já se estende das 250 cc às 1000 cc e mais, cobrindo desde os condutores iniciantes até aos mais experientes. 

DESENHO E TECNOLOGIA 
Mas o que realmente distingue a BENDA — e o que ficou evidente na apresentação onde o ESCAPE esteve presente — é a obsessão pelo design industrial. O desenho é tratado como uma linguagem emocional e técnica ao mesmo tempo. As linhas, as proporções e o acabamento não são apenas estética: são o reflexo de uma filosofia que quer fazer da moto uma extensão da personalidade de quem a conduz. A marca trabalha com equipas de design na Áustria e na China, numa parceria que procura captar o melhor dos dois mundos — o arrojo oriental e o rigor europeu.


Outro pilar essencial é o desenvolvimento independente de motores. A BENDA produz internamente desde bicilíndricos em linha (de 125 cc a 2000 cc) a V-Twins e V4, e até seis cilindros em linha, o que mostra uma autonomia técnica rara neste segmento. A marca não depende de plataformas partilhadas — e isso, para quem conhece a indústria, é uma diferença significativa. 


No campo tecnológico, a BENDA procura levar soluções de ponta a um público mais vasto. Falou-se hoje em sistemas como o cruise control, o acelerador eletrónico, a suspensão adaptativa eletrónica automática e o ram-air frontal otimizado — exemplos de como a engenharia está a ser aplicada com inteligência e não apenas como adorno. Há ainda planos de integração de inteligência artificial e até holografia em futuros modelos. Pode soar futurista, mas é um sinal claro da direção em que a marca quer ir: motos que comunicam, que aprendem, que reagem.


Tudo isto acontece num contexto em que a forma como se vive o motociclismo está a mudar. As motos já não são apenas máquinas de transporte — são símbolos de identidade, liberdade e sociabilidade. A BENDA parece compreender isso, e posiciona-se como uma marca que quer dialogar com uma nova geração de condutores, sem ignorar os que ainda preferem o som metálico e o cheiro da gasolina. 

PERSPETIVA PARA PORTUGAL
A entrada da BENDA no mercado português, pelas mãos da Multimoto, é mais do que simbólica — é estratégica. Portugal é um terreno fértil para novas propostas que tragam design forte, motores credíveis e preços equilibrados. E é precisamente aí que a BENDA pode encontrar espaço para crescer. 


O mercado das cruisers está a despertar. Cada vez mais motociclistas procuram estilo, presença e identidade, não apenas utilidade. A BENDA tem aqui uma oportunidade clara: captar quem quer algo diferente das marcas tradicionais, como Harley-Davidson ou Indian, mas sem pagar o preço da exclusividade americana. Se conseguir manter uma boa relação qualidade/preço, pode tornar-se uma alternativa real. 


Há também o potencial de atrair quem valoriza componentes modernos, design arrojado e um “look de topo”, mesmo que o preço final não seja o mais baixo. O que conta é o valor percebido — e, nesse campo, a BENDA joga com trunfos visuais fortes


Nos modelos de baixa e média cilindrada (250-500 cc), o apelo é outro, mas não menor: são motos ideais para quem quer entrar no mundo das cruisers, fazer passeios de fim de semana ou simplesmente ter uma moto com carácter, sem custos proibitivos de manutenção. Se a rede pós-venda da Multimoto conseguir garantir confiança e apoio, o terreno está preparado

AS TRÊS PROTAGONISTAS DO DIA 
Portugal tem dimensão modesta, mas paixão imensa por motos. E a BENDA chega no momento certo, quando o público está aberto a experimentar o novo, desde que o novo seja bom. A BENDA quer “unleash the ride” — libertar a condução. Nós, no Escape Mais Rouco, queremos apenas confirmar se essa liberdade é mesmo tão entusiasmante quanto soa. 


Três motos, três linguagens, três formas de interpretar o prazer de conduzir. A Benda apresentou-se em Portugal com um trio que resume bem a sua filosofia: design ousado, motorização moderna e uma vontade clara de ocupar espaço no imaginário dos motociclistas. A Napoleonbob 500, a Chinchilla 500 e a LFC 700 não são apenas produtos — são declarações de intenções. Tivemos um breve contacto com elas nos arredores de Lisboa e nas sempre entusiasmantes estradas da Serra de Sintra. 

NAPOLEON BOB 500 – O REGRESSO DO ESPÍRITO BOBBER 
A Napoleon Bob 500 é uma Bobber de corpo inteiro, inspirada nas linhas clássicas americanas dos anos 50, mas reinterpretada com irreverência e tecnologia atual. Por baixo da estética musculada e do assento baixo, quase rente ao chão, pulsa um motor V-Twin de 475,6 cc, com oito válvulas, refrigeração líquida e uma taxa de compressão de 11,5:1. A potência ronda os 47 cavalos às 8 800 rotações por minuto, com um binário máximo próximo dos 42 Nm às 6 700 rpm — números que, na prática, se traduzem num comportamento vivo, elástico e surpreendentemente vigoroso. 


A transmissão faz-se através de uma caixa de seis velocidades, assistida por embraiagem deslizante, e uma transmissão final por correia dentada, algo que reforça o apelo cruiser e o conforto de rolamento. Com cerca de 215 quilos em ordem de marcha, pneus largos (150/80-16 à frente e 180/65-16 atrás) e ABS de dois canais, a Bob revela uma presença firme na estrada. O assento, a 695 mm do solo, obriga a uma posição de condução baixa e dominante, com o guiador “Flying Wing” a abrir o peito e os pés avançados. 


