domingo, 23 de outubro de 2022

Antes pelo contrário

João Rebocho Pais (aka Jan Jan Pais) começa aqui uma colaboração regular com este ESCAPE, o vosso blogue de cultura moto. Aproveitem a leitura pois é escrita “classe Rainha”. Obrigado João!


Tem dias em que falar da corrida do Miguel é um pouco como tentarmos agarrar a própria sombra, sabemos que anda por ali, vamos pé ante pé e quando chegamos para caçá-la ela esvai-se num ápice, estava ali já não está. 

Em boa verdade, aquela sensação de nervoso miudinho que nos assalta quando embarcamos com o Falcão em busca de sua glória, dele e, por conseguinte, nossa também, pois essa coisa boa e inquietante não chegou a assomar-nos em nenhuma das três madrugadas de enfiada que, com gosto e afinco, devotámos à causa oliveirista. 

E se a FP1 com a P1 de Binder, chegou a insinuar cenário em que as KTM se safariam ali para os lados da Malásia, já as restantes sessões tratariam de nos afrouxar ambições, a todos fazendo descer à terra, com o extra nunca desejado de assistirmos a uma Q1 em que o nosso Falcão sofreria, de novo e em parte, aquele pesadelo em que o vemos ao fundo da sala, na última carteira, tipo aluno que se distraiu. 

Não cremos ser o caso, aliás apontamo-lo improvável. 
Lá está! 

Vemos proposto por vezes em alguns palpites, sem no entanto virem assinados e carimbados com um ‘jurar jurado’, a ideia de que por comparação a Brad ou a outros pilotos a questão das décimas que valem ‘degraus escada abaixo’ na situação do 88 se deve a um menor ‘conseguimento’, chamemos-lhe assim, por parte do nosso menino homem herói.

Ora se a perfeição nem na aritmética daqueles que compõe a grelha na MotoGP funciona, sabendo nós de ciência certa que para alguns predestinados a soma de dois mais dois será bem mais do que quatro e que, para outros, semelhante adição poderá inclusive equivaler a uma cruel subtracção, pois o que podemos dizer é que Miguel raramente se engana na correcta aplicação das incógnitas e variáveis que... dele dependam para dar o expectável e máximo uso à tecnologia que o leva para a pista. 

Já das outras, variantes e outras que tais, pois aí é que a porca torce.
O rabo. 

Posto isto, e olhando à corrida propriamente dita, após uma madrugada que começou pelas cinco da matina, com a habitual farândola trazida pelos meninos da Moto3, com os seis primeiros a terminarem dentro da mesma ‘metade de segundo’ vejam-me lá, seguida de uma corrida de Moto2 em que Ai Ogura guardou para a última curva ‘a precipitação de todo um campeonato’, prescindindo de ir à última cartada com manilha, rei, dama e valete de trunfo, ao invés almejando chegar desde logo vestido de Ás da mesa e arredores, já coroado Rei do Baralho, acabando por ser vítima dos deuses da crueldade, aqueles que ‘fazem perder a frente’ sem aviso prévio nem carta registada, necessitando, agora como nunca, que uma cimeira de conjugações conspirem contra Augusto Fernandez e lhe abananem os 9,5 pontos de vantagem com que se vai iniciar Valência. 


E pronto, só pela referência mais detalhada a estas duas corridas, já podem concluir que da principal e a que mais nos interessa, pouco me inspira o teclado.
Mas vamos lá.

Arranque a prometer água na boca do nosso Falcão, crença sólida de que a madrugada se coroaria em início matinal de êxito e motivos de sorriso, até ao momento inglório, e não virgem este ano, de vermos Miguel no elevador que desce, por oposição ao que lhe observávamos até então, secando toda e qualquer pretensão ao paladar que se nos apurava para um cafezinho comemorativo. 

Ah, é sempre a mesma coisa, parece que adivinho no éter que trazem as redes sociais... 
É.
E não é.

Na realidade. Jorge Martin, ou Martinator, como já fez amiúde anteriormente, transformou uma liderança de prova em queda e tudo perdeu, se for disso que falam, aí sim…, parece repetir-se o padrão. Já Miguel, lutando por certo com algo em sua ‘demasiado bipolar KTM’, foi tratando de se manter à tona, garantindo um P13 que nos poderá parecer acinzentado mas que... acrescenta três pontos ao alforge, e que por sua vez significam a chegada a P9 na Geral, por troca com ... Martinator, isso mesmo, ess’outro montando uma Ducati daquelas que parecem reinar em terra de cegos. 

E, já que um pequeníssimo e momentâneo desânimo me levou a tergiversar por outras bandas que não as de Oliveira, algumas pequenas notas em torno do resto da turma. 


Quartararo. Inegavelmente o gajo que sai do bar e enfrenta o bando, sem medos e de punho cerrado, aviando umas biscas certeiras que lhe permitem chegar a Valência e sonhar que tudo vale a pena! 

Bastianini. Se, em corrida anterior, chegou e disse, tirou o chapéu e foi-se, já desta vez pôde apenas fazer como o golfinho, chegou ao topo, fez uma cabriola, e regressou à base a mando do treinador, na cabriola, entretanto, fez lembrar o reboque tipo ACP, passe a publicidade, tirou de aflições e levou para mais à frente o menino que o chefe mandava deixar liderar em paz e sossego… 

Bezzecchi. Mais um da esquadra Ducati, se batesse hoje Fabio na classificação poderia dar o título a Pecco. 
Pois. 
Se a minha avó tivesse rodas, era um camião, se tivesse barba era meu avô! 

Rins, para mal dos nossos pecados, renasceu nestas duas últimas corridas e vai roubando a P8 a Miguel, MM parece estar a dar os últimos retoques, em seu novo fato de pretendente ao que era dele, Binder não faz milagres, Aleix não acaba o seu milagre, e nem um milagre ensina Pol a pilotar uma Honda. 



Bagnaia, provável futuro campeão, inegavelmente um piloto extraordinário, o facto é que não se livrará deste manto de desconfiança, quando vemos sete pajens semeando-lhe flores em seu caminho. 

Um grande amigo meu, com quem aprendi o quase tudo do ‘pouco que sei’, em conversa que mantivemos no pós-bandeirada, defendeu-o, realçando-lhe o ‘arranque canhão’. 
Pois.
Se fosse essa a luta, Miguel e MM seriam talvez os reis de Navarone. 
Mas isto sou eu a dizer parvoíces. 

Y ahorita, venga Valência, por curiosidade em dia de meu aniversário. 
O que peço? 
Que Fabio peut gagner. 
E que vossências se mantenham por aí. 

:)

3 comentários:

  1. Mais uma vez uma texto de referência com muita sobriedade.
    Quanto ao arranque canhão do Bagnaia, para olhos de ver descobre-se uma brecha na linha interior de aproximação a curva 1 deixada de forma aparentemente intencional por parte dos cavaleiros da Mooney, que marca categoricamente a história da corrida. Demasiado colinho para o provável campeao para que seja merecedor irrefutável desse título.

    ResponderEliminar
  2. Sempre um prazer ler, obrigado Jan Jan País
    Muito sucesso neste projecto

    ResponderEliminar

Site Meter