Ponto prévio. Não, não se trata de engano. Não há aqui nenhum salto no vazio ao passar da 6 (link) para a 8. Sucede que a Estrada Nacional 7 há muito que deixou de existir. O Plano Rodoviário Nacional de 1945 (link) designava da seguinte forma a Nacional 7: “Lisboa – Estoril (auto-estrada)”. Ora, como sabemos, no presente, a autoestrada que liga Lisboa ao Estoril leva o nome de A5 e o Viaduto Duarte Pacheco acaba por ser o derradeiro vestígio da antiga Estrada Nacional 7 - viaduto de acesso a Lisboa que começa no final da Serra de Monsanto, atravessa o Vale de Alcântara, indo terminar em Campolide; O viaduto é um viaduto bonito, obra de arte clássica de Lisboa, mas não tem dignidade de um “a estrada, a moto e o telefone esperto” só para ele. Ainda assim fica a nota – que já vai longa, aliás.
Depois da ligação profundamente afectiva que tenho pela Nacional 1 – que pode ser recordada aqui (link) -, a Estrada Nacional 8 (N8) ocupa claramente um honroso segundo lugar no meu coração. E como lá (link), aqui a culpa também é do meu Pai e do velho Carocha 1300 GA-39-96, amarelo – tinha-me esquecido de sublinhar que era amarelo – e das lentas e intermináveis “voltinhas saloias” nos fins-de-semana de inverno. Sim, era “por Loures” que se ia almoçar a uma tasca na Venda do Pinheiro ou na Malveira, seguida de lanche em Mafra, ou quem sabe um pôr-do-sol mágico numa velha Ericeira de ondas eternas mas despida de surfistas e turistas estrangeiros.
Mais tarde, no início dos 90, já com a velha Virago 250, foi também pela N8 que eu e a geração a que pertenço muito aprendemos quanto à arte do motociclismo. A tal “voltinha saloia”, o passeio com aquela rara miúda que então gostava de andar de moto, as fugas nocturnas para a saudosa Green Hill na Foz do Arelho - mais do que uma discoteca uma absoluta instituição.
Hoje a Nacional 8 é uma estrada em profunda crise de identidade e com graves sintomas de esquizofrenia. À saída de Lisboa a cidade invade, cada vez mais, o campo. Loures abre-nos a porta para uma espécie de nave espacial rural que vai ganhando dimensão à medida que a viagem se densifica. As suaves colinas e os belos vinhedos vão pautando o caminho. Até que chegamos a uma Torres Vedras cada vez mais parecida com uma qualquer Amadora ou Massamá (que me perdoem os Torrienses). A partir dali nova mudança de rumo, a secção até ao Bombarral foi alargada há alguns anos, a estrada perdeu classe mas ganhou “ares” de pista de velocidade, amada por muitos motociclistas da região de lisboa autodenominados “do aço”, seja lá isso o que for.
Ultrapassadas as terras vinícolas surge a velhíssima Óbidos à esquerda. Óbidos terá sido tomada aos Mouros em 1148 e recebido a primeira carta de foral em 1195, sob o reinado de D. Sancho I. Fez parte do dote de inúmeras rainhas de Portugal, e foi lá que nasceu o concelho das Caldas da Rainha, anteriormente chamado de Caldas de Óbidos (a mudança do determinativo ficou a dever-se às temporadas que aí passou a rainha D. Leonor). Hoje mantem o charme mas está infestada de turismo alienado e apressado.
“Conquistada” Óbidos, a N8 não mais se desliga do passado português. Caldas da Rainha – as termas e as artes plásticas, Aljubarrota - onde se afirmou Portugal -, Alcobaça e o seu Mosteiro - classificado como Património da Humanidade pela UNESCO e como Monumento Nacional desde 1910 – e já agora, porque não, o Mosteiro de Santa Maria da Vitória (mais conhecido como Mosteiro da Batalha) “um par” de quilómetros após o fim da Nacional 8.
As estradas não se medem apenas aos quilómetros e, vista desta forma, tal como ela verdadeiramente é, esta 8 assume uma dimensão e uma riqueza singular no panorama das abandonadas e olvidadas Estradas Nacionais.
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A Estrada Nacional 8, também conhecida como “Estrada da Extremadura” está localizada nos distritos de Lisboa e Leiria e ligava originalmente Lisboa a Alcobaça. Apesar do seu troço entre Olival Basto e Frielas/Santo António dos Cavaleiros ter sido desclassificado, este ESCAPE considera que nos dias de hoje esta Estada Nacional tem o seu início no Padrão do Senhor Roubado, monumento situado em Odivelas localizado à saída da Calçada de Carriche, num pequeno largo junto à estrada que conduz ao centro da cidade de Odivelas (construído em 1744, após uma trágica história referente aos tempos da Inquisição) e o seu términus no Chão da Feira, a sul da Batalha, na rotunda que liga com a Nacional 1 (link). Foi por este ESCAPE percorrida de forma algo anárquica – para cima e para baixo, um par de vezes -, em meados de Novembro passado, aos comandos de uma Honda CRF1000L Africa Twin Adventure Sports que gastou pouco mais de cinco litros daquele líquido inflamável de que tanto o Estado gosta de carregar de impostos absurdos. A N8 é credora do nosso respeito. É um percurso absolutamente histórico que cruza uma paisagem natural e social riquíssima. Como outras estradas nacionais esta é também um bom exemplo de oportunidade perdida no que ao turismo diz respeito.
A N8 termina em Chão da Feira, que pertence ao Concelho de Porto de Mós. Não é "sul da Batalha". Porto de Mós é um Concelho próprio, onde, por exemplo, teve lugar a Batalha Real de 1385, vulgo conhecida como de Aljubarrota (que não fica em Aljubarrota) e concelho ao qual pertencem, entre outras, as Grutas de Mira de Aire. Obrigado.
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