Na estrada, o conjunto surpreende de forma visceral. O motor sobe de rotação com leveza, o som é muito encorpado, e a resposta ao acelerador entusiasta. O comportamento é estável, embora os pneus de origem peçam algo mais nobre, e a travagem, ainda que suficiente, não tem a precisão que o conjunto merecia. Mas o carácter está lá — a Napoleonbob é um tributo moderno ao espírito Bobber: estilosa, desafiante e cheia de alma. 

CHINCHILLA 500 – A ALMA URBANA E ELEGANTE 
Com a Chinchilla 500, a Benda suaviza o tom e mostra o outro lado da moeda. Partilha com a Napoleon o mesmo motor V-Twin de 475,6 cc, refrigerado a líquido e com distribuição por duplo comando e oito válvulas, debitando cerca de 47 cavalos de potência máxima e 42 Nm de binário. Mas aqui o enquadramento é diferente: a Chinchilla veste-se de cidade e de estrada secundária, de serenidade e de elegância


A caixa de seis velocidades, a transmissão final por correia, o ABS de dois canais e o peso na casa dos 215 quilos, combinam-se com uma altura de assento de 705 mm para oferecer uma moto acessível, confortável e intuitiva. As suspensões dianteiras invertidas e o amortecedor traseiro hidráulico dão-lhe uma leitura suave do piso, e o conjunto mostra-se mais equilibrado, mais dócil e menos provocador do que a sua irmã Bobber. 


Na condução, é notório o carácter mais amistoso do chassis e a posição de condução menos exigente. O motor continua a responder com vigor, mas sem a tensão da Napoleon, o que faz da Chinchilla uma moto ideal para quem procura prazer estético e praticidade em doses equivalentes. Mantém, todavia, as mesmas margens de melhoria: pneus que mereciam ser de gama superior e uma travagem que, sendo competente, poderia beneficiar de maior mordida inicial. A Chinchilla é, por assim dizer, a cruiser do dia-a-dia — a que nos faz querer sair de casa sem destino, apenas para sentir o vento. 

LFC 700 – A PROVOCAÇÃO EM ESTADO SÓLIDO 
E depois há a LFC 700, a moto que parece saída de um estúdio de ficção científica e não de uma linha de montagem. Tudo nela é excesso, mas de um excesso pensado. O motor é um quatro cilindros em linha de 677 cc, 16 válvulas, refrigeração líquida, capaz de debitar cerca de 84 cv às 11 000 rpm, e um binário próximo dos 61 Nm às 8 600 rpm. A caixa é de seis velocidades, com embraiagem assistida e deslizante, e a transmissão final é feita por corrente. 


Com quase 290 quilos em ordem de marcha, a LFC 700 impõe respeito. O pneu traseiro de 310 mm — sim, 310 — é uma das suas marcas registadas, conferindo-lhe uma estética única e uma pegada imensa, digna de uma dragster. À frente, uma forquilha KYB invertida ajustável, atrás um amortecedor KYB ajustável, ambos de bom nível e com afinação firme, contribuem para uma estabilidade irrepreensível em reta e um comportamento previsível em curva. 


A posição de condução é baixa, mas menos radical do que se poderia imaginar; o banco situa-se a cerca de 700 mm do solo, o que ajuda à manobrabilidade a baixa velocidade. E, quando o motor desperta, o som metálico dos quatro cilindros em linha anuncia outra dimensão de prazer. A LFC 700 não é uma cruiser tradicional — é uma afirmação estética e técnica. Desafia convenções, exige respeito e recompensa com uma experiência sensorial rara. É exótica, provocadora e, talvez, destinada a tornar-se peça de coleção. 

TRÊS MOTOS, UMA NOVA VOZ NA ESTRADA
Três motos, três linguagens e uma só mensagem: a Benda veio para ser levada a sério. A Napoleonbob 500 encarna o lado visceral e estético do motociclismo; a Chinchilla 500 oferece uma interpretação mais civilizada e elegante; e a LFC 700 é a prova viva de que a audácia ainda tem lugar no design contemporâneo. 


O grupo Multimoto merece um aplauso pela coragem de trazer esta marca para Portugal — por acreditar que o mercado nacional tem espaço para propostas diferentes, arrojadas e emocionalmente intensas. A Benda chega com estilo, com músculo e com alma. Que estas três máquinas encontrem estrada, quilómetros e histórias. E que marquem o início de um capítulo novo e entusiasmante na cultura motociclística portuguesa. Bem-vinda, Benda. Que o futuro soe rouco — como gostamos.

segunda-feira, 13 de outubro de 2025

Três dias de luz, estrada e mar com a Moto Morini X-Cape 700

Há viagens que parecem condensar uma vida inteira em apenas alguns dias. Esta foi uma delas. Como é que se explica a sensação de levitar sobre arribas no Alentejo, com a estrada a fingir que caminha sobre as águas? Ou de reencontrar velhos amigos para partilhar quilómetros e histórias com a cumplicidade de uma máquina? Como se traduz em palavras a luz do Mira a beijar o Atlântico, ou o silêncio de um sobreiro com quase trezentos anos que viu passar impérios, revoluções e gerações inteiras de homens? Como se explica as estradas nacionais que têm uma voz própria? Que nos falam ao ouvido com sotaque antigo e lembram-nos o tempo em que viajar não era pressa, e sim descoberta. 

