segunda-feira, 19 de agosto de 2019

A estrada, a moto e o telefone esperto – Estrada Nacional 114


Quanto tempo tens para percorrer uma estrada? Depende, desde logo, do seu tamanho obviamente. E se a estrada tiver aproximadamente duzentos quilómetros? Duzentos serão muitos ou poucos quilómetros? Duas, três, quatro…, serão horas suficientes? E uma semana para percorrer tais duzentos quilómetros, seria demais?

Bem podemos olhar para os mapas. Sejam eles reais ou virtuais. Apenas quando nos fazemos à estrada encontramos a absoluta noção da realidade. Esta Estrada Nacional 114 (N114) - que poucos sabem onde acaba e nenhuns onde nasce - podia ser coisa para dias, semanas talvez, tal a riqueza histórica, social e cultural que abraça.

A N114 nasce em pleno oceano atlântico, entre Peniche e o pequeno Arquipélago das Berlengas, no Cabo Carvoeiro. Presume-se (presunção ilidível) que o nome Peniche provém do latim vulgar pinniscula (península), o que em principio significa que o termo se refere a um lugar e não a um povoado; povoado este que teve origem durante a conquista romana da Península Ibérica. Esta tese aparece aliás sustentada nos mais recentes achados arqueológicos em Peniche e nas Berlengas que parecem confirmar esta hipótese. 

A estrada avança terra adentro e ainda mal esquecemos o paladar da maresia quando temos o primeiro encontro com sabor da história. Ao cruzar a Nacional 8 (link) a nossa 114 encontra Óbidos e mais adiante não passa longe das Caldas da Rainha, duas paragens obrigatórias porque a história e o conhecimento assim o designam.

A partir de Gaeiras e da muito perigosa interceção com a Nacional 115 – a próxima a figurar aqui neste vosso ESCAPE – a estrada deixa para trás em definitivo o odor a mar e a fresca brisa do atlântico norte passando o seu traçado a acompanhar o relevo natural do terreno – um aspeto clássico das Nacionais nascidas do Plano Rodoviário de 1945 (link). 

À medida que mergulhamos no interior a beleza muda de tom (pomares e vinhas pontuam a paisagem) mas o abandono, em especial dos campos agrícolas, faz nos lamentar que mesmo não muito longe do litoral as assimetrias notam-se. Ainda antes de chegar a Santarém, Rio Maior salta-nos ao caminho, sendo tempo de saudar a minha “Estrada Mãe” – Nacional 1 (link).

Santarém - onde cruzamos a Nacional 3 (link) - desilude um pouco mais a cada visita. Absorvida cada vez mais por doses massivas de betão e asfalto saúda o viajante da N114 com uma surpresa totalmente dispensável: a primeira estrada cortada desta minha saga. 

É absolutamente inconcebível que a imbecil classe política que nos administra, ao mesmo tempo que destrói com mais cimento a anteriormente bela e até romântica Scalabis não consiga há cinco anos, eu repito, cinco anos, resolver a pequena derrocada de Agosto de 2014 na encosta de Santa Margarida que corta a cidade da icónica ponte D. Luís (link). Não tenho palavras.

Atravessado o rio que dá nome à região estamos no coração do Ribatejo. A planície toma conta da paisagem e surgem as longas retas da nossa Nacional 114, que tanto prazer nos está a dar percorrer. Ainda antes de Coruche a estrada entra em modo “profunda crise de identidade” e julga chamar-se IC10 – nome horripilante para uma estrada que mais parece apelido de um qualquer droide de um filme de ficção científica. 

Quando chegamos a Montemor-o-Novo já sentimos bem na pele a canícula da secura alentejana. Saudamos as Nacionais 2 (link) e 4 (link) e partimos, enfim, para Évora destino final da Estrada Nacional 114, uma das mais arrebatadoras e desconhecidas deste nosso Portugal.

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Quem, o quê, onde, como, quando e porquê – não necessariamente por esta ordem… 



A Estrada Nacional 114, não é mas podia muito bem ser conhecida qualquer coisa como a “A Última Circular Norte e Este da Grande Região de Lisboa”. Tem o seu início no Cabo Carvoeiro, cabo que se situa no extremo da Península de Peniche, sobre o Oceano Atlântico, no concelho de Peniche, Distrito de Leiria e terminus na denominada Porta do Raimundo, cerca medieval de Évora, também referida como cerca nova de Évora ou muralhas fernandinas de Évora. Foi por este ESCAPE percorrida no final de Junho de 2019 aos comandos de uma Royal Enfield Interceptor 650 que gastou uns “ridículos” quatro litros de líquido inflamável do bom nos seus cerca de 200 quilómetros. A N114 não é uma estrada qualquer e é credora do nosso respeito. Apesar de abandonada, retalhada ou maltratada, desempenha ainda hoje papel fundamental no desenvolvimento socioeconómico das populações que serve. Da frescura do atlântico à nobreza do Alentejo corre grande parte da história de Portugal. Localizando-se num país anglo-saxónico seria “vendida” como roteiro turístico de absoluta Classe Mundial.

5 comentários:

  1. Uma bela sugestão. Hoje mesmo seguimos uma tua anterior:percorremos a peculiar N5, com uma 1ª paragem para almoço à beira Sado, em Alcácer, e uma segunda no Torrão para a água das pedras��. O regresso foi feito pela N2 até Montemor e, depois, N4 por Vendas Novas até ao Montijo. Seguiu-se a Vasco da Gama, com direito a abanicos, e casinha... Valeu.

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    1. Boa!! E é um belo passeio circular pelo sul e sueste da Grande Lisboa. Agora falta fazer o "outro lado". Começas na N8 rumo a Peniche e dali a N114 com regresso pela N4 a Lisboa. O Plano Rodoviário Nacional de 45 foi uma coisa mesmo muito bem feita... ;)

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  2. Vinha à procura de comentários da mota :)... o que achaste?

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    1. Aqui: https://oescapemaisrouco.blogspot.com/2019/07/royal-enfield-interceptor-650-prova.html

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  3. Belo texto, sou de Peniche e é triste ver o marco Km 0 dentro da vedação dita militar (pertencente a area do Farol) só uma questão, são os 193kms indicados no wikipédia ou os 200 do traçado no maps? isto para tentar decifrar o final e perceber se existe o Marco com os km´s final. Já lá estive e nao o encontrei e volto em breve novamente.. Boas Curvas

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