terça-feira, 18 de outubro de 2022

O voo escondido do Falcão

João Rebocho Pais escreve hoje neste ESCAPE. E isso é notícia. O João é mais conhecido no nosso meio motociclistico como Jan Jan Pais. Colaborou com a imprensa dita especializada tendo sido lá que lhe notei uma escrita absolutamente fresca e vibrante, enérgica pedrada no charco do aborrecimento, em que cada vez mais se vai transformando o panorama das letras em duas rodas – há excepções, notem; excepções que apenas confirmam a tendência. 


Segundo o João, aqui a sua escrita surge “quando um vulgar cidadão de lineu se apaixona por uma modalidade fascinante. E resolve ensaiar umas curvas mais umas acelerações em forma de parágrafos. Que não vos macem minhas palavras!”, pede ainda. 

Quem sabe não tenham notado, todavia o João não nasceu ontem e sim em Lisboa em 1962. Cresceu na zona oriental da cidade, local fértil em personalidades de vulto, de filantropos a vigaristas, de homens de ciência e cultura a comerciantes de mercadorias ilícitas. Entrou para a aviação comercial em 1985 e assume-se como leitor apaixonado que passa demasiadas horas nos aviões. Nunca imaginou escrever uma história para muita gente. Contudo estreou-se no Romance em 2012 com "O Intrínseco de Manolo”. A primeira obra foi bem recebida. Seguiu-se-lhe “Dizem que Sebastião” (2014) e “Olhando por Mr. Bergman” (2016). 

O texto que se segue foi resgatado ao MotoGP Fórum Português que conta com quase 85.000 membros na rede social Facebook que, espante-se, é frequentado por tantos que até aqueles que vilipendiam as redes sociais (essas malvadas que dão cabo da imprensa dita especializada!) não perdem tempo e oportunidade a lá publicarem as suas notícias, algumas delas em modo absurdo clickbait. Melhor sorrir. E agradecer ao João a cedência do seu belo texto que se segue.

O voo escondido do Falcão


Que corridão, senhores ouvintes, que corridão. MotoGP mascarada de Moto3, aquilo foi de torcer e destorcer dedinhos, assim sim, ora chega, chega, chega, ora arreda lá para trás, variadíssimos os candidatos à dança do rei, sustenham a respiração, não façam barulho, eles andam aí. 

Rins, o Chaplin da Suzuki que, a duas corridas de ir para casa, testa material nas motas e ganha corridas, expliquem-nos lá isto faz favor, pois Alex merece que se lhe tirem todos os chapéus, a cartola, o de côco, o de cáubói e o de sol, veio de P10, chegou-se à frente com pezinhos de lã e subiu os degraus com botas de vaqueiro australiano, muy bien chico, deu gosto ver-te chegar lá, depois de te esgueirares para a Q2 pela ínfima quantia de 0,04 segundos imagine-se, eia lá hombre, o que tiveste esta madrugada (para nós), mereceste-o e bem. 

Logo de seguida o regresso de Marc Marquez, ó diacho, será mesmo que este rapaz, depois de todos os calvários galgados e repetidos, ainda nos vai trazer novo fôlego e mais reinado no pedaço? Em boa verdade, o que mostrou foi esclarecedor, anda menos dependente de ‘saves’, redesenhou seu estilo de samurai, agora é mais régua, esquadro e punho, e menos elipses na geometria das curvas. 

Por fim, fechando o pódio, um Bagnaia que conta inegavelmente com duas vantagens gigantes em relação ao desprotegido Fabio, anda de Ducati e tem os guarda-costas da Ducati, que o diga Bezzecchi, que chegou e disse, tirou o chapéu e foi-se, não se atrapalha o afilhado do patrão, é mau agoiro e não traz felicidade, já Quartararo, se olhar a parceiro que possa ajudá-lo, esbarra num Morbidelli a quem parece ter saído a fava gigante de um bolo pouco rei chamado Yamaha. 

Bestia também subiu degrau a degrau, andou pelos confins da obscuridão que as câmaras não mostram nem a pau, já Jorge Martin, hoje por hoje um dos directos adversários de Miguel na geral, fez a Pole, depois foi como o golfinho, andou lá em cima, fez umas cabriolas, até chegar o elevador que descia, lá o apanhou e em boa hora foi deixando pontinhos sair borda fora. 

E as Aprilia, que agora tanto nos interessam, mais as KTM, que isto ainda não terminou, como foram elas? Pois bem, Aleix andou um pouco como o clima, faz que chove mas não, pouca a molha, ora coiso ora nem por isso, esgravatou lá na frente, terminaria em P9, fica agora a vinte e sete pontos do líder, em Sepang pode bem dizer adeus ao seu sonho inatingível, cheira-me. Já Maverick, depois de ser o último dos primeiros na Q2, aquilo foi um ver se te avias, acabou em P17, é a vida dura destes cavaleiros, uns dias de sol, outros de chuva miudinha, quem não entende isto bem que pode poupar-se a arrelias desnecessárias, o pelotão tem hoje uma mão bem cheia de candidatos a candidatos, essa é que é essa, aquilo à mais pequena distração cobra uma enormidade, com juros se for preciso, a este mundo chega uma sardinha a cada mil cardumes, agora, como dizia Guterres, é fazerem as contas. 


Brad Binder, arrancando de P16, engrenou o ‘Brad attack mode’ chegou a andar em P7, faca nos dentes e ‘espera aí que já vais ver’, algo porém o refreou, num repente começou a andar para trás, pouco comum nele, verdade seja dita, terminaria em P10, dois lugarzinhos à frente de Oliveira, de quem passaremos agora a falar, se nos derem licença e para tanto guardem ainda paciência na leitura. 

Pois bem Falcão voou invisível, é o que posso dizer, secura de imagens da sua corrida em ascensão, ele que pagou forte e feio um raríssimo erro de leitura em pista durante a qualificação, três posições na grelha e mais uma ‘longuelépe’, toma lá bolachas, já vi outros pecar mais feio e ‘nicles batatóide’, mas siga a banda, prá frente é o caminho, e se assim pensou, melhor acelerou, a justiça a todos guarda, mas ninguém a quer em casa, diz o povo e bem, o 88 atirou-se à sua jornada de trabalho e... galgou doze posições, chegou a um P12 que trouxe quatro importantes pontos nesta quezília de TOP8 final, temos homem, temos Miguel, Oliveira, temos Falcão, o nosso menino está e estará, pena que pouco ou nada o tenha eu visto nesta madrugada de continente a continente, logo hoje que nem o ‘livetiming’ me chegou para trazer novas ao milésimo da frente de batalha, sabem como gosto de desenhar em parágrafos as batidas das asas do nosso mais que tudo, mas hoje foi mais por adivinhação, que imagens... viste-las! 


E pronto, mais uma moeda, mais uma voltinha, MO cresceu ainda mais na adversidade, foi em seco, foi de raiva, foi em bom, para semana lá estaremos, em Sepang e na bancada gigante que é este nosso mundo de gente que acorda a meio da noite para ver um compatriota brilhar ao mais alto nível. Bora lá então!

4 comentários:

  1. Este texto é um verdadeiro hino ao MotoGP, às boas corridas e ao grande MO88.
    Obrigado
    Polluxrider

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  2. Obrigado pelo bom texto (muitos falam mas poucos sabem)um abraço

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  3. Tudo dito parabéns 👏👏👏

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