Foto: Rad Raven

Saímos de Lisboa a bordo da Moto Morini X-Cape 700, uma companheira de viagem que, desde cedo, mostrou estar à altura do desafio: leve no guiador, segura na ciclística e confortável mesmo com dois corpos a partilhar o banco e a mochila às costas da Miss Yoshimura. À antiga! 

DESTINO SUDOESTE ALENTEJANO 
O Parque Natural do Sudoeste Alentejano e da Costa Vicentina, criado em 1988, estende-se por mais de 100 quilómetros de litoral, entre a planura dourada do Alentejo e o recorte dramático do Algarve. É uma das últimas grandes áreas costeiras selvagens da Europa, onde o Atlântico chega inteiro, sem filtros, e onde o diálogo entre o mar e a terra se faz em ondas, arribas, dunas e campos de cultivo que parecem estender-se até perder de vista. Mas convém dizer desde já: dentro deste parque há dois territórios com alma própria, irmãos sim, mas distintos na voz e na paisagem — o Sudoeste Alentejano e a Costa Vicentina. 

Foto: Rad Raven

O Sudoeste Alentejano é o Alentejo à beira-mar. Entre Sines e Odeceixe, encontramos um território onde a luz manda em tudo: nos arrozais de Alcácer do Sal, no casario branco de Vila Nova de Milfontes, nas falésias que descem abruptas ao mar em Malhão ou Almograve. O montado de sobro acompanha a viagem até quase beijar o Atlântico, lembrando que este é um Alentejo de transição, agrícola e marítimo ao mesmo tempo. 


Aqui, a vida tem outro compasso: vilas pequenas, pescadores que ainda trabalham com artes antigas, campos de tomate e batata que convivem com aves migratórias que encontram no estuário do Mira e nas arribas o seu refúgio. É uma costa mais serena, mais luminosa, mais ampla, com a planície alentejana sempre à espreita por trás das dunas. É aqui que se sente que o mar e a terra são cúmplices, não rivais. 


Mais a sul, a história muda de tom. A Costa Vicentina, já no Algarve, é a versão agreste, indomável e dramática do mesmo parque. Entre Odeceixe e Burgau, as arribas erguem-se como muralhas contra o Atlântico, o relevo é mais acidentado, a vegetação mais resistente ao vento e ao sal, e as praias surgem em reentrâncias escondidas, como segredos guardados a sete chaves. É uma costa de pescadores de percebes que desafiam o mar, de trilhos vertiginosos, de um mar mais bravo e de um horizonte mais agreste. 


Aqui o sol já não ilumina em dourado: corta em contrastes fortes, negros e verdes contra o azul profundo do oceano. É a costa dos surfistas, dos caminhantes do trilho dos pescadores, de quem procura ainda mais isolamento e um contacto cru com a natureza. 

Foto: Rad Raven

O Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina é uma só unidade administrativa, mas na verdade é feito de dois mundos complementares. O Sudoeste Alentejano oferece o equilíbrio entre a planície e o mar, uma costa larga, iluminada e aberta, onde ainda se sente a cadência tranquila do Alentejo. A Costa Vicentina, pelo contrário, é a face agreste e indomável do litoral português, onde o Atlântico mostra a sua força sem concessões. Desta vez escolhemos o equilíbrio e deixamos a indomável Costa Vicentina para outra viagem.

DIA 1 – LIBERTAR-SE DA SELVA, LUZ SOBRE O SADO E CHEGADA AO MAR 
Saímos de Alfragide cedo, do betão e da rotina. E logo que cruzámos a Ponte Vasco da Gama sentimos o estuário do Tejo a exalar promessa. O céu era azul de rompante, o sol dourado da manhã mergulhava nas águas, e o estuário parecia um espelho partido de luz. Depois, as salinas do Samouco, aves a riscar o ar, o cheiro de água salgada misturado com a terra húmida – cada quilómetro um reinício.


A Estrada Nacional 5 apareceu como velha amiga, com rugas, curvas e segredos. “Road to Nowhere” gosto de lhe chamar – mas ela sabe levar-nos a todo o lado. Cruzámos montado, sobreiros e azinheiras que guardam o passado, a memória da cortiça, do silêncio e do vento. 

A primeira e obrigatória paragem foi no Sobreiro Assobiador, em Águas de Moura, algo que não é só árvore, mas símbolo. Plantado por volta de 1783 (há cerca de 234-235 anos), classificado como Árvore de Interesse Público desde 1988, eleito “Árvore Europeia do Ano” em 2018 com mais de 26.600 votos. 


Este sobreiro, com mais de 20 extrações de cortiça desde 1820, produziu em 1991 cerca de 1.200 kg de cortiça, volume suficiente para fazer mais de cem mil rolhas. O seu tronco tem perímetro de ~4,15 m, altura de ~16 metros e copa de quase 30 metros — ramos que quase tocam no chão, abrigo de pássaros, guarida de histórias. 


Seguimos depois para Alcácer do Sal, com o Sado a espelhar brilhos e a luz a dançar no casario branco, lembrando-nos das raízes muçulmanas que moldaram este sul. A estrada oscila entre encanto e monotonia; chegada a Sines, zona industrial que pouco acalma a alma, mas que prepara o cenário para São Torpes, onde o mar reaparece, o ar suaviza, e Porto Covo surge como miragem de serenidade. O jantar farto foi no Pátio Alentejano, já em Vila Nova de Milfontes. Terra, mar, azeite e conversa farta.

DIA 2 – ESTRADA COMO ALMA, AMIGOS E O ABRAÇO DO ATLÂNTICO
Despertámos mais tarde, o corpo ainda a digerir as emoções do dia anterior. Pequeno-almoço lento, cheio de café, pão quente e expectativa. A estrada de terra em Almograve foi um épico à parte: sobe, desce, bordas de arribas, o vento a sacudir barreiras invisíveis, sensação de que a estrada nos sustentava sob rodas, como se andássemos suspensos entre terra e abismo. Aqui, estrada é personagem curvada, forte, generosa. 


Montado, de novo, mas mais íntimo: silêncios, cheiro a cortiça, folhas secas sob a moto. Depois Cabo Sardão, Praia das Furnas, Porto das Barcas — cada pedaço de costa com identidade, cada curva com promessa de vista, cada miradouro com sal. Zambujeira do Mar como eterna, imaculada, onde o Oceano não disfarça poder, onde foto alguma lhe faz justiça. 

Foto: Rad Raven

Encontro com Rad Raven e Lady Raven, amigos de estrada e com corações que sabem de viagens. Histórias sob o capacete, risos no depósito, imagens desenhadas pelo escape da moto. E a Moto Marini X-Cape 700, que não era só máquina — era o corpo que sentia os solos, que vibrava nas lombas, que se esticava no asfalto aceso de luz. 

Foto: Rad Raven

O percurso até Odeceixe trouxe-nos o encontro com o Atlântico no seu estado mais cru. Mimada que foi esta Moto Marini X-Cape 700 pela lente do Rad Raven, o regresso deu-se pela Estrada Nacional 120 e pelas curvas da Serra do Cercal. A Nacional 390 também apareceu no mapa, curta mas intensa, como um verso bem talhado, quase poema rodado. Milfontes de novo, mar no horizonte, jantar simpático no Manjedoura com vinho bom e conversa solta. 

DIA 3 – A DESPEDIDA CALMANTE, O MALHÃO E O SOL A PÔR-SE NO ATLÂNTICO 
O dia amanheceu suave. Despedida em Vila Nova de Milfontes depois de novo pequeno-almoço forte, com sol a prometer. A marginal, a foz do Rio Mira: água doce encontra água salgada, borbulhas no estuário, reflexos, calor da manhã, luas líquidas. Explosão de luz sobre o Mira. 

Foto: Rad Raven

Nisto surge o Malhão como porto seguro para o corpo exausto: praia selvagem, areia consciente, ondas que não exigem mais do que entrega. Banho de iodo, de sal, deixar o tempo cair sem pressa. A moto estacionada à sombra, o vento a brincar com as roupas, o silêncio do Atlântico lembrando segredos de surfistas e antigos visitantes que somente ali ousavam ficar. 


E, no regresso, a estrada costeira até São Torpes, com a Golden Hour incandescente manchando o mar, o sol a entornar-se no horizonte. As últimas cores do dia, últimas curvas da costa. O regresso de novo por estradas nacionais foi feito já de noite. E com a Ponte Vasco da Gama, diferente da manhã luminosa. Mais suave, mais plena. 

UMA COMPANHEIRA SURPREENDENTE 
Se a Costa Alentejana foi o cenário, a Moto Morini X-Cape 700 foi a verdadeira parceira de viagem. Viajámos a dois, com mochila às costas, percorremos centenas de quilómetros de asfalto e de terra, enfrentámos vento, curvas e rectas intermináveis — e a moto nunca se queixou. Pelo contrário: mostrou conforto inesperado, uma proteção aerodinâmica que fez diferença, uma ciclística equilibrada que transmitiu confiança, e um motor sempre disponível, pronto a responder. 

Foto: Rad Raven

Acima de tudo, foi o ecletismo que nos conquistou: uma moto que se adapta, que aceita estrada e fora de estrada, que transporta bagagem e cumplicidade sem perder a leveza de espírito. Uma moto que não nos deixou ficar mal — pelo contrário, surpreendeu-nos em cada quilómetro. E é por isso que esta viagem não se conta apenas como uma travessia da Costa Alentejana, mas como uma descoberta: a de que a X-Cape 700 é muito mais do que esperávamos.

domingo, 12 de outubro de 2025

Triumph poderá vir a ser representada em Portugal pela Multimoto

Corre nos bastidores do sector das duas rodas em Portugal um rumor que, a confirmar-se, poderá redesenhar o mapa da representação de marcas premium no nosso país. Alguns dizem de que a Triumph Motorcycles poderá passar a ser oficialmente representada e distribuída em Portugal pelo Grupo Multimoto já em 2026. 


Ainda nada foi confirmado — todavia há peças neste tabuleiro que encaixam com demasiada precisão para ser ignoradas. 

TRIUMPH MOTORCYCLES — HISTÓRIA, IDENTIDADE E ESTRATÉGIA GLOBAL 
A história da Triumph remonta a 1902 no Reino Unido, quando Siegfried Bettmann lançou as bases daquela que viria a ser uma das mais emblemáticas marcas britânicas de motos. Ao longo das décadas, a Triumph passou por períodos de glória e crise, ressurgindo nos anos 1990 com uma nova filosofia industrial e de design. 

Hoje, a marca tem a sua sede e centro de desenvolvimento em Hinckley, no Reino Unido. Parte significativa da produção continua a ser feita em solo britânico, nomeadamente nos modelos de maior valor acrescentado, no entanto uma fatia relevante da montagem é assegurada nas instalações da marca na Tailândia, reforçando a sua competitividade global sem abdicar do ADN europeu. Este equilíbrio entre tradição e escala industrial tem sido uma das chaves do sucesso moderno da Triumph no mercado mundial. 

GRUPO MULTIMOTO — UMA POTÊNCIA NACIONAL SOBRE DUAS RODAS 
Fundado em 1989, o Grupo Multimoto tem construído ao longo de décadas uma posição sólida como um dos maiores importadores e distribuidores de motociclos em Portugal. Atualmente, representa marcas como Kawasaki, Bimota, Kymco, Benelli, Keeway e mais recentemente Morbidelli, Cyclone e Benda para além da CFMOTO, assegurando não apenas a distribuição nacional, mas também redes de concessionários, serviços pós-venda e logística especializada. 


Com presença em todo o país, a Multimoto tornou-se uma referência no sector, combinando conhecimento técnico com uma estrutura operacional robusta. O seu historial e experiência tornam-na uma parceira natural para marcas internacionais que procuram consolidar presença no mercado português. 

GRUPO SALVADOR CAETANO — UM GIGANTE AUTOMÓVEL A ENTRAR NO MUNDO DAS MOTOS 
O Grupo Salvador Caetano é um dos maiores grupos de distribuição automóvel em Portugal, com décadas de experiência no sector automóvel. Recentemente, o grupo adquiriu cerca de 75% da Multimoto, numa operação que não passou despercebida no mercado. 


Enquanto o Grupo Salvador Caetano traz consigo uma estrutura financeira sólida e know-how em gestão de redes de distribuição automóvel, a Multimoto oferece experiência profunda no universo das duas rodas. Esta complementaridade entre os dois grupos abre novas perspetivas estratégicas — e é aqui que a possível entrada da Triumph em cena ganha especial relevo. 

O RUMOR — TRIUMPH E MULTIMOTO, UM ENCAIXE LÓGICO? 
Até recentemente, circulava a informação de que a representação da Triumph em Portugal poderia vir a ser assumida diretamente pela Grupo Salvador Caetano a partir de 2026. No entanto, com a aquisição da maioria do capital da Multimoto por parte do Grupo Salvador Caetano, a equação poderá ter mudado. 

O rumor aponta agora para que a operação possa ser conduzida pela Multimoto, o que, olhando para a experiência e posicionamento de cada grupo, faz todo o sentido. O Grupo Salvador Caetano mantém o controlo estratégico, enquanto a Multimoto assume a gestão operacional — numa jogada que poderá beneficiar tanto a marca como os concessionários e clientes portugueses.


Atualização – 12 de outubro de 2025, 17h20 

Este post foi actualizado para corrigir um lapso importante. Onde se lia Caetano Baviera ou apenas Baviera, deve agora ler-se Grupo Salvador Caetano. Esclarecemos que não é a Baviera que detém 75% do Grupo Multimoto, mas sim o Grupo Salvador Caetano. 

A Caetano Baviera é apenas uma das empresas que integram este grupo. A Baviera, enquanto empresa, não tem qualquer relação directa com o Grupo Multimoto, excepto por fazer parte do Grupo Salvador Caetano. 

Sublinhamos que o Grupo Salvador Caetano é, de facto, o accionista maioritário do Grupo Multimoto e de todas as empresas que dele fazem parte a nível mundial.

quinta-feira, 2 de outubro de 2025

Marc Márquez – A Queda e a Ressurreição de um Génio das Pistas

Em julho de 2020, no circuito de Jerez, Marc Márquez sofreu a queda que mudaria para sempre a sua carreira. O som seco do impacto, seguido do silêncio pesado no paddock, foi mais do que uma imagem de corrida: foi o início de um calvário. O braço direito fraturado exigiu uma operação imediata. Dias depois, o piloto surpreendia o mundo ao tentar regressar em tempo recorde. Mas a pressa cobrou um preço elevado. A placa metálica que sustentava o úmero cedeu, e com ela desabou a ilusão de uma recuperação rápida. 


Seguiram-se meses de dor e três operações sucessivas. Entre fisioterapia, infeções e noites em claro, Marc enfrentava não apenas a lentidão da cura, mas também o medo de nunca mais voltar ao topo. O gladiador das pistas, que parecia feito de aço, descobria a fragilidade do corpo humano. Para quem vive a 300 km/h, cada semana de incerteza era uma tortura. O herói, outrora invencível, era agora apenas um homem diante do espelho. 

AS RAÍZES EM CERVERA 
Para compreender a dimensão desta queda, é preciso recuar às origens. Marc Márquez nasceu em 1993, em Cervera, uma pequena cidade catalã de ruas estreitas e horizontes dourados no verão. Filho de Julià e Roser, cresceu num ambiente familiar de proximidade e esforço. O pai acompanhava-o desde cedo nas primeiras voltas, ajustando carburadores e cuidando de cada detalhe técnico. A mãe, discreta e firme, representava o equilíbrio, a âncora emocional. O irmão mais novo, Álex, tornar-se-ia cúmplice inseparável, parceiro de aventuras e, mais tarde, companheiro no paddock. 


Com apenas quatro anos, Marc recebeu a sua primeira mini-mota. Não era um brinquedo: era uma promessa. Passava horas a percorrer terrenos de terra batida, improvisando circuitos, caindo e levantando-se vezes sem conta. Aos sete anos começou a competir em provas regionais. Franzino, mas destemido, revelava uma capacidade rara de levar a mota ao limite. A cada curva mostrava que o medo não fazia parte do seu vocabulário. 


O caminho até ao Mundial foi feito de sacrifícios. A família percorria milhares de quilómetros, muitas vezes em carrinhas modestas, para estar presente em cada corrida. Os orçamentos eram apertados, mas o sonho não conhecia hesitações. Em 2008, com 15 anos, Marc estreava-se no Mundial de 125cc. Dois anos depois, conquistava o título da categoria, transformando-se no mais jovem campeão da classe. 

A ASCENSÃO IMPARÁVEL
Em 2011, já em Moto2, uma queda em Sepang trouxe-lhe um novo desafio: uma lesão ocular que lhe causou diplopia, visão dupla. Parecia que a carreira podia terminar antes de começar. Mas Marc regressou em 2012, mais forte, para conquistar o título de Moto2. O episódio, longe de o quebrar, revelou a sua fibra interior: cair era apenas uma etapa para regressar mais alto. 


No ano seguinte, deu o salto para o MotoGP com a Honda. E a estreia foi um terramoto. Em 2013 tornou-se o mais jovem campeão de sempre da categoria rainha. Seguiram-se títulos em 2014, 2016, 2017, 2018 e 2019. O estilo agressivo, as ultrapassagens no limite e os “salvamentos” impossíveis, em que parecia desafiar as leis da física, transformaram-no em ícone e lenda viva. O nome Márquez tornou-se sinónimo de espetáculo e de audácia.

Durante anos, parecia intocável. Rivais históricos como Valentino Rossi ou Jorge Lorenzo tiveram de se render ao fenómeno. Mas a glória, que parecia eterna, seria interrompida de forma cruel. 

O PESO DAS SOMBRAS
A queda em Jerez, em 2020, não apenas lhe partiu o braço: quebrou o seu domínio absoluto. Dois anos praticamente afastado das pistas, mais dois em recuperação intermitente, transformaram-se num suplício. A cada regresso, o corpo traía-o. Vitórias pontuais alimentavam a esperança, mas a consistência fugia-lhe das mãos. 


E quando parecia que a tempestade estava a acalmar, surgiu novo fantasma. Em 2021, após uma queda em Portimão, a diplopia regressou. O problema de visão dupla, que já o atormentara dez anos antes, voltava a ameaçar-lhe a carreira. Para um piloto que depende da precisão de cada milésimo, a visão turva era um castigo cruel. Mais consultas, mais dúvidas, mais noites em claro. Marc confessaria mais tarde que esse foi um dos momentos em que mais perto esteve de desistir.

Em Cervera, no entanto, encontrou sempre refúgio. Entre os amigos de infância, a família e sobretudo o irmão Álex, reconstruiu a confiança. Cada treino físico, cada quilómetro em bicicleta, cada sessão de fisioterapia era um ato de resistência. Já não se tratava apenas de recuperar um braço ou estabilizar os olhos: tratava-se de recuperar a identidade. 

O REGRESSO E O LEGADO 
Em 2025, depois de quatro anos de sombras e tormentos, Marc Márquez voltou a tocar o céu. Conquistou novamente o título mundial de MotoGP. Não era apenas mais um troféu na vitrina: era o culminar de uma epopeia de dor, sacrifício e resiliência. 


A sua história não se resume a nove títulos mundiais ou a ultrapassagens impossíveis. É a história de uma criança de Cervera que ousou sonhar, de uma família que acreditou contra todas as probabilidades, de um homem que enfrentou as suas fragilidades sem nunca abandonar a paixão. Hoje, Marc Márquez é mais do que um campeão: é símbolo de superação, prova viva de que a grandeza não está em nunca cair, mas em levantar-se sempre. 

O legado de Márquez ficará para além das estatísticas. Cada cicatriz no braço, cada sombra na visão, cada lágrima derramada fora das câmaras fazem parte da sua verdadeira vitória. Um hino à resiliência humana. Uma lição eterna: os campeões não se medem apenas pelas voltas mais rápidas, mas pela capacidade de recomeçar.

quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Miguel Oliveira, o desperdício de uma oportunidade e o silêncio das marcas

O fim da ligação de Miguel Oliveira ao MotoGP marca um ponto de viragem para o motociclismo português. Foram quatro épocas com a KTM, duas com a Aprilia e uma com a Yamaha. Agora, o piloto português ruma ao Mundial de Superbike, ao comando da BMW oficial. 


É uma transição que merece respeito e entusiasmo, mas que não pode ser analisada apenas pela perspetiva desportiva. Este é também um momento para olharmos, sem rodeios, para a forma como as marcas de motos em Portugal souberam — ou não souberam — comunicar em torno de Miguel Oliveira. 

KTM: UM COMEÇO PROMISSOR SEM CONTINUIDADE 
A KTM foi, de todas as marcas, a que mais se aproximou de um esforço real. Ajudou a promover ações pontuais, como o evento de 2021 que levou o Miguel por estrada de Almada até Portimão, no Algarve, tendo Oliveira rodado numa moto da marca e criando uma ponte clara entre a competição e o mercado português. Contudo, tudo ficou mais ou menos por aí. Sem continuidade, sem estratégia, sem uma narrativa sustentada. A energia inicial diluiu-se e o potencial de comunicação acabou por se perder. 



APRILIA: A AUSÊNCIA ABSOLUTA
Se na KTM ainda houve lampejos, na Aprilia a palavra-chave foi ausência. Dois anos com Miguel Oliveira ao mais alto nível, e as estruturas portuguesas não foram capazes de convocar o piloto para uma única ação significativa de suporte aos seus produtos. Esta incapacidade é reveladora. Nada ficou na memoria. Os fãs da marca em Portugal ficaram à margem da relevância mediática que poderiam — e deveriam — ter saboreado. 



YAMAHA: O CASO MAIS GRAVE 
Mas o caso da Yamaha é aquele que exige maior atenção e maior severidade. A Yamaha é uma marca histórica em Portugal, que liderou o mercado durante anos e que continua há décadas no top 2 das vendas de motos. Uma marca com dezenas de milhares de clientes, fãs e utilizadores fiéis. Uma marca que, além do mais, tem no seu catálogo motos de estrada diretamente ligadas ao ADN da competição. 

E, ainda assim, quando teve um piloto português no MotoGP, a Yamaha Portugal revelou uma incompetência total. Não houve uma única ação de comunicação que capitalizasse a presença de Miguel Oliveira. Não houve ativação da marca, não houve envolvimento com a comunidade, não houve visão. Pior: o piloto saiu pela porta pequena, num ambiente quase de despedimento. Todo este lamentável cenário é apenas um corolário de décadas de uma estratégia de comunicação ultrapassada, ineficaz e incompreensível. Vergonha alheia. 


A Yamaha Portugal perdeu a liderança do mercado há décadas e nunca mais a recuperou. Perdeu a oportunidade de transformar Miguel Oliveira numa bandeira da marca, perdeu relevância junto de uma comunidade que procura identificação, paixão e proximidade. E perde, acima de tudo, credibilidade enquanto estrutura. Vergonha alheia, sublinho sem pudor

Em 2025, comunicar não é opcional; é central para a sobrevivência de qualquer marca. O que assistimos na Yamaha é a prova clara de que a sua estrutura nacional não tem noção do que é comunicar no século XXI. É hora de um wake-up call. E, se a casa-mãe se importa minimamente com o mercado português, deveria olhar para esta situação como um sinal de alarme e intervir de forma decisiva. 

BMW: A DIFERENÇA DE QUEM SABE COMUNICAR 
O contraste não podia ser maior com a BMW. Apesar de podermos — e devemos — questionar algumas escolhas estratégicas da BMW Motorrad Portugal, há um facto que não pode ser ignorado: a marca sabe comunicar. É consistente, investe na proximidade com a comunidade e sabe tirar partido da ligação emocional que os motociclistas portugueses estabelecem com os seus produtos. 

A chegada de Miguel Oliveira ao Mundial de Superbike, integrado na equipa oficial da BMW, será inevitavelmente explorada pela marca como uma alavanca de comunicação. Provavelmente haverá ativações, campanhas, narrativas. Miguel será colocado no centro da mensagem, e a sua imagem será usada para reforçar a ligação da BMW ao mercado português. Não é um palpite: é uma certeza, porque a BMW já deu provas de que sabe trabalhar o valor simbólico dos seus pilotos e dos seus produtos. 

O QUE FICA PARA A HISTÓRIA 
A história de Miguel Oliveira no MotoGP é também a história de como as marcas em Portugal desperdiçaram uma oportunidade única de comunicar o motociclismo de forma diferente. A KTM tentou mas desistiu, a Aprilia (aparentemente) ignorou, a Yamaha falhou de forma gritante. A BMW, agora, herda não apenas um piloto de exceção, mas também a responsabilidade de mostrar que em Portugal ainda é possível fazer comunicação inteligente, estruturada e eficaz no setor das motos. 

Para Miguel, abre-se um novo capítulo. Para nós, que olhamos o motociclismo com paixão mas também com espírito crítico, fica a certeza amarga: tivemos um português no topo do mundo e, fora da pista, quase ninguém no motociclismo soube o que fazer com isso.

quarta-feira, 24 de setembro de 2025

Royal Enfield Classic 350: quando a estrada reclama elegância

Há motos que não precisam de justificar a sua existência com números, potências ou recordes de velocidade. Há motos que vivem de outra matéria-prima: história, emoção e presença. A Royal Enfield Classic 350 é uma dessas raridades. Aqui não há pressa de performance: há o compasso pausado de uma batida clássica, pensado para quem quer andar devagar, mas sentir intensamente. 


Mais do que uma ficha técnica, a Classic 350 é um modo de vida. É uma Royal Enfield, e isso basta para sabermos que não é apenas uma moto: é um símbolo. Nascida da tradição de uma marca que começou no século XIX e que encontrou, na Índia, a sua casa eterna, esta Classic é o elo que liga o passado ao presente. É o eco moderno da mítica Bullet 350, a moto que atravessou décadas como sinónimo de fiabilidade, simplicidade e caráter. Agora, com a nova plataforma J-Series, a Royal Enfield deu-lhe um coração renovado, mais suave e silencioso, sem trair o compasso pausado da sua batida monocilíndrica. 

RICA GENÉTICA 
A Royal Enfield tem, pois, uma herança centenária. Nascida em Inglaterra no final do século XIX e, desde meados do século XX, enraizada na Índia. O nome “Classic” não é apenas marketing: evoca a linhagem das motos militares e civis que marcaram as décadas de 1940 e 1950, sobretudo a incontornável Bullet. Na verdade, a Classic 350 nasce como sucessora espiritual da Bullet 350, uma moto que atravessou gerações, sobretudo no mercado indiano, onde se tornou símbolo de fiabilidade, simplicidade e estilo. 


O projeto da atual Classic 350 resulta assim da modernização da plataforma da Meteor 350, estreando o novo motor monocilíndrico (monocilíndrico de 349 cc, refrigerado a ar/óleo, injeção eletrónica, cerca de 20,2 cv às 6.100 rpm e 27 Nm de binário às 4.000 rpm.) chamado J-Series – silencioso, robusto e adaptado às exigências contemporâneas. Olhamos para ela não há enganos: guarda-lamas largos, linhas arredondadas, cromados, a posição de condução ereta e descontraída — tudo na Royal Enfield Classic 350 respira anos 50. 


No entanto, ao girar a chave, encontramos a certeza de que não estamos perante uma peça de museu. O motor de 349 cc, injeção eletrónica e caixa de cinco velocidades dá-lhe uma alma dócil, perfeita para quem quer rolar devagar, apreciar o caminho e sentir o mundo a passar em câmara lenta. 

TRANSVERSAL E INTEMPORAL 
Com quase 200 quilos em ordem de marcha, a Classic 350 não é leve, todavia a sua ciclística estável e previsível garante confiança a qualquer nível de experiência – não abusem. Os travões com ABS de dois canais asseguram a segurança, e o conforto da suspensão convida a passeios longos por estradas secundárias, ladeiras serranas ou margens de rio ao fim da tarde. 



Mas afinal, esta moto foi desenhada para quem? Para o nostálgico que quer ter na garagem uma moto com espírito retro sem as dores de cabeça de uma clássica verdadeira. Para o iniciado que encontra aqui uma escola paciente e acessível. Para o viajante urbano que prefere fazer do quotidiano um ritual estético. E, sobretudo, para quem não tem pressa — porque a Classic 350 é um convite à contemplação, ao prazer de andar de moto como se andava antigamente: devagar, mas intensamente.

Quem não resistiu a ter mais uma experiência na sua construção enquanto motociclista foi a Miss Yoshimura. Terá gostado? Eu tinha muitas duvidas. Vamos ouvir. 

Royal Enfield Classic 350 conquistou-me pelo estilo, pela serenidade e pela forma como no faz sentir. Poucas motos conduzi para além da minha própria BLU e, confesso, no início havia receio. Não era minha, não a conhecia, e por isso escolhi o primeiro dia para ser apenas passageira. Mas bastou sentar-me para compreender que havia ali algo especial. O conforto, a segurança e a confiança foram imediatos — quase como um déjà vu da sensação de estar numa clássica que já me é familiar. Amor à primeira voltinha... 

No dia seguinte, chegou a vez de pegar no guiador. E a surpresa foi ainda maior: bastaram poucos metros para sentir que estava em casa. A Royal Enfield Classic 350 tem essa magia — transforma o receio em conforto e o desconhecido em familiaridade. Cada arranque é suave, cada curva tem ritmo, e cada quilómetro devolve a quem conduz a sensação de bem-estar. 

Na marginal, desliza com elegância. No trânsito de Lisboa, às 20h de um domingo mais congestionado do que seria de esperar, mostrou resiliência e confiança. Foi precisamente aí, no meio dos ziguezagues entre carros, que percebi o valor desta moto: ela não é apenas uma clássica de estilo intemporal; é também uma companheira que dá conforto mesmo nas situações mais exigentes. 


Se já me tinha dado a sensação de realeza na sua estética e presença, foi na condução real, no dia a dia, que me fez sentir parte dessa realeza. E é por isso que digo: a Royal Enfield Classic 350 não é apenas uma moto para ser admirada. É para ser vivida.

SABER SABOREAR O TEMPO
Assim a Royal Enfield Classic 350 almeja trazer o passado ao presente. Pretende ser um ponto de encontro entre gerações: um jovem pode sentir-se parte de uma tradição, um veterano pode recordar o motociclismo das suas origens. É uma proposta emocional, muito mais próxima de um estilo de vida do que de uma ficha técnica. Uma moto para saborear estradas nacionais, vilas antigas, margens de rio ao fim da tarde. 


No fim de contas, a Royal Enfield Classic 350 Madras Red é uma moto que alia alma e racionalidade. Durante a nossa utilização, surpreendeu-nos com consumos de apenas 2,5 litros de liquido inflamável por cada cem quilómetros de viagem no tempo, um valor que quase parece desmentir a sua aparência robusta. 


E tudo isto por um preço que a torna ainda mais tentadora: 4.887 euros é quanto a marca pede para levar para casa – e sobretudo para a estrada – uma peça de história viva. A Royal Enfield Classic 350 assumiu-se como um bilhete só de ida para a tradição, para a calma e para um estilo de vida que sabe saborear o tempo, quilómetro a quilómetro.
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